sexta-feira, 4 de julho de 2025

A LINGUAGEM DO FUTURO. Selvino Antonio Malfatti

 



A tendência indica cenários de que no futuro falaremos como e com algoritmos. E provavelmente será inglês. Na verdade todos já estamos nos comportando um pouco chatot, mas felizes porque conseguimos entender a metalinguagem.

Num restaurante os personagens serão waiter e custumer e os conteúdos , order e meal etc. Não é diferente em viagens, congressos, aulas, nas ruas.

O Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano constatou que canais acadêmicos como Youtube estão usando repetidamente palavras como “meticulous", "kingdom", "deepen" and "expert (meticuloso, reino, aprofunda e especialista). Em poucos segundos nos tornamos especialistas em conteúdos que estudiosos de renome levaram anos para entender. Daí surge a pergunta: como agiremos no futuro? Manteremos algum elo com o que precedeu? Ou cortaremos totalmente os vínculos do mundo anterior à internet? Será que nos desvencilharemos e abandonaremos a carcaça pré-internet e flutuaremos livremente no mundo liquido, conforme Baumann?

A comunicação do futuro será digital e se resumirá em algumas palavras chaves usadas em qualquer ambiente, Duas pessoas falando uma ao lado da outra usarão seu tablete para dialogar em qualquer língua, pois o tradutor fará o translado instantaneamente. Adeus estudo de línguas. Basta saber uma que todos entenderão na sua própria. Repetir-se-á Pentecostes? Os apóstolos falavam hebraico e a multidão ouvia na sua própria língua.

Que fim levará a literatura? Praticamente todos os livros mais significativos estão disponíveis na internet. E os literatos? Basta pedir a IA qualquer conto com enredo e detalhes e formato, chamados de pronts, que em questão de segundos a Inteligência Artificial atenderá. E as enciclopédias servirão para mais nada. Qualquer celular com internet dispõe de todos os dados necessários. E as bibliotecas físicas? Tudo atualmente está online e qualquer computador tem acesso. Serão museus. E a Bíblia, o Alcorão, a Torá e os Vedas exibidos publicamente pelos pregadores. Todos online, os remanescentes físicos, relíquias do passado.

Conforme o fundador da Inteligência Artificial, Sam Altman, a mais terrível previsão prevista é a extinção de centenas de classes de empregos que serão substituídos pela IA. Serão eliminados como os acendedores de lampião do passado. Ninguém mais quer saber deles[i].

Abaixo uma tabela elaborada pela IA sobre o futuro de algumas classes de emprego.



Disso se pode concluir de momento:

“A sensação é de que tudo vai mudar para que nada mude: todos nós ainda pareceremos felizes no Facebook, todos de férias no Instagram, todos zangados no X, todos "especialistas" no TikTok, mas todos procurando um novo emprego no LinkedIn”. ( Massimo Sideri, Corriere dela Sera)

 



[i] A Microsoft anunciou nesta quarta-feira (2) que demitirá quase 4% de seus funcionários (6.000), no mais recente corte de empregos enquanto a gigante da tecnologia busca conter custos em meio a pesados investimentos em infraestrutura de inteligência artificial.

 

 

sexta-feira, 27 de junho de 2025

EMPREGADOS(AS) EM CASAS DE RICOS . Selvino Antonio Malfatti.



A socióloga francesa Alizée Delpierre aplicou a teoria da sociologia crítica à pesquisa sobre a relação entre ricos e empregados na França[i]. Por esta teoria se quer verificar e criticar as relações de poder, as desigualdades e as injustiças estruturais no meio social.

A pesquisadora em seu livro: “Servir les riches : Les domestiques chez les grandes fortunes”  (2023). (Servir os ricos Empregados em casas de grandes fortunas.) chegou à conclusão: os empregados em famílias ricas são iguais, com pequenas nuances, aos demais trabalhadores: desigualdades, fronteiras entre empregadores e empregados, estruturas que levam às injustiças. Delpierre mostra como, nas casas das elites econômicas, há uma tendência a naturalizar a desigualdade social. Os ricos costumam ver a presença de empregados domésticos como algo normal e necessário, mas sem refletir criticamente sobre os privilégios que permitem manter essa estrutura.

Um ponto central de sua análise é que os trabalhadores domésticos (babás, cozinheiros, motoristas, etc.) operam em um espaço íntimo, mas permanecem socialmente distantes. A presença desses trabalhadores na vida privada dos patrões não elimina as hierarquias, mas muitas vezes as reforça.

Quanto à estética da discrição e invisibilidade, Delpierre descreve como os empregados são ensinados a ser "invisíveis", ou seja, a não perturbar o cotidiano dos patrões, mesmo estando presentes. Isso reforça uma lógica de dominação simbólica, em que o trabalhador deve “desaparecer” para manter a ordem social.

Delpiere encontra contradições morais na convivência entre empregados em famílias ricas. Muitas famílias ricas afirmam tratar seus empregados "como da família", mas, na prática, mantêm fronteiras rígidas e relações contratuais assimétricas. Isso gera contradições morais, pois a retórica afetiva não corresponde às condições reais de trabalho e remuneração.

Delpierre também inverte a lógica comum das ciências sociais ao focar não nos pobres, mas nos ricos. Estuda como as elites reproduzem seus privilégios por meio do trabalho de outros e das normas sociais que justificam esse arranjo.

Pela teoria e método utilizado chegou à conclusão de que há classes sociais dentro do âmbito familiar. O trabalho doméstico reflete e reforça a desigualdade.

Algumas questões, porém fogem à teoria, mas o método captou. Uma delas é a relação dos empregados entre si. Conforme a pesquisadora, não há só conflito, competição, mas solidariedade:

“Ao me tornar uma empregada nas casas dos ricos, pude ver que entre os empregados existem hierarquias, relações de amizade, de amor, mas também de competição”.

Quanto à remuneração. “Estes empregados são privilegiados, pois tem ótima remuneração, alimentação saudável, boa e em abundância. São de causar inveja aos trabalhadores comuns. Diz a autora, uma "Exploração dourada" é um oximoro [união de palavras de sentido apostos] que me ajuda a explicar que os empregados estão em uma situação de exploração porque trabalham de forma ilimitada, mas, ao mesmo tempo em que trabalham muito, também ganham muito”.

E continua: “A parte "dourada" é que ganham muito: 3 mil, 4 mil, 5 mil, até 12 mil euros [entre R$ 19 mil e R$ 76 mil - o salário mínimo mensal na França é de 1,8 mil euros, ou R$ 11,4 mil.”

Os empregados, os bons, são disputadíssimos entre os empregadores ricos. O que os ricos temem dos empregados? É que vão embora: “Então, não, eles não têm medo dos empregados. A única coisa de que têm medo é que eles vão embora, que encontrem outra casa para trabalhar. Por isso, diz Delpierre no livro:  o sonho dos patrões é que os empregados que continuem trabalhando eternamente em suas famílias.

Alizée Delpierre contribui para a compreensão crítica das relações entre classes sociais, mostrando como o trabalho doméstico em casas de elite reflete e reforça a desigualdade. Sua pesquisa destaca a dimensão moral, simbólica e afetiva dessas relações, além dos aspectos econômicos.

No entanto se analisarmos sob o prisma da teoria estrutural-funcionalista tem-se os mesmos resultados, mas com interpretações diversas.

Para a teoria funcionalista a desigualdade é estrutural, a forma como se manifesta é funcional. Geral para sociedade e diferente nos indivíduo. Todos são iguais genericamente, mas diferentes nas individualidades.

 Quanto à questão da intimidade. Em nenhum lugar se permite a intimidade entre empregador e empregado.

A invisibilidade a que fala a autora é da natureza do trabalho: cada um na sua função para que o todo funcione bem.

Na questão da remuneração: se os empregados são bem remunerados a prática contradiz toda teoria.

Por isso, para teoria estrutural- funcionalista a pesquisa não trouxe nada de novo a não ser clarear o que já era óbvio, mas nem por isso deixa de ter valor. Todos "achavam" que seria assim, porém ninguém tinha mostrado a realidade ou comprovado cientificamente.



[i] A série dinamarquesa “A Reserva” retrata em boa parte a convivência de empregadas estrangeiras, au pair, em casas de ricos na Dinamarca.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Ressignificação e Clínica. José Mauricio de Carvalho



Há dois momentos bastante dramáticos numa clínica, independente da escola seguida pelo psicoterapeuta ou filósofo clínico. Hoje, um pouco mais velho e experiente, sem a pressa da juventude, entendo que a teoria é um guia necessário para o caminhar num tratamento, mas é o mundo do paciente o que mais importa. Claro que as escolas distintas possuem procedimentos diferentes e explicações diversas para a personalidade e sua dinâmica, mas há dois momentos difíceis nesse caso. O primeiro é quando não há futuro, o paciente encontra-se no fim de sua jornada terrena, o outro é quando o passado foi muito doloroso.
Normalmente as duas situações pedem ressignificação. Por ressignificação entendemos a capacidade de visitar os pensamentos, emoções, valores e outros aspectos do mundo interno, de modo diverso ao que provoca sofrimento. Esse é o extraordinário trabalho clínico que é preciso realizar com muita habilidade e cuidado. Nos dois casos é preciso que o terapeuta conheça bem seu cliente, entenda como ele funciona. A psicologia fenomenológica e a filosofia clínica fazem isso recuperando a historicidade do paciente, pedindo-lhe que conte sua vida e a forma como lidou com suas experiências.
Ressignificar tem um caráter forte. Trata-se de encontrar um sentido no sofrimento, implica em superá-lo, e essa não é atitude de quem nele se compraz. Sofrer por sofrer não leva ninguém ao crescimento pessoal, não a torna uma pessoa melhor, nem permite o bom enfrentamento de qualquer circunstância.
O psiquiatra e filósofo Viktor Frankl lembrava que se podemos evitar o sofrimento devemos fazê-lo da melhor forma ou é masoquismo. No entanto, se o sofrimento é inevitável podemos ir além dele e o transcender. Transcender significa tornar o sofrimento um sacrifício com sentido. Assim ensinou Viktor Frankl (Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 244): “a análise existencial se vê às voltas com a tarefa de analisar existencialmente o sofrimento, com vistas à possibilidade de que tenha um sentido.” E se tiver sentido permitirá a quem significou o sofrimento olhar para aquilo de outro modo e hidratar a alma. Por exemplo, caso alguém esteja sofrendo com a perda de um ente querido. Ele irá sofrer o luto, sentirá a perda pois somos humanos, mas poderá dirigir seu olhar para o quanto aquela pessoa deixou nele. Que experiências maravilhosas de amor ficou dali. Poderá entender o quanto aquele ente querido que partiu ainda está com ele, uma parte dessa pessoa ainda habita seu mundo interior. Perceberá o quanto esse ente querido se esforçou para que ele ficasse bem, o quanto companhia de ambos era boa, quanto amor havia naqueles momentos. Assim, aos poucos perceberá que a situação não foi de fato perdida, boa parte da pessoa amada ainda está ali e pode alimentar seu coração. Terá tanta gratidão quanto saudade e depois mais gratidão que saudade.
No caso de a própria pessoa estar no final da vida pode-se perguntar a ela se o que alguém que viveu de significativo acabou, um médico querido que atendia sua família em caso de necessidade, por exemplo. Digamos que esse médico já tenha morrido, toda sua dedicação e cuidado se perdeu? Será que perdeu também valor e significado tudo o que essa pessoa fez naqueles dias já vividos? Será que foi inútil seu trabalho para cuidar dos filhos e os ver crescer sadios? Será que ficou perdido sua dedicação profissional? É claro que não. A própria pessoa encontrará sentido e ressignificará o seu passado para que ele hidrate seja o sentido que seu futuro pode não lhe reservar.
A clínica é um espaço maravilhoso de entranças e reentrâncias e o clínico é um companheiro de jornada para permitir que a pessoa se reconstrua continuamente à medida que ressignifica suas experiências e expectativas.

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sábado, 14 de junho de 2025

XV Colóquio Antero de Quental No XV Colóquio Antero de Quental será preservado o formato tradicional com avaliação do pensamento de Leônidas Hegenberg. O objetivo deste colóquio é proporcionar a discussão e o intercâmbio de conhecimentos e conceitos filosóficos entre estudantes e pesquisadores que investigam o pensamento luso-brasileiro. Aprofundar as diversas dimensões investigativas das reflexões filosóficas presentes nas obras de Leonidas Hegenberg, membro do IBF e representante importante da área de Lógica e Epistemologia. O colóquio contará com palestras e mesas-redondas reunindo nomes relevantes da área e promovendo um ambiente de aprendizado, colaboração e networking. Inscrições Realizar inscrição Atividades quarta, 16/07 quinta, 17/07 sexta, 18/07 Mesa de Abertura: Homenagem a Newton da Costa e Anna Maria Moog Rodrigues10:00-10:30 Mesa de Abertura: Homenagem a Newton da Costa e Anna Maria Moog Rodrigues10:00-10:15 Palavra de boas-vindas10:15-10:30 Leônidas Hegenberg, sua palavra pela ciência e pela ética10:45-11:40 Lógica e Explicações Científicas: duas contribuições de Leônidas Hegenberg para o avanço do conhecimento no Brasil10:45-11:40 Debates e comentários complementares12:00-12:30 Intervalo12:30-14:30 A filosofia moral em Leônidas Hegenberg nas dimensões da ética e metaética14:30-15:30 Ciência: métodos e significação na perspectiva de Leônidas Hegenberg14:30-15:30 Significado e conhecimento na perspectiva de Leônidas Hegenberg14:30-15:30 Debates e comentários complementares15:30-16:00 Apresentação da Revista NOVA ÁGUIA, das Atas do XIV Colóquio Tobias Barreto, do VIII Colóquio do Atlântico e de outros Livros do MIL17:15-18:00 Quero participar das atividades Convidados

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Lições de Antônio Paim para o mundo líquido. José Mauricio de Carvalho

 

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Jacques Derrida, um dos expoentes do pensamento contemporâneo desenvolveu o conceito de desconstrução para examinar, no interior dos textos, contradições, ambiguidades e a instabilidade do significado. Isso acontece porque reconhecemos no sujeito um mundo singular que sugere que os conceitos tenham múltiplas interpretações e diferentes significados. E essa forma de pensar, que acolhe o entendimento de que somos mundos diferentes, com olhares diferentes para a realidade pode sugerir que não há referências para fora do discurso e que a verdade se encerra no espaço desse olhar singularíssimo, que foi uma descoberta importante. O propósito daquele filósofo foi indicar que as contradições e dificuldades no mundo das pessoas não são naturais, mas construídas e instáveis. Não estou certo se ele queria mais que isso. Porém, o risco dessa forma de pensar, como salientaram Bauman e Bordoni em Estado de Crise, foi alimentar um perspectivismo absoluto, sem balizamento, que possa ser usado para justificar que tudo quando é dito é um discurso e que pode ser desmontado, pois tudo fica nele.
Na mesma direção de Derrida, o filósofo italiano Gianni Vattimo, identificou uma forma de pensar que recusa as verdades objetivas e certezas que não podem vir desse pensamento fechado que é débil. Ele parece sugerir que não há certezas inquestionáveis em horizontes linguísticos controversos, sendo toda forma de pensar variável e que se modifica. Junto com Pier Aldo Rovatti aprofundou o tema do pensamento débil que parte da ambiguidade e incertezas humanas para avaliar que nossa compreensão da realidade é puramente subjetiva. São teóricos o que nos apresentam o espaço da absoluta instabilidade mencionada por Bauman. Tudo o que foi dito por esses dois pensadores sugere um indivíduo que se reconhece sozinho e sem referências, numa realidade que se esvazia diante dele e nada lhe assegura. O resultado disso acaba sendo um relativismo absoluto cultivado numa sociedade sem memória. Num tal ambiente, as explicações de Paim para as perspectivas transcendente e transcendental e das diferenças entre os tipos de objetos da consciência significam um caminho para dialogar com segurança, dando e tendo a razão reconhecida.
Os elementos indicados na formulação de Antônio Paim significam resguardos necessários ao pensamento para justificar a validade das verdades filosóficas, ciência, pessoal, etc. Ainda que o que foi sugerido pelo filósofo brasileiro conviva em paz com a ideia de que somos consciências únicas, com olhares singulares para o mundo. A filosofia da cultura de Paim, embora diversa da concebida por Ortega y Gasset, oferece como ele, elementos de objetividade axiológica para além daqueles sugeridos pelo racionalismo moderno. Essas referências ficam mais importantes à medida que avança essa mentalidade líquida.
O que se encontra nas ideias de Vattimo e Rovatti, como expressão de um pensar atual, sugere que não há mais uma ideia ampla de história, do mesmo modo que não há nada, quando consideramos os relatos de Bauman, que possibilite uma compreensão verdadeira do mundo. Em última instância isso desqualifica os resultados da ciência e mesmo da lógica filosófica para não falar de um relativismo axiológico. O que procuramos indicar foi que o culturalismo de Paim, mesmo sem se valer de parâmetros tradicionais do racionalismo idealista moderno oferece elementos para pensar a História com alguma objetividade, evitando as previsões e o determinismo, mas oferecendo um modo de lidar com o passado e o futuro que fortalecem o presente. O que vem do culturalismo de Paim ajuda a marcar uma noção de História que não fique no espaço fluído daqueles mínimos propostos por Vattimo e Aldo Rovatti. O pensamento de Paim aparece como alternativa à dissolução da História.
Aprofundemos a questão moral. De Bauman vem um resumo do que vem acontecendo. Em Estranhos a nossa porta, mas especialmente em Vida em Fragmentos, sobre a ética pós-moderna são livros que resumem a questão. Neles ele comentou os dilemas éticos da pós-modernidade. O tema reapareceu em A arte da vida. Nesse último o sociólogo indicou que (BAUMAN, 2021, p. 137): “a necessidade da moral, ou simplesmente o fato de ela ser recomendável, não pode nem precisa ser discursivamente estabelecida, muito menos provada.” Portanto, escolhas morais não são propriamente necessidade e nem precisam de justificação teórica. E há mais, a sociedade liquida orientou a procura da felicidade para dentro e faz a escolha moral ser um movimento entorno do próprio sujeito narcisicamente considerado. Em outras palavras (id., p. 140): “os conceitos de responsabilidade e escolha responsável, que antes habitavam o campo semântico do dever ético de preocupar-se com as necessidades do outro, agora se mudaram ou foram transferidos para o reino da autorrealização.”
As posições de Paim mostram que a consciência humana reconhece valores no tempo e que eles são referência para ação. Valores estão além de uma subjetividade narcísica e ansiosa por gozar. Como o resultado emocional dos amores líquidos e do egoísmo extremo estão produzindo resultados ruins, um modelo ético que proponha reconhecer o valor do outro parece importante e relevante de ser considerado. E importante é que o historicismo axiológico proposto, o reconhecimento cultural dos valores não exige profunda elaboração, apenas sintonia com a tradição cultural.
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sábado, 7 de junho de 2025

SEBASTIÃO SALGADO, À SOMBRA DO PRETO E BRANCO. Selvino Antonio Malfatti.



 


Por ocasião de o presidente Luís Inácio Lula da Silvas visitar o  Estado da  França, ainda se sentia a ausência do fotógrafo franco-brasileiro: Sebastião Salgado, falecido em 23 de maio.

A obra fotográfica de Sebastião Salgado, marcada pelo uso do preto e branco, destaca-se no cenário internacional pelo seu forte comprometimento ético, social e ambiental. Seus ensaios visuais constituem um testemunho da condição humana, retratando trabalhadores, migrantes e populações vulneráveis em contextos de exclusão e desigualdade. Ao aliar estética e denúncia, suas imagens transcendem o valor artístico e assumem um papel crítico e político, promovendo a reflexão sobre questões estruturais da sociedade contemporânea. Nos trabalhos mais recentes, voltados à conservação ambiental, Salgado amplia sua atuação, abordando a relação entre humanidade e natureza. Sua obra, assim, configura-se como instrumento de sensibilização coletiva, propondo um olhar humanista e transformador sobre o mundo.”

Brasil mantém uma longa tradição de intercâmbio franco-brasileiro que continua dando bons frutos. às vésperas de nossa independência em 1816 chegou ao Brasil a Missão francesa, sob o comando de Joachin Lebroton trazendo artistas e artesãos para fundar aqui a escola de Artes e Ofícios depois a Escola Real de Artes. O intercâmbio continua com Oscar Santos do Mont (1873 – 1932),  Niemeyer (1907-2012), o botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), a fotógrafa Claudia Andujar, o músico Georges Moustaki (1934-2013), a coreógrafa Lia Rodrigues, a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) e o médium Allan Kardec (1804-1869) entre outros.

A presença de Lula na França foi marcada por festas, Doutor Honoris, fotos na Torre Eiffel decorada de verde-amarelo, reuniões e muita bajulação em que pese o luto do Brasil pelas mortes de Niède Guidon e de Sebastião Salgado. Este um fotógrafo franco-brasileiro e aquela uma arqueóloga também franco-brasileira que levantou a hipótese de africanos terem habitado a América além de asiáticos.

A alma viva, porém era Sebastião Salgado. Abaixo as mais emblemáticas obras suas:

1. Trabalhadores (1993)

Um ensaio fotográfico monumental sobre o trabalho humano ao redor do mundo, especialmente em formas de trabalho pesado e manual.

Mostra mineradores, operários, cortadores de cana, pescadores, entre outros, ressaltando a dignidade e a dureza do trabalho.

2. Terra (1997)

Foca na vida e na luta dos trabalhadores rurais sem terra no Brasil.

Foi feito em colaboração com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com forte conteúdo político e social.

3. Êxodos (2000)

Documenta os movimentos migratórios globais, como refugiados, exilados, deslocados por guerras, pobreza ou desastres ambientais.

Uma obra humanista que ressalta o sofrimento e a resiliência de populações deslocadas.

4. Gênesis (2013)

Projeto que durou mais de oito anos, focado na natureza, nos povos indígenas e em territórios praticamente intocados pela ação humana.

Revela a beleza e diversidade do planeta, funcionando como um alerta ecológico e um tributo à Terra.

5. Amazônia (2021). Conjunto de fotografias feitas ao longo de sete anos na região amazônica brasileira.

A mais conhecida e famosa é Êxodos.




sexta-feira, 30 de maio de 2025

AUDIÊNCIA - A NOVA DEMOCRACIA -. Selvino Antonio Malfatti.

 

 


Há democracia de notáveis, somente os nobres votam; de elite, nesta só nos ricos votam; de massas, todos votam.

Agora surge outra: Democracia de AUDIÊNCIA.  (Sociólogo Edgar Manin - Os princípios do governo representativo). Nesta recebe mais votos o que mais brilha, encanta. O que faz mais espetáculo.  Desfiles de candidatos, passeatas, shows, carreatas, carros de som, danças, coreografias. O brilho da apresentação.

Como se manifesta concretamente a democracia de audiência

Personalização da política

A atenção dos eleitores se volta para as figuras dos candidatos, mais do que para os programas partidários. Líderes carismáticos ganham destaque, e a imagem pública se torna central. A relação entre governantes e governados passa a ser mediada pela mídia, especialmente pela televisão (e, mais recentemente, pela internet).

Primazia da comunicação midiática

O debate político se desloca para os meios de comunicação de massa, onde os eleitores são "audiência" de um espetáculo político. O sucesso de um político depende da sua capacidade de comunicação, de conquistar a opinião pública, e não apenas da fidelidade partidária ou do debate programático.

Declínio da centralidade dos partidos

Os partidos continuam existindo, mas perdem parte de sua função tradicional de formação ideológica e mobilização de base. Os eleitores se tornam menos fiéis a partidos específicos e mais suscetíveis a mudar de voto conforme a performance individual dos candidatos.

Eleitor como espectador

O cidadão-eleitor se comporta mais como um espectador crítico do que como um participante ativo do processo político. A política se transforma num espetáculo de comunicação, e a deliberação pública se torna fragmentada e superficial.

Campanhas centradas em imagem e opinião pública

As campanhas eleitorais se apoiam em estratégias de marketing político, uso de pesquisas de opinião, slogans e apelos emocionais, reforçando uma lógica de consumo: o eleitor "escolhe" um candidato como um consumidor escolhe um produto.

Em resumo:

A democracia de audiência é uma forma de democracia representativa onde os cidadãos se relacionam com os representantes através da mediação da imagem e da comunicação, não mais por meio da identificação partidária ou da participação ativa em estruturas coletivas. Essa transformação altera a natureza da representação política, reforçando a centralidade do indivíduo e da performance no espaço público.

A reflexão do sociólogo Bernard Manin constata que houve e há erosão da representação política tradicional. Observa que os partidos políticos e os políticos perderam a capacidade de estruturar a vontade popular de forma eficaz. Isso leva ao enfraquecimento do vínculo entre eleitores e representantes. As instituições políticas representativas ficaram fragilizadas. E por isso estão ameaçadas. Quais as ameaças?  

Esses pontos revelam que a democracia contemporânea está se afastando de seus fundamentos representativos e deliberativos, abrindo espaço para formas de governo autoritárias e tecnocráticas. O que mais promete na mídia é mais aplaudido daquele que promete o possível. O político de audiência fala bonito e encanta sem compromisso com a verdade, como por exemplo:

“Deus deixou o sertão sem água porque sabia que EU ia trazer!”

 

 

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