sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

A encarnação de Cristo e o humanismo. José Mauricio de Carvalho




Humanismo é uma palavra para resumir a realidade do homem. Foram muitas as formas de entendê-lo ao longo da História e muitas as suas faces. A cultura ocidental explicitou as realidades de um ser que era histórico e vivia numa sociedade que também era. Mudam os indivíduos, mudam as sociedades humanas. Essa forma de tratar o homem nele identificou estratos: matéria viva e consciência espiritual. Esses estratos resumem uma totalidade plural, que quer dizer que o homem não é só matéria viva, mas consciência psicológica e espírito, ou melhor, uma totalidade singularmente individual. Com algo comum com os outros e muito de somente seu. Um ser que embora tenha uma parte material submetida às leis da física, possui também emoções e sentimentos de alta complexidade e uma razão que lhe dá liberdade e exige responsabilidade.
Com a evolução da cultura, a criação artística e a análise racional das possibilidades humanas pelas ciências e pela filosofia, a razão reconheceu, nesse modo de ser, um valor inesgotável. O homem foi descrito como um valor que o diferencia dos demais e lhe confere importância. Miguel Reale resumiu essa condição dizendo que o homem era um valor irredutível e, ao mesmo tempo, um valor fonte. Com isso resumiu que o homem tinha um valor inalienável e que podia reconhecer valor nas coisas ou atribuir-lhes valor, como, por exemplo: o equilíbrio da natureza, os bens materiais e as organizações sociais que são valores por causa do homem. 
Uma das maiores dificuldades dos primeiros cristãos foi mostrar que uma pessoa divina viveu verdadeiramente essa condição humana. Que Ele teve fome, porque era matéria, sentiu-se angustiado, por era consciência psicológica e era capaz de ensinar de forma racional porque era espírito como seus semelhantes. E ainda assim, possuindo todos esses atributos humanos era também divino porque existia desde sempre ao lado de outras pessoas igualmente divinas e espirituais. Espirituais não só porque pensavam, mas porque essa condição nas pessoas divinas era magnífica expressão de perfeição eterna e amor infinito. Sem conseguir entender isso muitos cristãos minimizaram a realidade humana de Jesus e ao reconhecê-lo Deus, pouco valorizavam sua condição humana, impressionados por sua divindade. Porém a Igreja, desde o início dos tempos, insistiu que Jesus era verdadeiramente homem, embora não perdesse sua condição divina.
Por reconhecê-lo verdadeiro homem e verdadeiro Deus, a Igreja celebrou sempre seu nascimento e morte, como forma de mostrar que Ele se fez carne (Jo 1-14), e embora fosse o Logos e razão de todas as coisas, encarnou-se e foi nosso companheiro de caminhada. E justo porque reconhece essa humanidade como verdadeira, a Igreja confirmou aquilo que a razão aponta: precisamos cuidar do homem e estabelecer as bases de um humanismo que não deixe de reconhecer a historicidade, a pluralidade, a liberdade responsável e a dignidade da criatura humana.
Por isso, a festa do natal de Jesus de Nazaré, que novamente comemoramos em 2019, é oportunidade para restabelecer a confiança em Deus Senhor da História. O Natal também afirma que a vida humana está investida de dignidade e valor. É esse cuidado com o homem, esse respeito a sua condição que a comemoração do aniversário de Jesus vem reafirmar a cada ano. Isso não é comunismo, mas um ideal de vida onde a terra é casa de irmãos, diferentes no modo de viver, distintos nas suas capacidades de dons e riquezas, nem todos igualmente sensíveis ou inteligentes, mas todos merecedores de cuidado e respeito. Não porque uns se aproveitem de outros, mas porque são irmãos nas suas diferenças.

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