sexta-feira, 2 de março de 2018

O CAMINHAR NO SILÊNCIO.. Selvino Antonio Malfatti.





Em diversas partes do mundo, mormente em civilizações de Primeiro Mundo, surgem sinais de alerta sobre o avanço da robotização em detrimento da humanização. Estes sinais provem das mais diversas áreas do saber como filosofia, psicologia, sociologia, antropologia e até mesmo das ciências denominadas experimentais. Os alertas apontam para o perigo do cientificismo, hedonismo, utilitarismo, enfim um mundo onde só existe cada um.

Nesta esteira encontramos o pensador francês David Le Breton, professor da Universidade de Estrasburgo, que em 2015 lançou o livro: El Silencio e Elogio del Caminar. Propõe formas concretas para enfrentar a desumanização dos dias atuais. Uma das formas seria o silêncio.

Constata o filósofo que estamos sempre conectados com o ruído, mormente o portátil. Há dispositivos grudados em nós que nos lembram a toda hora que estamos conectados, quando recebemos uma mensagem ou nos alertam sobre os horários. Este mundo que nos circunda veio juntar-se ao do século XX, como tráfego de carros e todo tipo de contaminação acústica. Se adotarmos o silêncio estamos numa postura de resistência, protegendo nossa dimensão interior, nos revestindo de uma redoma contra as pressões exteriores. O silêncio é o instrumento para mantermos uma conexão com o interior. O silêncio visibiliza o interior, enquanto o ruído a neutraliza.

Outra forma de nos manter conectados com o interior é o caminhar transcorrido em silêncio. A esta conclusão Le Breton chegou ao fazer o Caminho de Compostela. Ao caminhar mais de trinta dias em silêncio, ao término, constatou que se transformou completamente. Era outra pessoa. Isso devido a dois fatores conjugados: caminhar e silêncio. 

Diz Le Breton que caminhar é uma forma de tomar consciência de si, de sentir seu corpo, no respirar, no silêncio. Não pode ser um caminhar com objetivo: vou à padaria comprar pão. Não. Um caminhar sem fim, sem meta, sem buscar nada. O português tem uma palavra definidora: ao léu.

Ele constata que já não conseguimos ter uma conversação com os demais. Utilizamos ferramentas tecnológicas para nos comunicar. E estas nos desligam do nosso interior. Há culturas que enfatizam o mundo interior, como a japonesa com a filosofia do zen. Nas remotas tradições cristãs se valorizava o silêncio. Inclusive a própria educação abria um espaço para a meditação silenciosa. Era uma forma de compreender o que não se poderia dizer. E nisso consistia a sabedoria.

Na filosofia portuguesa há um corrente de pensamentro que aparentemente  parece uma “contraditio interminis”: a experiência mística. A experiência religiosa que nos possibilita transpor o limiar do racionalismo para entrar num mundo místico. Este valor conferido à experiência mística constitui uma peculiaridade da Filosofia Portuguesa. Admitir a experiência religiosa como mais uma forma gnosiológica é poder alçar-se a um mundo acessível a poucos.
Acatada como válida para o conhecimento a experiência religiosa abre o leque das possibilidades de formas de conhecimento e confere legitimidade à sensação, intuição, sentimento, imaginação e crenças. Uma das mais significativas é a ética que transcende a lei, norma, mandamento. O noumeno dos mitos leva ao sagrado, ao divino, à união mística.

Quando entramos no ambiente do silêncio, que pode ser pela caminhada, encontramos outras vozes, outros interlocutores, outras realidades, escondidas por trás dos aparelhos penduricados em nosso corpo.








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