sábado, 23 de janeiro de 2021

Globalismo ou a destruição das boas causas. José Mauricio de Carvalho

 



O aumento do número de mortes no Amazonas e em todo o país resulta das aglomerações nas festas do final do ano e de uma nova variação mais contagiosa do vírus. Uma combinação ruim agravada pela má condução da pandemia pelo governo federal. Esse último fator mostra-se na pouca importância com que o governo tratou o assunto desde o início da doença, menosprezando o poder letal do vírus. A autoridade e seguidores veicularam maciça propaganda nas mídias sociais menosprezando o poder da doença. Propagaram o contrário do que ensinavam os especialistas em saúde pública. Sua estratégia pode ser resumida em dois pontos: menosprezo à letalidade da doença e ridicularização dos cientistas. O procedimento é semelhante ao que fizeram os nazistas quando usaram a ciência para justificar o racismo, isso contra as evidências. Com base nisso mataram milhões de pessoas com a justificativa de que eram vidas inferiores ou de segunda classe.

Esse desprezo à ciência e atitude irresponsável com a pandemia foi igualmente adotada pelo governante norte-americano recentemente derrotado nas eleições. E como ele justificou lá sua atitude radical e contrária a essa e outras boas causas? Com a mesma estratégia de cá, maciça propaganda na mídia, com um número infindável de mentiras, acusando lá de comunistas, como fazia a turma de cá chamando de petista, a todo crítico de suas ideias. Nesse meio tempo atacaram a imprensa livre porque os jornalistas, por dever de ofício, deviam verificar a autenticidade das notícias veiculadas. Como descobriram rapidamente e denunciaram a mentirada, lá e cá, foram atacados pelos governantes da mesma forma implacável.

Como foi possível legitimar o obscurantismo contra a ciência e ainda ter outros ganhos como o afastar-se de acordos internacionais de proteção ambiental? Como destruir a legislação de proteção ambiental sem provocar uma comoção pública? O governante derrotado nos Estados Unidos apresentou à classe média americana algo que ela gosta de ouvir, vamos colocar o país acima de tudo, vamos valorizar a América: America First era seu lema. E assim, parecendo defender o obvio e algo querido entre os americanos, implantou e levou adiante uma política de destruição da proteção ambiental, como se os Estados Unidos vivessem num planeta à parte das demais nações. A condução dessa política foi mais longe do que sonhava o americano médio, promoveu a rejeição das políticas internacionais e acordos internacionais batizados, reconheça-se genialmente, em terras tupiniquins, de globalismo. A política de destruição da legislação ambiental foi levada adiante, lá e aqui, sob o argumento de que era imposição de um certo poder global contrário aos interesses nacionais. Entenda-se acordos internacionais patrocinados pela ONU e que reúnem a quase totalidade das nações. E há mais, o desprezo pelos direitos civis e humanos que resultou do aumento de morte dos cidadãos pobres e negros nasceu pela tolerância aos grupos de supremacistas brancos. Seguindo seu mentor, o nosso governante quer dar à polícia o poder de matar sem punição quando merecido, ampliando na legislação elementos de proteção às ações violentas (a tese do excludente de ilicitude). E assim um instrumento legal para situações muitos especiais passará a ser a atitude normal das forças de segurança.  O que fazer com quem denuncia tais coisas? Intitulá-los lá de comunistas e aqui petistas, aproveitando-se desses conceitos desgastados nos dois países. Estratégia também muito utilizada para desacreditar as críticas é atacar a honra das pessoas (o famoso Argumentum ad hominem). Por isso atacam impiedosamente a todos que apontam essas coisas. Feito isso, vão passando a boiada.

 

A jogada mais genial para levar adiante esse discurso contra: as políticas globais de defesa dos direitos civis, direitos humanos, legislação ambiental, vacinação global contra COVID 19 e outras lutas da ONU (nomeadas de globalismo) é associá-las a um poder do mal, um governo mundial e supranacional que está se formando para servir ao anticristo, que já vive entre nós. Assim, por mais alucinada que essa tese possa parecer, a extrema direita aproximou-se de setores evangélicos para enganá-los e fazê-los ver nessas políticas internacionais a antessala do governo do anticristo, conforme interpretação torpe do livro do Apocalipse. E para agradar setores evangélicos radicais espalham que o anticristo é o Papa Francisco e seu auxiliar o Presidente da França, Emmanuel Macron. Não foi à toa que muitos evangélicos apoiaram os radicais trumpistas em seus protestos recentes contra todas as evidências da legitimidade da eleição do candidato democrata.

Portanto, a enxurrada de fakes news nas redes sociais, a alcunha de comunistas ou petista para qualquer crítico desse projeto político, o uso do Argumentum ad hominem para destruir a honra dos críticos, as críticas aos órgãos de imprensa, o aumento do racismo, o aumento da morte dos negros nos Estados Unidos, o desrespeito à Constituição (como na invasão do Congresso americano), a desconsideração aos cientistas e o discurso radical com componentes religiosos são partes do mesmo todo, que só pode ser entendido em seu conjunto.

 

 

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