sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

FLORENÇA – UMA SÍNDROME DE STENDHAL. Selvino Antonio Malfatti

 



Florença, cidade toscana da Itália, mereceu um livro de Pierre Antonetti, professor de literatura de Marselha, com o título de “A vida cotidiana de Florença no Tempo de Lorenzo, o Magnífico”, da série a HISTÓRIA VISTA DE BAIXO, por Pier Luigi Vercesi. Ele descreve Florença como um território muito pequeno, que repentinamente eclodiu numa floração fantástica. A cidade era constituída por uma comunidade muito minga, 40 mil habitantes, com o agravante de no século XV recém tinha se recuperado da Peste que a assolava desde 1348, conforme o Decameron de Boccaccio.

Ainda hoje qualquer analista se surpreende e fica estupefato ao deparar repentinamente com Florença. Há arte em toda parte: nas ruas, nos prédios, nas igrejas sem falar nos museus. Não se sabe por onde começar, onde olhar primeiro, ou dar maior atenção ou deter-se. Tudo é magnífico como seu líder Lourenço de Medici. E a pergunta inevitável: mas como surgiram num só lugar e ao mesmo tempo tantos gênios artistas e pensadores? Às margens do Arno toda cidade é uma obra de arte. Só para citar alguns: Dante, Giotto, Leonardo da Vinci, Maquiavel, Michelangelo. E também devemos mencionar Masaccio, Beato Angelico, Botticelli, Ghiberti, Donatello, Verrocchio, Benvenuto Cellini, Leon Battista Alberti, Marsilio Ficino e muitos outros. Todo este ambiente cultural costuma-se denomina-lo de Renascimento italiano.

Florença, uma cidade republicana, mais precisamente um Principado, governada pela família Médici, apoiada por uma oligarquia constituída de bancos, comércio e indústria. Lourenço de Medici, o Magnífico, um homem de letras, empolgou a elite local, nacional e até internacional em torno da arte, literatura, filosofia e Política.

Incentivada por  Lourenço a cidade sofreu uma remodelação completa, as casas de madeira deram lugar as de pedra e tijolos, as moradias familiares substituíram os palácios. O exemplo dos Medici foi seguido pelas famílias Spinelli, Pitti, Strozzi, e Rucellai, entre outras.

As condições econômicas da maioria da população parecem não ter influído no projeto artístico de Florença. Este seguia inexorável seu objetivo: encantar a cidade. Havia populações de “miseráveis”, pobres e modestos. O foco de Lourenço não era solucionar a pobreza, mas ornamentar com arte a cidade. Com certeza passava ou não pela sua cabeça: “pobres sempre tereis entre vós”. Beleza não cai do céu, se não for conquistada, de per si não virá.

Se não foram as estruturas econômicas que explicam o boom artístico, certamente o ambiente cultural pode explicar. Os Mecenas, entre eles Lourenço, serviam de intermediários entre os artistas e a produção das obras.  Houve um líder que sublimou e canalizou o conteúdo que aflorava espontaneamente. Foram criadas as condições propícias para germinar o que era apenas um potencial. Miguelangelo, por exemplo, recebeu de Lourenço um atelier. O fenômeno pode ser explicado “ex a se” e não “ab alio”. Estava dentro da cidade e não fora.  

Todo este esforço e movimento cultural de Florença se denominou de Renascimento. Costuma-se dividi-lo em três fases que vai do século XIV ao séculoXVI: Trecento, Quattrocento e Cinquecento.

1.    O Renascimento do “Trecento” italiano se manifesta particularmente em Florença. Esta - tal uma Atenas - ergue-se como um centro político, cultural e econômico regional. Nesta fase despontam os gênios artísticos e intelectuais Giotto, Boccaccio e Petrarca.

2.    No segundo período, o “Quattrocento”,  o Renascimento dissemina-se por toda península. É o auge do Renascimento na Itália. Pontificam Botticell, Da Vinci, Rafael, e como coroamento, Michelangelo.

3.    No terceiro período, o “Cinquecento”, o Renascimento conquista a Europa, desdobrando-se em outras dimensões culturais como estéticas, filosóficas e políticas. Um delas é o maneirismo artístico, a Contrarreforma religiosa e o Barroco da Igreja Católica. Destacaram-se na literatura Ariosto e Torquato de Tasso. Na política culmina com Nicolau Maquiavel.

O historiador francês Yves Renouard (1908-1965)  assim se expressa:

“O gênio germinou em Florença nos séculos XIV e XV mais do que em qualquer outra cidade do mundo. Certamente Atenas no século V de Péricles e no século IV reunira um número incrível de homens de gênio. Mas nunca tantos gênios surgiram em poucas décadas como em Florença...”

Por isso, podia concluir: O Espírito respira onde quer.

 

 

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