sexta-feira, 9 de março de 2018

O desafio da moralidade José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei.










Desde que publicou o livro La Rebelión de las Masas, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset colocou em discussão sua tese de que se vive uma crise de moralidade. Essa crise não significa que as pessoas estão menos propensas a fazer escolhas éticas, como uma leitura superficial pode sugerir. Em outras palavras, não significa que os políticos, os policiais, os agentes do Estado, as pessoas em geral de hoje são mais desonestas que as de ontem. Não é exatamente disso que se trata. Pode ser que o fenômeno indicado por Ortega esteja na raiz disso e ajude a explicar porque as pessoas estão menos atentas aos ideais éticos, mas a questão é mais profunda.

O que parece explicar o enfraquecimento moral é uma fragilização dos controles do Estado, um movimento que veio com o liberalismo conservador, uma onda que se iniciou no final do século passado. O movimento foi liderado por Margareth Thatcher e Ronald Reagan, a primeira ministra inglesa e o presidente americano. Juntos articularam um programa político que visava a redução do papel do Estado na vida da sociedade com um agressivo programa de privatizações ancorado no chamado Consenso de Washington que serviram de modelo para vários países, inclusive para o Brasil. Esse projeto político pretende a redução da presença do Estado na economia, pela valorização do mercado, conforme ensinava Friedrich Hayek. Esse projeto incluía privatizações de estatais, redução de impostos diretos e sobre a propriedade e aumento dos impostos sobre o consumo, combate a força dos sindicatos, eliminação do salário mínimo e acabando com aquilo que ficara conhecido como Estado do bem estar social, que ganhara força entre os estados democráticos depois da crise de 1929.

O movimento conservador no ocidente foi paralelo ao fim da URSS decorreu do fracasso das reformas pretendidas por Mikhail Gorbachev, presidente e secretário-geral do Partido Comunista Soviético, eleito em 1985. A tentativa de renovação do comunismo veio com medidas que ficaram conhecidas como Perestroika e Glasnost. Essas reformas vieram com a tentativa de reduzir os gastos como o auxílio a países comunistas como Cuba e Coreia do Norte, diminuir a presença de tropas soviéticas em guerras setoriais, como a do Afeganistão, e os custos da política armamentista. Foi uma tentativa fracassada de tornar mais eficiente o controle estatal da economia. Essas medidas aceleraram desavenças internas e não produziram o fortalecimento da economia. O fim do socialismo real colocou em cheque toda a ação social do Estado numa espécie de divinização do mercado.

De modo geral o enfraquecimento dessa presença do Estado na sociedade afrouxou o controle estatal sobre o mercado e os donos do capital (nacional e internacional) corromperam os agentes públicos nos Estados onde a força da organização estatal era menor. Em outras palavras a governança piorou em países como o Brasil, mas pouco em lugares como a Noruega, Estados Unidos ou Canadá. E quando se fragiliza o Estado, não como controlador da economia, mas como agente confiável de controle social, há uma decadência dos costumes e o desrespeito a ordem legal. O que ocorreu no Haiti é prova disso. O Estado praticamente acabou em razão do grande desastre natural e da fragilidade das autoridades. A ONU mandou para lá uma força militar internacional para assegurar o respeito às leis que o Estado já não garantia.

Na perspectiva individual, a moralidade é sempre resultado da escolha pessoal e isso significa que o homem de ontem ou de hoje se coloca diante do dilema moral toda vez que escolhe. O que Ortega observou é que estávamos num tempo onde o compromisso com a excelência foi deixada de lado ou porque os homens não tinham um conhecimento à altura do tempo ou se comportavam como criança mimada, que quer coisas que sabe que não deve. Essa circunstância sugere que mesmo se a governança do Estado melhorar e o controle sobre os agentes públicos for muito eficiente, a sociedade permanecerá em crise moral se o homem contemporâneo não reencontrar o caminho da valorização da excelência pessoal nas tarefas que tem para executar. É essa a dimensão do desafio a enfrentar.



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