sexta-feira, 10 de julho de 2020

SAÚDE E POLÍTICA. Selvino Antonio Malfatti.


                                                                       


O ator brasileiro, Flávio Migliaccio suicidou-se deixando uma Carta acusando, genericamente, não se sabem bem quem:

“Me desculpem, mas não deu mais. A velhice neste país é (…) como tudo aqui. A humanidade não deu certo. A impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este e com esse tipo de gente que acabei encontrando. Cuidem das crianças de hoje”, disse na carta.

Questiona-se: o quê e por que não “deu certo” a velhice. Responderia que foi pelo seguinte: a saúde fez a sua parte, mas a política se omitiu. A ciência melhorou a saúde, deu mais anos de vida, aprimorou a qualidade de vida, ofereceu a possibilidade de alegria de viver na velhice. A política não providenciou assistência à saúde, não disponibilizou locais próprios, abandonou-os à própria sorte ou encerrou-os em casa junto com filhos e netos: sem saúde, sem alimentação adequada, sem acesso a bens materiais e imateriais, sem lazer, sem passeios, como poderia dar certo?

O que está em jogo é estruturar o período da velhice para que seja prazeroso e o menos dolorido possível. Em sociedades adiantadas, os vários períodos da vida possuem uma organização cujo trajeto flui normalmente. Assim acontece com o período de criança, infância, adolescência, juventude e vida adulta. Em cada período destes as pessoas ingressam e saem naturalmente. Para cada uma delas esperam-se comportamentos adequados e o ingresso e saída se dá sem traumas, a não ser os próprios do período. Uma criança passa da infância para a adolescência sem sentir e transcorre o tempo no estágio sem transtornos.

Isto é ocorre com a velhice. Quando a pessoa ingressa nela se vê perdido, abandonado, sem finalidade. Não há uma estrutura que abrigue a velhice. Refiro-me uma estrutura institucional assumida pelo poder público e coadjuvado pela iniciativa privada.

Este é o princípio da solidariedade entre as gerações. Há uma geração anterior que originou a atual, uma geração atual que precisa cuidar desta quando envelhecer. São três momentos: anterior, atual e posterior. O fluxo solidário não pode ser interrompido com o perigo do rompimento do vínculo cultural. Se o elo estabelecido se romper as gerações deixarão de se identificar umas com as outras como um nós.( Cf. Manuel Castells, sociólogo espanhol, em artigo publicado por La Vanguardia, 20-06-2020).

Acresce-se o aumento da expectativa de vida em lugares de ciência mais avançado, mas de estruturas de assistência não tão avançados, causa desequilíbrios quando não houver políticas públicas adequadas.  Até pouco causava admiração os septuagenários, depois vieram os octogenários, em seguida os nonagenários e agora já aparecem os centenários. A gerontologia  requer cuidados especiais: saúde, alimentação, lazer, assistência 24 horas. O problema é que não há estruturas públicas para isso e as privadas são caríssimas. As famílias não conseguem dar suporte econômico a esses seus familiares. E o poder público é omisso. Com isto as gerações de idosos ficam à mercê das famílias que não podem suportar economicamente e muito menos emocionalmente os idosos.

(http://www.ihu.unisinos.br/600225-geracoes-artigo-de-manuel-castells?fbclid=IwAR29FVM-OiQJnYdYAXG-V3-0gLFcsgb-PreBXnsIeH_uWNxkkdnKmavkAiU).


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