sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A liberdade por inteiro inclui a dignidade da pessoa. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei.



















Na antiga Grécia, por volta do século VI a. C., desenvolveu-se uma nova forma de governo proposta por Sólon. Ela foi criada para se contrapor aos regimes autoritários das oligarquias que dirigiam a Cidade Estado de Atenas. Nela os cidadãos podiam decidir o futuro da cidade, exercendo a liberdade cidadã. Porém, mesmo em Atenas onde foi criada e se estruturou essa forma de governo chamada democracia, ela não era ampla, pois excluía mulheres, escravos, crianças e estrangeiros.  

Esses antigos gregos pensavam a vida da cidade como parte de uma ordem natural, por exemplo, se referiam a Atenas como a linda flor que adorna o Mediterrâneo, como uma flor embeleza o jardim. Era um sistema distinto das democracias modernas, mas uma realidade muito diferente dos sistemas teocráticos ou de poder absoluto então prevalentes na antiguidade onde os súditos estavam nas mãos do Rei.

A democracia grega tinha como limite ser uma espécie de ditatura das maiorias que impunha sobre as minorias sua vontade. Contudo, esse sistema desenvolveu dois freios poderosos para preservar a minoria, o primeiro racional. Como os assuntos eram discutidos antes de decididos, os cidadãos tinham o direito de pensar livremente, argumentar e defender suas ideias. Assim se desenvolveu a Filosofia como forma de corretamente pensar e argumentar nas praças. Bons argumentos, boas justificativas eram capazes de mudar a opinião dos membros da Assembleia. O outro freio à ditadura das maiorias era jurídico, Sólon criara contra as ditaduras oligárquicas um sistema onde os promotores podiam arguir a adequação constitucional das leis aprovadas pela Assembleia de cidadãos. Quando o promotor convencia os juízes da inconstitucionalidade a lei era revogada. A democracia ateniense foi o melhor sistema de liberdade política do mundo antigo, nele o povo era dono da cidade e podia gozar de certa liberdade privada, embora não se aprofundasse a noção de liberdade íntima.

A liberdade íntima contraposta a realidade externa, contudo, ganhou força e atenção com o cristianismo, onde o homem era livre diante de Deus. Quando o cristianismo se espalhou pelo Império Romano, popularizou-se esse outro sentido de liberdade. Era uma liberdade que nascia do diálogo com Deus. Essa forma de liberdade ganhou força na Idade Média e se preservou mesmo quando a liberdade política perdeu força no feudalismo. E ainda se manteve no início da modernidade quando se formaram as monarquias absolutas na base dos estados nacionais que nasciam.

As democracias modernas se desenvolveram quando a liberdade de escolher os rumos da vida privada se somou à liberdade de trabalhar e eleger governantes. Essa última assegurava a cidadania. A democracia moderna nasceu pois diferente da antiga. O amadurecimento da vida social nessas democracias mostrou que não bastava a liberdade formal de escolher governantes e o trabalho para que o cidadão se sentisse responsável pelo Estado. Os primeiros representantes do sistema liberal e democrático enfrentaram o que se chamou questão social: proteger crianças, velhos e inválidos, organizar o ensino público para democratizar as oportunidades e um sistema de segurança, para permitir que as pessoas pudessem viver e enriquecer em segurança. Com o tempo novos direitos foram incorporados à noção de cidadania, completando a liberdade formal de empreender e eleger.

Portanto, desenvolveu-se no ocidente um sistema único de governo que respeita as liberdades e dignidade dos cidadãos. A democracia liberal não se resumiu pois à liberdade formal de empreender e escolher governantes, mas fazer isso preservando a dignidade cidadã. Dignidade que se concretizou no estado de direito e num sistema público de proteção social. Portanto, quando se busca um sistema de governo livre, onde todo cidadão se sinta dono de seu país, chega-se a uma sociedade menos desigual. Explicar isso é necessário para indicar que uma sociedade que defende os direitos civis das minoriais e mais fracos não é comunista, nem discípula de Maduro, nem de petista como se tenta estigmatizar hoje qualquer defesa dos direitos civis. O desafio de nossos dias é defender a democracia liberal de forma plena, onde todos possam ser cidadãos livres e dignos. É esse sistema, que se desenvolveu no ocidente, que precisa ser recuperado nesse tempo em que parece natural e razoável apenas a liberdade para o Grande Capital se reproduzir e crescer, eliminando toda rede de proteção social taxada, sem mais de comunista ou petista e excluída de antemão sem qualquer análise ou discussão.

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