sexta-feira, 14 de março de 2014

ÉTICA, MORAL E LEI. Selvino Antonio Malfatti





Se os gregos se caracterizam pela discussão filosófica da política, os romanos têm a peculiaridade de pô-la em prática. Experimentaram todas as formas de governo: realeza, império, república e aristocracia; dos diversos regimes desde os ditatoriais até os populistas mais extremados foram testados; governaram-se desde o mais puro estado de direito até os mais violentos regimes de arbítrio. No turbilhão destas experiências políticas nasce o direito, exatamente da meditação moral, isto é, da necessidade de responder aos problemas de sociedades inseridas no espaço e tempo.
Dentre os vários teorizadores do direito romano, destaca-se Marco Túlio Cícero, nascido em Roma (106-43 a.C). Não se poderia enquadrar rigidamente Cícero numa escola exclusiva. Foi platônico, aristotélico, estóico. O Certo, porém, é que tinha aversão aos sofistas, por serem relativistas.
Cícero viveu a confluência da passagem da República para o Império. Na República havia um conjunto de instituições que de certo modo salvaguardavam alguns princípios éticos, extensivos a todos os cidadãos, mormente entre a aristocracia e o povo. O equilíbrio estava sendo atingido paulatinamente. Havia instituições que defendiam o povo e havia as aristocráticas. Os tribunos do povo era uma fortaleza contra as pretensões da aristocracia. Com isso, procurava-se possibilitar uma margem de liberdade, a qual poderia garantir os demais direitos, tais como a vida, propriedade e igualdade. Cícero se destaca na defesa da lei natural, universal, pela qual o mundo era governado por Deus, e através da natureza racional, o homem se torna um parente da divindade. Era o fundamento de uma moral universal ou ética. Através deste princípio advogava a igualdade dos homens. Desde o momento que os homens seriam iguais, todos os demais direitos adviriam por acréscimo. Com isso procurava isolar uma esfera de consenso pela qual se garantiria um respeito aos direitos fundamentais.
Para ele, o homem é um ser capaz de prever, e deduzir. O homem é complexo, dotado de intuição, inteligência, memória e razão. E originário da divindade. O fato de o homem ser racional, o eleva não somente acima dos seres deste mundo, como se iguala aos deuses. O homem e a divindade têm em comum a razão, por isso há entre eles uma associação, uma comum participação. Não só, porém, a razão é comum, como também a reta razão. E como esta é a Lei, podemos inferir, conforme Cícero, que homens e deuses constituem uma comunidade assentada na Lei. Evidentemente que esta não seria uma lei humana, senão os homens estariam submetendo os deuses e válida somente para os homens. Seria uma Lei superior, provinda da inteligência humano-divina, isto é, um conjunto de princípios ético-morais universais. E como aqueles que possuem uma Lei comum, também terão um direito comum. Ora, o direito em comum dá origem à Cidade ou Estado. Por isso, o conjunto do mundo todo é uma Grande Cidade, comum aos deuses e homens. E, por sua vez, o que há nas cidades senão relações de parentesco que diferenciam as famílias? Logo, homens e deuses, tendo em comum a mesma Lei, formam uma Cidade, unidos por laços de família e de raça.
O homem e a divindade estão ligados entre si é através da alma. Embora possa haver povos que não conheçam a Deus, nem por isso deixam de ter parentesco com a divindade. O conhecê-lo significa um acordar ou se dar conta de sua origem. Finalmente, entre o homem e a divindade há em comum a virtude, que nada mais é que a natureza perfeita, levada a sua perfeição.
Diante disso, o homem, copartícipe da divindade, recebeu da natureza todas as prodigalidades, desde os frutos da terra até os meios para chegar ao conhecimento, como é o caso dos sentidos.
Após esta demonstração da comunidade da Lei, direito e cidadania, entre homens e deuses, Cícero passa a mostrar que existe uma comunidade universal entre os homens. Conforme ele, os homens nasceram para a justiça e o direito se funda na natureza, na moral, e não na opinião, conforme pensavam os sofistas.
Nada há de mais semelhante e igual, do que a semelhança e igualdade de nós mesmos. Partindo-se do princípio de o homem o é pela razão, as dessemelhanças não passam de manifestações secundárias. Podem, por exemplo, as palavras ser diferentes, o sentido, porém, é o mesmo. Uma segunda prova da identidade da raça humana são as reações psicológicas, e as fraquezas como a vergonha, alegria, dor, polidez, brutalidades e outras. Se todos tivessem uma reta razão, todos poderiam partilhar do mesmo direito, pois ele é decorrente da mesma Lei. O problema, conforme ele foi quando os homens separaram o interesse e o dinheiro, isto é, foi sobreposto o que é particular ao geral, ou a separação entre natureza, lei e direito.
A terceira categoria de semelhança entre os homens é a moral. Afora casos patológicos, há uma moral universal, conforme Cícero, ou uma ética conforme Aristóteles. A idéia de bem, de justo está presente na consciência de cada homem, que é, precisamente a justa razão, cuja origem está na natureza. Esta moral da justa razão, universal, acima das sociedades concretas, raças e reações psicológicas é a esfera da Ética.

Erigindo a natureza como fundamento último de toda expressão do direito, Cícero atribui à lei um caráter universal, isto é, ela não é arbitrária, mas manifestação do próprio universo do qual o homem faz parte e nele está inserido. Sendo a natureza igual a todos, ela dá origem a leis de consenso entre os homens. Se elas se modificam conforme as circunstâncias, dão origem à sua concretização no “hic et nunc”, isto é, na moral. Se se tornarem gerais, passam a ser éticas e se forem obrigatórias atingem a categoria de leis.

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