sexta-feira, 18 de abril de 2014

Pela Filosofia. José Maurício de Carvalho



Ao inserir na prova de Filosofia do ensino médio uma questão sobre música da cantora Vaneska Popozuda, o Prof. Antônio Kubitschek, da cidade de Brasília,  levou a Filosofia para passear no jardim do ridículo. E diga-se logo, este não é lugar adequado para esta velha senhora de 2600 anos, ocupada com as questões fundamentais da existência do homem e do mundo. E por que não é um bom lugar para esta velha senhora? Porque em nosso tempo muitos não a compreendem, outros fingem respeitá-la, embora a desprezem. Há, finalmente, políticos oportunistas que querem vê-la fora das escolas pelos riscos que representa ensinando pensar de forma crítica os problemas da vida pessoal e da sociedade. Estes políticos desejam eliminar a Filosofia da Escola para evitar os questionamentos dos cidadãos e indiretamente poupar tostões com os quais se remunera mal os professores de Filosofia. Argumentam haver finalidade mais nobre para o dinheiro público. A mídia adorou divulgar a questão ridícula.
E quero desde logo esclarecer que não se critica aqui o uso de letras de música para provocar reflexão. Isto pode ser feito. Nem se trata de excluir de pronto o conteúdo da questão, pois sabemos que se pode falar de um simples copo d' água e isto ser Filosofia. Foi o modo de falar. Insisto, não é o tratar das coisas comuns da vida que afasta a Filosofia, pois sempre é possível retirar das experiências quotidianas um sentido profundo, buscar no  rotineiro as origens da certeza universal ou caminhar na autoconsciência do ser. É sempre possível perguntar-se se não respeitar a fila ou empurrar alguém ao entrar na condução encontra justificação universal. Porém, o fenomênico e o banal na reflexão filosófica hão de ser interrogados para se abrirem ao  amplo e fundamental. Refletir sobre o simples não significa que qualquer coisa é válida como Filosofia e isto a mídia não ajudará a esclarecer após a lamentável divulgação da prova. A opinião pública ficará com o que ouviu da questão infeliz.
A Filosofia foi levada ao jardim do ridículo também porque o Professor disse pretender a polêmica. Conseguiu a polêmica, mas promoveu reflexão filosófica? Ajudou a popularização ou a compreensão da Filosofia? Não acredito. Pode parecer que o propósito da Filosofia seja criar controvérsia, iniciar debate, promover a discussão, mas não é. O debate filosófico tem sentido como instrumento, quando se realiza em torno a questão específica, quando todos os debatedores estão comprometidos com o propósito de pavimentarem juntos o caminho até a verdade.  Dito de outro modo, embora a reflexão filosófica seja sempre individual ela precisa considerar o argumento de outras reflexões, pois ninguém na absoluta solidão de sua consciência encontra a certeza do fundamento. Não faz sentido a polêmica pela polêmica, mas faz sentido o diálogo que busca a verdade e esclarece os problemas.
A Filosofia foi levada ao ridículo porque apontar Valeska Popozuda como grande pensadora contemporânea sugeriu que a tradição filosófica é uma banalidade. Um lugar onde se coloca qualquer um. Como a cantora se apresenta ao público? O que a diferencia das outras Valeskas (e não Valeskas)? Qual é sua singularidade? O fato de ser Popozuda, isto é, segundo o Aurélio, o possuir grandes nádegas ou popa. E tão grande ela tem que não é só uma popa de respeito, mas é Popozuda. É assim que ela se identifica, é o que a diferencia das outras mulheres e, por extensão, de todo o restante da humanidade. E nada do que ela tenha escrito parece significativo no esforço de aprofundar a consciência do homem durante mais de dois milênios e meio. A tradição filosófica está bem demarcada no espaço da cultura pelo propósito de penetrar no fundamento do mundo e da vida. A tradição filosófica é movimento intelectual em torno as suas grandes obras e ser grande aqui não é simples. É preciso possuir grande reflexão.

Embora a Filosofia comporte muitas definições e interpretações, ela é reflexão pela qual o homem se pergunta pelo que existe e pela forma como se insere nisto que ele chama mundo ou realidade. É atividade séria, mas pode ser leve e didaticamente ensinada.

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