sexta-feira, 12 de junho de 2020

JONATHAN SACKS, UM BEM QUE CONGREGUE OS POVOS. Selvino Antonio Malfatti

 

 


 

O rabino Jonathan Sacks é um pensador que ultrapassa a cultura estritamente hebraica para se lançar como um pensador global. Com efeito, é filósofo, teólogo e um combatente            que não arreda no ao mal que assola o mundo. Se amiúde debruça-se sobre a Bíblia para obter inspiração não significa que não passe daí, isto é, no plano hebraico. Para ele somos muito infelizes e não conseguimos melhorar. Falta uma moral do bem comum que perpasse a economia e a sociedade.

Sua voz é reconhecida em todo mundo. Nascido em 1949, foi nomeado rabino chefe da Grã Bretanha e da Commonwealth de 1991 a 2013. A rainha Elisabeth tornou-o Sir por causa da promoção das relações inter-religiosas e posteriormente Barão com assento na Câmara dos Lordes. Possui aproximadamente 25 livros até agora, tem transmissão na BBC, é seguido por milhares de pessoas no site pessoal apresentando lições do Torah, intervenções de temáticas políticas e sociais atuais.

A essência de seu pensamento consiste numa proposta cujo centro é o bem, um bem que possa congregar todos os povos, progredir juntos, ao escrever há poucos anos “Não em nome de Deus”. É um texto que deixa todo mundo perplexo ao perguntar por que tanta violência jorra precisamente das matrizes religiosas, mormente do fundamentalismo islâmico, quando, na verdade consultando-se o texto comum às três religiões monoteístas se pode, ao invés, encontrar uma resposta unificante. Com efeito, a rivalidade fraterna entre Caim e Abel, entre Isaac e Ismael, Jacó e Isaú, entre José e seus irmãos, não são definitivas nem indirimíveis, mas um ponto de partida para qualquer homem de fé.

Para Sacks o bem de cada um não pode prescindir do bem de todos, pois estamos interligados uns aos outros. Isto é ainda mais válido em época de Covid-19. Se cada um não fizer sua própria obrigação toda comunidade será afetada, como uso de máscaras, higienização, controle térmicos, distanciamentos. Somos todos interdependentes. Da mesma forma, se cada um não fizer a sua parte numa democracia todo o edifício ruirá. Somos co-dependentes na liberdade, dignidade, solidariedade os quais não podem ter seu apoio apenas na economia de mercado e no estado. É um princípio moral, acima e anterior ao Estado e ao mercado.

Neste momento desponta a questão onde apoiar este princípio. Um deles é a origem religiosa, isto é, uma moral decorrente da religião. Neste ponto o hebraísmo leva imensa vantagem em relação a outras culturas. Uma religião que se perde no início dos tempos, se manteve intacta e congrega a sociedade. Cada membro se identifica com o todo da sociedade e por isso de fato o eu é um nós.

Mas há outras culturas e sociedades que são heterogêneas, constituídas de várias culturas, algumas conflitantes entre si. È o caso do Brasil que só para falar no caldinho religioso entram na sua constituição catolicismo, protestantismo, espiritismo, religiões africanas e também religião hebraica. Qual delas pode ser considerada o ímã dos eus? Qual pode imantar as vontades pessoas para comporem a vontade do nós?

Neste caso só é possível através do consenso representado pelas instituições jurídico-morais. É uma construção artificial de um nós.  Conseguir-se-á o consenso? Os resultados não são nada animadores. Veja-se, por exemplo, o soberanismo no Brexit , o antissemitismo no Labour inglês, as revoltas violentas dos coletes amarelos franceses, as divisões provocadas por Trump e Bolsonaro, o crescimento do populismo e o ressentimento em decorrência da descrença nas instituições, no Brasil a desconfiança no judiciário, enfim o fracionamento grupal da sociedade e a projeção das minorias que se arvoram representantes da sociedade. É um quadro típico da Revolução francesa.

A proposta de Sacks é um apelo moral voluntário. A começar pela economia deveria nascer um novo “ethos “ social que substitua o lucro pelo bem comum. E se não acontecer a decisão espontânea? E se não for seguido o preceito de Deus confiado a Moisés? “Amarás o próximo como a ti mesmo”?

O maior problema está no conflito de princípios, isto é, solidariedade versus competição. Somente em pequenas  comunidades poderia haver uma economia solidária. Tais atividades abrangeriam a produção, distribuição, consumo, crédito sem visar lucro individual, apenas coletivo, como cooperativas.  Já em sociedades globais, com economias multinacionais a atividade econômica se faz na forma que visam lucros, tais como:  Motorola, Nokia, Siemens, Vivo, Sony, Coca Cola, Pepsi, Unilever, Mc Donald's, Nestlé, Nike, Adidas, Puma, Volkswagen, General Motors, Toyota, Peugeot, Petrobras etc. . Por isso, é impossível uma solidariedade econômica nessas, pois são essencialmente competitivas e lucrativas. Uma organização social pode ser solidária, mas numa econonia do tipo competitiva os princípios da solidariedade e competição chocam-se. É impossível erigir um sistema econômico global baseado na solidariedade. Uma instituição econômica particular até pode organizar-se sobre a solidariedade, mas ao relacionar-se com outras instituições passará a competir com as demais.

Por isso, só em parte a proposta de Sacks pode ser contemplada: a solidariedade econômica e social em pequenas comunidades, preferencialmente de cunho cultural homogêneo, como a hebraica.


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