sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A Tragédia e a História. José Mauricio de Carvalho













Na noite do dia 29, a última terça-feira do mês de novembro de 2016, um acidente aéreo matou 19 dos 22 jogadores da equipe de futebol da Chapecoense. Os jogadores se dirigiam à cidade de Medellín, na Colômbia, para enfrentar o Atlético Nacional pelo primeiro jogo da final da Copa sul americana. No voo iam também dirigentes, jornalistas e a comissão técnica da equipe. A maioria dos tripulantes e passageiros faleceu, totalizando 71 pessoas.
Diante desse fato, envolvendo tantas pessoas, a maioria jovem e tantos atletas fica, em todos nós, a inevitável tentativa de compreender o acidente. E as primeiras respostas reproduzem os últimos instantes antes do acidente, busca-se entender os fatos, procuram-se as razões que o provocaram e um cuidadoso estudo se inicia conduzido pelas autoridades aéreas. Algumas pessoas se satisfazem com as respostas que nascem daí, faltou combustível, a companhia aérea assumiu um risco desnecessário, o avião ficou aguardando autorização para pousar, a gasolina acabou, etc. Mas é claro que se pode ir além dessas respostas. Pode-se perguntar porque essas coisas acontecem com os homens? Os gregos quando se viram diante de acontecimentos semelhantes teorizaram sobre a tragédia. Aristóteles a resume como a luta heroica, narrada de forma elevada e que termina de forma triste, com a desolação completa ou a morte dos heróis. E esse sacrifício é incontornável, apesar dos heróis se rebelarem contra o desfecho, não o desejarem, o fim inevitável mostra a força do destino que a todos arrasta contra a vontade. A tragédia é o olhar para a vida mesma, com os fatos que a tipificam, deixando de lado as tentativas de mascarar os desastres ou mistificar a existência humana.
O acidente com os jogadores da Chapecoense, até a batida do avião na montanha e a condução dos corpos e sobreviventes para os hospitais tem todos os componentes descritos pelos gregos, há os heróis em luta para vencer um grande desafio (vencer o jogo final do campeonato sul americano), há a narração épica que enaltece o trabalho dos atletas que se preparam e lutaram para chegar a esse momento, há o imprevisto e terrível fim que a todos arrasta para um final impensável e o fracasso, perderam a batalha. Os fatos que se seguem mostram um final diverso da análise grega.
A cidade de Chapecó, nesse acidente, não apenas chora seus mortos, mas se mobilizou, arrumou o estádio para recebe-los, mostrou toda sua dor, mas se prepara para recomeçar depois de enxugar as lágrimas e enterrar seus mortos. A tragédia uniu a comunidade, deu-lhe uma base que solidifica, um sentimento de pertença. Todos os habitantes da cidade torcem para o clube, todos desejam seu sucesso. Sentindo-se juntos e unidos enfrentarão melhor as adversidades e vencerão os desafios futuros. As nações precisam partilhar esse sentimento comum de pertença para funcionarem como uma verdadeira comunidade. Do contrário serão apenas um agregado de pessoas.
A cerimônia no estádio de Medellín, realizada na hora do jogo, resume as inúmeras manifestações de solidariedade humana que ocorreram no Brasil e no exterior. Muitos torcedores e pessoas ao redor do mundo mostraram sua solidariedade e ofereceram ajuda diante do sofrimento das famílias das vítimas, da cidade de Chapecó e do Brasil. Mas o time, dirigentes e torcedores do Atlético Medellín fizeram algo melhor, eles tornaram aqueles que o destino matou vitoriosos. Os adversários da final foram reconhecidos como vencedores, dando um novo sentido à tragédia. Nessa linda atitude a mão que dirige e é senhora da história, orientou e dirigiu os fatos para um novo final. E junto com os torcedores, atletas de dirigentes do Atlético Medellín nada mais resta que se juntar a esse emocionante coro que reconheceu os vitoriosos e cantar com eles: “vamos, vamos Chape”.


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