sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A formação do homem. José Mauricio de Carvalho – Professor do UNIPTAN




No ensaio História da educação o filósofo e pedagogo português Delfim Santos pensa o enfrentamento daquilo que Ortega y Gasset caracterizou como o tempo das massas. O ensaio não é um tratado de pedagogia como o título sugere, mas uma reflexão sobre a história da cultura na qual se tece a humanidade do homem.
Essa preserva atualidade uma vez que as dificuldades que Delfim enxergou se tornaram ainda mais agudas em nossos dias pela presença de outras características indicadas por Ortega y Gasset no homem-massa. Além de bárbaro ignorante (doutor em algo, mas ignorante do resto), senhorzinho satisfeito (acha que o mundo está aí para ele aproveitar sem esforço) e criança mimada (querer o que sabe que não pode), o homem atual é superficial, ansioso pelo prazer e estabelece relações efêmeras. 
Delfim Santos entendia que para enfrentar as dificuldades do seu tempo era preciso recuperar aspectos da história construídos no processo educacional. Ele explica (id., p. 283): “O homem não surge homem sem os cuidados de outrem nunca mesmo o poderia vir a ser. Enquanto o animal, após a adequação ao seu próprio meio, que naturalmente se lhe oferece, dispensa o artificio, o homem, ao contrário, só vive em função do artifício que os seus próximos lhe preparam, como alimentação, vestuário e habitação”.
A fragilidade do indivíduo obriga-o a aprender elementos culturais com os quais enfrenta a realidade natural e os desafios de viver em sociedade. Por isso, a sobrevivência individual se amarra com os desafios da espécie. Ele aprende para ultrapassar as fragilidades dos primeiros anos, ocasião em que ele mais aprende que cria algo novo. Depois que cresce e possui boa compreensão da realidade, vai melhorar o aparato cultural que assegura sua humanidade. A história se forma com a educação das novas gerações e com as criações dessas que repassam o que criam para as próximas. Ele explica (id., p. 284): “O homem como ser histórico só se torna possível pela educação em função de valores, de intenções ou de propósitos. A formação do homem só é possível, pois, como transformação, isto é, tentativa para se tornar o que ainda não é, e este trânsito do que já é para o que ainda não é, precisamente o que entendemos por histórico.”
Dessa maneira, para enfrentar as dificuldades que a vida renova o homem precisa buscar na sua história os elementos de formação que o capacitem a enfrentar as novas dificuldades. Não se trata de repetir o que foi feito, mas de aprender com o que foi feito. E esses elementos a serem recuperados são culturais, amplos e implica na aprendizagem de diversos valores como: o sagrado (religião), o verdadeiro (ciência, filosofia, religião), o bem (ética), o belo (estética) e o útil.
A história da formação do homem é a própria história do homem. Desde que o homem surgiu houve educação e, portanto, história, ainda que o registro não tenha sido preciso. Se cultura é o que se fez em toda a história, num determinado período essa raiz de humanização parece especialmente importante. Delfim Santos aponta o VI século A.C. como um tempo importante onde surgiu (id., p. 286): “o alfabeto que provém dos fenícios, o calendário de origem babilônica, a geometria proveniente dos egípcios. Da Índia recebemos a numeração, sem a qual as principais características da civilização europeia não se poderiam ter afirmado tais quais são”. Ele ainda menciona a linguagem indiana, os cuidados médicos, a música e a arte do Egito, a moralidade judaica e a filosofia e ciência gregas.
E, entre os gregos o processo de formação humana foi bem consolidado na Paideia, que é (id., p. 291): “a formação do homem e (...) foi esta a intenção que norteou aquilo que podemos chamar de cultura grega”. O que ele sugere é a retomada desses valores de humanização para o homem enfrentar os problemas desse tempo das massas antes resumido. Questões como essa, relativas à formação do homem culto, precisam ser meditadas quando nos preparamos para iniciar novo ano letivo.


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