sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Descartes e a Filosofia Moerna. José Mauricio de Carvalho – Pós doutorando do NUPES/UFJF.

 

René Descartes, nasceu na França, em La Haye, em março de 1596 e morreu em Estocolmo, em fevereiro de 1650, antes de completar cinquenta e quatro anos. Foi filósofo, físico e matemático e é considerado o pai da filosofia e da matemática modernas. Também é conhecido pelo nome latino Renatus Cartesius.

Como matemático, Descartes aproximou a álgebra da geometria, o que lhe permitiu criar o sistema de coordenadas que ficou conhecida com seu nome. Apesar de seus estudos matemáticos serem relevantes, nossa atenção, nesse texto, estará voltada para sua contribuição ao pensamento filosófico e para o aprofundamento dos problemas culturais dos séculos XVI e XVII. Conforme resumido em História da Filosofia e Tradições Culturais (Porto Alegre, EDIPUCRS, 2001. p. 191): “A filosofia parece-lhe, legítima ciência, porquanto examina o princípio que garante o funcionamento da razão.”

Nos séculos XVI e XVII surgiu e se consolidou na Europa a ciência moderna na esteira do humanismo renascentista. Os dois problemas fundamentais do período, como sabemos eram o da justificativa de construção dos Estados Nacionais e, especialmente, a fundamentação epistemológica da ciência moderna. Os filósofos foram desafiados a explicar o processo político e, principalmente, fundamentar a nova forma de fazer ciência, diversa da praticada na antiguidade e Idade Média. Estavam, sem síntese, diante do desafio de explicar porque, no âmbito do conhecimento, a ciência moderna conseguia se apresentar como verdade que tranquilizava os espíritos.

Como se sabe (id., p. 181): “o século XVI foi um tempo de mudanças na cultura ocidental. As navegações revelaram um mundo diferente do descrito nos livros, a experiência direta mostrou-se importante fonte de informação para conhecimento do mundo, e, com ela, os paradigmas para o entendimento da realidade cósmica se modificaram.”

No que tange à fundamentação dessa nova forma de compreensão da realidade cósmica, Galileu Galilei articulou os métodos indutivo e dedutivo num novo ordenamento no estudo da natureza, capaz de fornecer um outro paradigma para entendimento do mundo natural. Dessa forma, o método científico pediu não apenas uma justificação epistemológica, a razão pela qual é válida a nova forma de conhecer o mundo, quanto metafísica, porque trazia uma nova maneira de percepção do cosmo, tema de nossa última exposição nessas meditações filosóficas. Essa nova compreensão da realidade natural suscitou ainda uma questão antropológica, o que é o homem nesse mundo descrito pela ciência? Ele se submete às mesmas leis da natureza ou tem algo que o singulariza dos seres naturais? São diversas questões. Descartes encontrou para elas uma resposta de síntese: o homem é parte natureza e parte pensamento ou espírito, realidades diferentes com funcionamento diverso. Portanto, ele esclarece, o homem é um ente dual no qual se somam sua realidade material (res extensa) e a dimensão espiritual (res cogitans), irredutíveis uma à outra.

Descartes chegou a esse dualismo não estudando o funcionamento do mundo natural, mas se perguntando pelo fundamento do conhecimento. O que assegura o conhecimento e o torna válido? A certeza subjetiva obtida de forma clara e distinta. Como ele chegou a essa conclusão? “No Discurso do Método (1637), ele explicou o significado dessa tarefa: a busca de um procedimento de investigação capaz de dar unidade ao saber. O novo método devia substituir o escolástico, que não se ocupava da experiência.” Esse novo método para pensar o mundo era diferente do que fora desenvolvido pelos cientistas naturais: Bacon e Galileu, embora não fosse incompatível com as investigações dos cientistas. Devido a sua formação matemática, Descartes recuperou a questão trabalhada por Galileu Galilei. Como se poderia proceder, perguntou Descartes, para se compreender a realidade? Sua resposta foi: partindo-se de um princípio inquestionável do qual fosse possível deduzir outras verdades? Será possível obter um tal princípio? Como?

Para responder a essa questão, o filósofo começou duvidando de tudo, elevando a dúvida ao máximo grau e concluindo que todos os conhecimentos eram falsos ou poderiam sê-lo. Porém, esse momento de dúvida extrema lhe ofereceu uma única certeza, a saber, é possível se enganar sobre tudo, menos sobre a existência da consciência que duvida, pois se ela não existisse não poderia duvidar. Chega, então a uma intuição fundamental na quarta parte do Discurso do Método, não a uma dedução, mas a uma intuição: penso, logo sou, ou ainda melhor: penso, sou. Há em mim uma consciência que, independente do objeto do pensamento, permite chegar a essa certeza básica. Dela é possível extrair uma fórmula de certeza: é verdade tudo aquilo que se mostra para minha consciência de forma clara e distinta, tanto como intuo a minha própria existência. Assim, a dúvida hiperbólica do início da investigação levou a uma certeza inquestionável: a realidade da consciência subjetiva. Isso coloca como certo que o verdadeiro é aquilo que a razão me propõe como tal, nada mais, apenas aquilo que aparece na consciência de forma clara e distinta.

O legado cartesiano foi percebido de forma diversa nas diferentes tradições filosóficas, na Inglaterra foi apreendida pelas reflexões sobre a experiência no desenvolvimento do empirismo e na França e Alemanha do racionalismo. Em Portugal, o racionalismo cartesiano levou ao acirramento da moral contra reformista como foi explicado em Caminhos da moral moderna, a experiência luso-brasileira (Belo Horizonte, Itatiaia, 1995), mas não temos como entrar sem tema de forma rápida.

Toda a meditação cartesiana, em que pese suas limitações e problemas discutidos ao longo de toda Idade Moderna, nos coloca diante de uma questão atual recuperada pela fenomenologia: o homem possui diferentes dimensões e não pode ser considerado um ente puramente espiritual ou simplesmente material.


 

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