sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

A ética e sua estrada. José Mauricio de Carvalho

 


                                                  

Depois de considerar em Vida em Fragmentos, sobre a ética pós-moderna, obra de 1995, a necessidade de se chegar a compromissos morais mesmo quando não se tem um sistema ético disponível, Bauman voltou ao assunto em 2008, quando elaborou A ética é possível num mundo de consumidores?

O pano de fundo dessa obra é o mesmo da anterior, vivemos um mundo onde as mudanças rápidas, intensas e profundas não param de nos surpreender. Esse mundo de significativas mudanças não oferece garantias de que as coisas terminarão como começaram o dia. E aí também temos algo já dito na obra anterior (BAUMAN, A ética é possível num mundo de consumidores? 2011 b, p. 8): “planejar um curso de ação e se manter fiel ao plano, esta é uma empreitada cheia de riscos, porque a ideia de planejamento a longo prazo parece muito perigosa.”

Para repensar os movimentos que vê acontecendo na sociedade, Bauman mencionou uma experiência feita com vespas no Panamá. O experimento mobilizou especialistas notáveis e um grande número de equipamentos sofisticados. O que parece, pela descrição, um experimento banal levou a uma conclusão inusitada e muito a propósito do que Bauman considera seja um fenômeno atual (id., p. 11): “Ao contrário de tudo o que sabia (ou acreditou) havia séculos, a equipe de Londres descobriu no Panamá que uma razoável (56%) das vespas trabalhadoras muda de ninho ao longo da vida, se desloca para outras colônias não apenas como visitantes temporárias e indesejadas, discriminadas e marginalizadas, sempre suspeitas e alvejadas pelo ressentimento; elas mudam-se como membros plenos e legítimos.”

O experimento mostrou que o processo migratório dentro de comunidades de animais sociais revela que a mistura de indivíduos é norma, sem que isso seja forçado ou estimulados por governos ou instituições. Em contrapartida, a construção de grupos nacionais na modernidade, forjando uma identidade comum, exigiu esforço e anos de luta e lavagem cerebral da sociedade. Esse movimento foi visto em diferentes nações europeias. Na França, por exemplo, o esforço pretendeu alcançar pessoas (id., p. 13): “que raramente tinham lançado um olhar, muito menos chegado a viajar além das fronteiras do Languedoc, de Poitou, Limousin, da Borganha, Bretanha ou do Franco- condado. (Porém lhes disseram) todos os franceses são irmãos, por isso, por favor comportem-se como irmãos.” Logo a construção das nações modernas foi uma elaboração artificial. E dada a sua realidade atual e necessidades de hoje esses povos estão dispostos a assimilar os estranhos que chegam para facilitar sua vida de trabalho. Esses grupos (id., p. 17): “absorvem os recém-chegados sem atrito e não sofreram qualquer avaria por conta de saída de alguns moradores.” Por isso, avalia Bauman, as tentativas de atuar como nas antigas nacionalidades não tem mais capacidade de mobilizar os grupos. As nações atuais estão assim mais parecidos aos abacates com um pequeno núcleo duro do que com os cocos cuja casca é rígida e impermeável. Porém, se o processo se intensifica muito, o problema da segurança do grupo começa a incomodar e muitos membros abandonam o desejo de liberdade e da natural mistura para se sentirem mais protegidos fechando as fronteiras. Apesar dessa dificuldade, Bauman avalia que caminhamos para uma organização mais próxima dos enxames que de grupos organizados à moda dos antigos Estados (id., p. 22): “enxames não são times; eles desconhecem a divisão de trabalho. São (...) não mais que a soma das partes, ou antes agregados de unidades automotrizes, unidas apenas pela solidariedade mecânica.”

E o que essa realidade aponta? Por outras razões para a liquidez. Assim ele combina esse novo argumento aos anteriores apontando na mesma direção. O resultado é que as relações humanas já não têm proteção de instituições sólidas. Elas são vistas cada vez mais como entidades anacrônicas, proclamando uma moral fora de sintonia com a sociedade e incapazes de entender os novos dias, interferindo indevidamente na liberdade das pessoas. Por outro lado, essa liberdade aspirada e ausência de estruturas obriga cada sujeito a encontrar o seu caminho de forma livre e densa, capaz criar uma vida que se mostra digna de excelência, o que é um desafio difícil como descrevem os filósofos da existência. Essa experiência pede balizas se não podemos contar mais com nacionalidades fortes e impermeáveis. Como isso é uma realidade de difícil realização, o caminho mais viável para não cair no anacronismo ou numa vida sem futuro e passado, é construir a trajetória singular a partir de valores que são atualizados pela experiência histórica encontrando um caminho entre a singularidade existencial e a atualização axiológica como se aponta na obra O Homem e a Filosofia, pequenas meditações sobre a existência e a cultura.

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