sexta-feira, 16 de junho de 2017

A falta do mestre Reale.. José Mauricio de Carvalho Academia de Letras de São João del-Rei




O julgamento no TSE da chapa Dilma-Temer terminou com frustração daqueles que desejam um país sem corrupção e, especialmente, onde valor e justiça caminhem juntas.
O raciocínio seguido pelos juízes que votaram pela absolvição da chapa vencedora no último pleito presidencial foi a desqualificação da denúncia inicial, para que o processo ficasse ao ponto da absolvição, ainda que para isso fosse necessário fechar os olhos para o enorme conjunto de provas agregadas ao processo com as gravíssimas denúncias dos executivos da JBS. Ainda que as provas contidas na petição inicial não fossem suficientes para condenar a chapa, o que é bastante duvidoso, o conjunto de provas agregadas ao processo seria certamente mais que suficiente para conduzir o julgamento nessa direção.
O caminho seguido pela maioria dos juízes foi desconsiderar os fatos na sua integralidade em nome, provavelmente, da estabilidade econômica. Esse parece um raciocínio limitado, somente válido para os superficiais e oportunistas, porque não parece que a aberta mentira possa assegurar a legitimidade e a estabilidade econômica no médio prazo. Se não tiver efeito ruim imediatamente o terá no futuro, no momento dos próximos pleitos quanto o eleito deverá assegurar apenas que governará, não importa o modo como atinja o poder. Essa atitude dos juízes provoca uma grande saudade do mestre Reale, que para além de jurista era filósofo e fazia com que fato, valor e norma estivessem atadas pela força da consciência histórica. Valores que a consciência nacional reconhece como fundamentais para a convivência pacífica e justa dos cidadãos como honestidade, integridade e coerência não podem ser desprezados, mesmo que provoquem dor no momento.
No livro Miguel Reale, ética e filosofia do direito pode-se ler (Carvalho, 2011, p. 186/7): “A compreensão tridimensional do Direito sugere que uma norma adquire validade objetiva integrando os fatos nos valores aceitos por certa comunidade num período específico de sua história. No momento de interpretar uma norma é necessário compreendê-la em função dos fatos que a condicionam e dos valores que a guiam. A conclusão que nos permite tal consideração é que o Direito é norma e, ao mesmo tempo, uma situação normatizada, “no sentido de que a regra do Direito não pode ser compreendida tão somente em razão de seus enlaces formais” (p. 242).
A questão essencial desse tridimensionalismo jurídico para Reale não é, portanto, mencionar a aproximação entre a norma e valor numa certa circunstância dada. Isso foi feito de muitos modos ao longo da história do Direito. O que há de inovador na contribuição de Reale é tratar fato, valor e norma como partes integrantes de um processo histórico unificado, conforme ele explicou no livro Fundamentos do Direito (1940).
Nessa visão tridimensional elaborada por Miguel Reale o modelo jurídico não é pensado apenas pela coerência interna da lei, sem comparação com outras normas que, estando em vigor, possam alterar a sua significação. Ao serem posicionadas ao lado das normas já existentes, as novas normas dão um outro entendimento ao modelo jurídico em vigor. Para que a elaboração de novas leis não crie um instituto incoerente é preciso entender o tridimensionalismo jurídico como uma relação dialética entre norma, fato e valor. Para nosso pensador, não é suficiente pensar o tridimensionalismo como o faz Gustav Radbruch ou Julius Stone, que estudam separadamente fato, valor e norma”.
Para o julgamento em questão fica-nos aquela lição, naturalmente esquecida, de que a regra do Direito não pode ser compreendida somente pelos seus laços formais e a decisão judicial não pode criar um instituto incoerente firmado em jurisprudência.
                                  


Postagens mais vistas