sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

CIÊNCIA E CULTURA POR DECRETO? Selvino Antonio Malfatti.



Resumo: Foi criado na Argentina um Instituto que tem por objetivo reescrever a História ibero-americana, vista pela óptica peronista.

Toda a iniciativa que incremente cultura é sempre bem vinda: o que pode acrescentar algo positivo ao ser humano, como o científico, tecnológico, artístico ou educacional. Por que é justamente pela capacidade de fazer cultura que o homem se diferencia dos demais seres. Nesse sentido são recebidos com alegria institutos de pesquisa, associações culturais, criação de universidades e escolas. No entanto, o objetivo deve ser o cultural e não – subrepticiamente – a promoção de interesses pessoais, dentre eles, o político, mormente quando camuflado de educativo, como foi o caso do material “didático” que há um tempo ia ser distribuído aos alunos de escolas públicas aqui no Brasil ou iniciativas no período dos regimes militares no MERCOSUL.
Na Argentina, no momento, está em curso uma experiência de fazer ciência totalmente esdrúxula. Ao se criar o Instituto Nacional de Revisionismo Histórico Argentino e Ibero-Americano Manuel Dorrego, comandado pelo historiador Mario Pacho O'Donnel, declarado admirador dos caudilhos argentinos está se fabricando uma cultura por decreto.  Sem meias palavras diz o documento que o objetivo é “revisar” a História e resgatar personalidades que não mereceram o devido reconhecimento na sua época. E como o Instituto é “ibero-americano”, abrangerá a História dos países desde o México até o Uruguai, incluindo nesta revisão a História do Brasil.
Evidentemente ninguém se opõe ao revisionismo. Ao contrário, é muito salutar para a ciência. Foi revisionismo que fez E. Bernstein levar a bom termo, no final do século XIX, um balanço do marxismo. Este método é rigorosamente científico por que permite rever sempre as conclusões anteriores ou de alguém. Pode ser experimental ou teórico. Mas o objetivo é sempre submeter-se ao resultado da pesquisa. Ao contrário, com o revisionismo o Instituto quer, não é a revisão mas sim, a inclusão de suas próprias antecipações conclusivas como por exemplo, a excelência do peronismo - um misto de positivismo e fascismo - agora interpretado por Néstor Kirchner. O Instituto pretende estabelecer a priori a conclusão e a posteriori buscar as “provas”.
Como está sendo recebido o Instituto pela comunidade acadêmico-científica da Argentina? Destacamos alguns itens de uma Carta Aberta de professores e historiadores argentinos:
1º Lamentam que a presidência desconheça a ampla produção historiográfica das instituições científicas do país. Nos últimos anos estas instituições produziram conhecimentos em períodos diferentes, figuras diversas, inclusive as mencionadas pelo decreto que teriam sido negligenciadas.
2º Pensam que atrelar as pesquisas que até agora foram feitas a uma ideologia – no caso a liberal – contrária à ideologia da Presidência atual – não pode ser considerada postura científica, pois se seguidos rigorosamente os atuais critérios científicos eles conseguirão neutralizar tais reducionismos. Do modo como foi proposto, o Instituto irá promover apenas uma abordagem maniqueísta onde aparecem exclusivamente heróis e vilões, sem admitir a dúvida e a interrogação.
3º O governo quer impor apenas uma única interpretação da História, excluindo aquilo que é essencial para uma sociedade democrática: a pluralidade de interpretações.
4º Ao fazer isso o poder executivo está conspirando contra o espírito científico que rege a pesquisa, aceitando apenas a versão oficial.
O alerta da Carta Aberta fala por si e denuncia que diligências como estas só denigrem a cultura em vez de enriquecê-la. Com certeza o mundo cultural argentino está acima deste casuísmo político e o rechaça. Sirva de alerta para outras iniciativas políticas que poderão advir.   

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