sexta-feira, 1 de maio de 2020

REUNIAO NO CEMITÉRIO DE PRAGA – CIENCIA, FILOSOFIA E TEODICEIA. Selvino Antonio Malfatti





Tudo que o que as ficções científicas projetaram estão se concretizando. Em “1984” projetou-se uma sociedade completamente vigiada e direcionada pelo Grande Irmão, Estado. O Estado via tudo, inclusive a intimidade das pessoas até mesmo as relações amorosas.
Depois do Covid-19, China e Coreia implementaram programa de vigilância biométrica sobre a população. O simples acesso facial pode levar ao conhecimento dos mínimos detalhes de cada indivíduo: gostos pessoais, comida, política, sexo, lazer e outros. Isto foi possibilitado pelos algoritmos. São capazes de detectar não só nossas preferências on-line off-line, mas cruzar estes dados com nossos movimentos, nossas emoções.

Fomos apossados pela tecnologia como um vírus, pois no dilema entre a privacidade e saúde optamos por esta e entregamos à ciência nossa intimidade como nosso Genoma. A ciência assumiu o topo de nossos valores. Ela só explica o aspecto físico, material para a doença e a morte. Mas é só isso? Os outros aspectos, os “meta físicos”, descartados sumariamente e a priori. Alguém se lembrou de perguntar algo à filosofia? Onde está a filosofia com seus conhecimentos metafísicos? Ela poderia dar uma resposta.
No entanto, ambas, após 40 dias de pandemia, ciência está às moscas perante o vírus. A ciência, no alto de seu pedestal, não consegue vencer uma bolha que invade um corpo humano. Milhares, já se aproximando do milhão, de pessoas estão morrendo como insetos infectados pelo COVID-19. E a ciência arrasta-se sem sucesso no encalço do vírus.

A filosofia imoblizada, com toda sua soberba em afirmar o “homem é isto”,  o “homem é aquilo” está muda diante da bolha que devasta sem dó nem piedade os seres humanos.
A teologia ou teodiceia? O que diz? Ela que quer estabelecer um elo entre a criatura e o criador sente-se desprezada em seus esforços para comover o sobrenatural.
E a bolha graxeia coroada continua impassível ceifando vidas!

Não será necessária uma reunião ugente no Cemitério de Praga de Ciência, Filosofia e Teodiceia para ver o que cada uma poderia colaborar? Reunir os maiores sábios do mundo e abrir o jogo. Representantes de Roma, Paris, Londres Washington, Madrid, Lisboa etc.etc.etc. para assinar um Protocolo gnosiológico  e restabelecer o diálogo entre as áreas do conhecimento. A ciência representando o universo; a filosofia, o homem; e a teodiceia, o sobrenatural.

 No período clássico dos gregos e romanos, ciência e filosofia entrelaçavam-se, seguindo o modelo traçado pelo médico - filósofo, Aristóteles.Ciência e filosofia complementavam-se. A religião era algo separado da ciência e filosofia. No entanto, entre filosofia e ciência havia intercâmbio.

Após este período, a filosofia imiscuiu-se com a religião. Nesta relação, a filosofia perdeu seu norte ao abandonar a comprovação como critério científico. Santo Tomás tornou-se o protótipo: Filósofo e Teólogo.  O critério de conhecimento passou ser a Autoridade: diz a Escritura. A partir de então a filosofia foi absorvida pela religião. Embora não tenha sido a filosofia, mas a religião que foi vencida pela ciência, a ciência descartou as duas.

No advento do Renascimento, quando as duas poderiam ter retomado as relações, preferiram seguir seu próprio caminho como duas bicudas que não queriam e não podiam se beijar.

Atualmente entreabriu-se uma porta de acesso. Trata-se da mediadora Ética que abre o diálogo entre a filosofia e ciência. E precisamente no mesmo ponto que Aristóteles estabeleceu a conexão: medicina e ética. Justamente a ciência médica foi buscar o socorro e convidou a ética para dialogar. 

Por isso, atualmente há novamente uma aproximação entre filosofia e ciência. Grandes cientistas são também grandes filósofos. Quando a ciência chega ao limite do conhecimento, aciona a filosofia pedindo para mostrar-lhe o caminho a seguir. A ciência busca o “scire ens”, saber o que é a entidade do ser. A ciência jamais conseguirá captar o ser, apenas o contornará, pois o ser é “Meta físico” e a ciência somente poderá chegar ao físico. O “meta físico” é invisível, quando na verdade é ele que conduz a nossa mente. Esta conduz nossa vida. A causa do visível é o invisível. Se me proponho a ir a um lugar (visível) minha mente traçou o caminho (invisível). Basta o visível seguir o invisível. Isto foi até hoje.

A partir deste momento entramos em outra dimensão com a permissão de explorar nosso íntimo. A técnica já era conhecida, o algoritmo, mas ainda não havia sido utilizada para este fim. O algoritmo, como uma receita de conhecimento prático, é capaz de criar a ponte entre o invisível de nossas mentes e o visível de nossos “data” biomédicos e a partir disso direcionar nossos comportamentos. As informações disponíveis poderão ser usadas na manipulação de comportamentos desejados por quem detém os “data”.

A questão que se coloca é: existe uma entidade invisível, próxima à nossa alma, capaz de rastrear o que os algoritmos estão operando? E que seja capaz de detê-los quando passarem dos limites? Que a consciência tenha capacidade de dizer não às ciladas, embustes, armadilhas dos “data” inseridos no programa para dominar nossas ações visíveis. Em síntese, a Liberdade pode estar à salvo dos algoritmos e cintilar soberana a cima das pressões dos programas dos algoritmos? A consciência soçobrará às investidas do visível sobre seu invisível? Ficará a salvo a intimidade? Estamos, portanto, diante de um mundo de incertezas, vislumbradas por Heisenberg.  Os “data” inseridos na consciência poderão ser controlados ou mesmo parados quando desejarmos? Se o mundo e a consciência já estão cheios de incertezas, imaginem quando começarmos a manipular as incertezas!

Nossos sentimentos ainda poderão ter autonomia? Conseguiremos afastar o entulho dos programas e conhecer a nós mesmos? Isto a afetará não somente nossas consciências pessoais como a consciência coletiva de que fala Jung. Mais do que nunca os algoritmos estão prestes a apoderar-se da consciência coletiva e controlar a mente humana. Isto poderá acontecer com indivíduos sem autonomia, escravos de seus próprios estereótipos de seu sistema de referência.

A filosofia deve marcar presença para garantir a vida do espírito, o princípio ontológico da natureza humana, com o mundo do Ser e não do devir. É preciso que o vir-a-ser de Heráclito esteja em sintonia com o Ser de Parmênides. Só assim, evitará que os algoritmos elaborem e implantem programas sociais voltados a eliminar o que ainda resta de humanos.
Por isso faz-se necessária uma runião urgente dos sábios do mundo inteiro no Cemitério de Praga para salvar o universo e o homem.




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