sexta-feira, 6 de maio de 2016

A Filosofia na vida contemporânea. José Mauricio de Carvalho




Não são incomuns as críticas à Filosofia. Embora elas sempre tenham existido nos últimos tempos uma revista tradicional tem mobilizado suas baterias contra essa atividade do raciocínio com mais de dois mil e quinhentos anos de existência. Desde sua criação a meditação filosófica passou a ser parte constitutiva da cultura ocidental, em alguns períodos com maior e em outros com menor visibilidade.
As críticas mobilizadas pela Revista se concentram em dois eixos: o ensino da Filosofia (e da Sociologia), servem de guardiãs de ideologias de esquerda e seu ensino ocupa um tempo da educação escolar que deveria ser ocupado com o ensino da Matemática e do Português, pois os resultados dos alunos brasileiros nas Ciências são ruins, conforme os parâmetros de avaliação internacional.
Esses argumentos são tão ruins que é difícil imaginar que alguém, em nosso tempo, ainda os apresente. Os mal resultados dos alunos brasileiros nos mecanismos de avaliação internacional explicam-se melhor por uma quantidade de fatores que somam: as más condições de funcionamento da escola, a desvalorização do ensino entre as classes mais pobres, a desvalorização profissional dos professores e profissionais do ensino, ausência de preparação continuada deles, alto índice de violência na sociedade que se transfere para a escola, os parcos recursos do sistema de ensino, etc. Se sabemos que as aulas de Filosofia no ensino médio são normalmente duas, enquanto as disciplinas de ciências juntas elevam-se a pelo menos nove vezes mais que isso, vê-se que não é a retirada da Filosofia que vai melhorar o conhecimento das ciências. Esse tipo de discurso é reedição empobrecida da pregação positivista  que resume o real à descrição dos fatos. Na verdade a argumentação é uma espécie de elogio inútil da Ciência que remonta aos tempos pombalinos, sem que redunde efetivamente na melhoria da qualidade do ensino das ciências.
A pobre argumentação do periódico não resiste à mínima análise. Primeiro porque o ensino da Filosofia, em nosso tempo, não pode prescindir da Ciência e de suas explicações como legítima interpretação da realidade. O ensino da Filosofia necessita e não concorre com as Ciências. Segundo porque a Filosofia não pretende, e não pode mesmo, assumir sozinha a tarefa de ensinar a pensar a realidade dos alunos, isso é desafio de todas as disciplinas. Terceiro porque a Filosofia ajuda a entender as raízes da cultura ocidental e dos valores que a estruturam, dão coesão social e a delineiam: a liberdade, a democracia plural, o respeito às leis, a tolerância, o respeito à argumentação racional o dar e o ter razão. Valores cuja ausência alimenta o terrorismo fundamentalista e o radicalismo religioso. Quarto porque a Filosofia é um discurso sobre a Verdade ampla (e não ideológico), que é maior, mas que está na base da própria Verdade científica, estética e no compromisso com ela. Quinto porque é da essência da Filosofia o debate livre de ideias e a comunicação do conteúdo pensado, o que é imprescindível à qualquer sociedade humana não autoritária. Sexto porque para se orientar na vida é importante clarificar racionalmente as escolhas feitas e a fazer, condição para superar o auto-esquecimento e não reduzir a vida às trivialidades rotineiras.
Voltando às argumentações iniciais contra a Filosofia é necessário dizer que todo discurso contra a razão filosófica é ele próprio filosófico. E, geralmente, de baixa consistência porque tem por pressuposto que meditar sobre os limites da realidade e os valores é desnecessário ou porque não tem utilidade, ou porque o verdadeiro se resume aos fatos. Em resposta a tal raciocínio não só a importância evidente de desenvolver uma compreensão crítica da realidade, como a preciosa lição de Ortega y Gasset que dizia que não vivemos sem boas razões para tal.  E entre as boas razões é preciso mais que sobreviver. Por isso, mesmo sem utilidade imediata a Filosofia é imprescindível, concluiu o filósofo.
Quanto ao desmascaramento das ideologias poucas disciplinas são tão necessárias como a Filosofia, como mostrou Karl Jaspers ao final da Segunda Guerra e da derrota nazista. Defesa intransigente da Filosofia que foi conduzida, não por um militante de esquerda, mas, como o próprio Ortega, por um dos maiores pensadores liberais da Alemanha livre no século XX.


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