sexta-feira, 31 de março de 2017

5. A Democracia Cristã na Europa - Itália.

 
                                     
Na Década de Vinte, na Itália, a atuação dos católicos na política realizava-se através do Partito Popolare fundado por Dom Luigi Sturzo. Para conseguir uma convivência com o regime fascista, o Papa Pio XI sacrifica o Partito Popolare e os seus membros ingressam na Ação Católica, fazendo oposição ao regime fascista de Benito Mussolini. Com o advento da Guerra, o secretário geral do partido, Alcide De Gasperi, se refugia no Vaticano, recebendo o apoio do próprio Papa Pio XII que lhe dá um cargo de bibliotecário. Monsenhor Montini mantém estreitas ligações com os principais líderes do Partito Popolare, na pessoa De Gasperi, e com a Federação dos Universitários Católicos, na pessoa de Giulio Andreotti, aguardando apenas a ocasião propícia para lançá-los na vida publica com o novo nome de Democracia Cristã, sob o escudo da Cruz e com o emblema Libertas. O grande objetivo era congregar os católicos para combater o comunismo e o fascismo. Na Itália o Comunismo tinha por líder Palmiro Togliatti. Fora nomeado pelo próprio Stalin para dirigir a política comunista na Revolução Espanhola. Estes dois líderes enfrentarão, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, uma luta estratégica de conquista de adesões do eleitorado, de instituições e de organizações. De Gasperi tinha uma retaguarda poderosa atrás de si: o clero, o episcopado e toda uma tradição intervencionista da Igreja na Itália. Levou adiante a penetração da Democracia Cristã nas Universidades, reativou a poderosa Federação de Universitários Católicos, supervisionou a implantação da Ação Católica, convenceu o clero a utilizar-se do púlpito para propaganda da Democracia Cristã, penetrou nas cooperativas do meio rural e nas associações de pequenos proprietários, combateu o livre sistema financeiro, apoiou o Banco católico e atraiu o apoio dos grandes industriais. Já Togliatti afasta a ideia de uma revolução violenta - do tipo Exército Vermelho - e adota a estratégia de Antonio Gramsci da “guerra das posições”. A princípio discretamente, e depois dos anos Cinquenta abertamente. Desde o início inclinou-se por um comunismo nacional e, neste aspecto, mantinha certa autonomia em relação a Moscou.
Logo após a derrota do Fascismo tem início na Itália a ação de reconstrução do Estado italiano. Já durante o conflito, e pressentindo-se seu fim, nos bastidores do Vaticano organizava-se uma força política, sob a liderança de Alcide de Gasperi, para substituir o regime fascista. Se este regime totalitário estava em decadência, outro, também totalitário estava em ascensão, o comunismo. A nova organização católica devia ideologicamente ser capaz de apresentar-se como alternativa de ambos. O Fascismo, derrotado militarmente,  politicamente apresentara-se como uma alternativa ao liberalismo, propondo substituir a representação política pela representação econômico-profissional. Não eram os cidadãos e seus interesses que se deviam representar, de conformidade com a doutrina liberal, mas os diversos grupos econômicos. O Fascismo na Itália ideologicamente apresentava-se como uma força política capaz de pôr fim ao atraso econômico. Culpava o liberalismo pela defasagem econômica em relação aos demais países da Europa, pois, no liberalismo, tudo devia obedecer ao “laissez faire”. Em substituição ao “deixar fazer” era preciso introduzir o “obrigar fazer” propunham os mentores do Fascismo.
No entanto, outro regime rondava a Itália no fim da II Guerra Mundial. Tratava-se do comunismo. A Europa  tinha alguma experiência dele, e o que se sabia era o que acontecia no Leste Europeu e o que chegava da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas- URSS. Este regime também se apresentava como uma alternativa ao liberalismo. Em vez da representação, o comunismo propunha a vanguarda operária, encarnada no partido. O partido era a voz da maioria e ele gerenciaria o Estado. Economicamente propunha a coletivização dos bens de produção a proibição da propriedade privada e uma economia livre de lucros.
Também neste caso, pelo o que acontecia no Leste Europeu e pelas notícias chegadas da URSS, o preço do regime era alto demais. Milhões de pessoas sacrificadas, outras tantas deportadas, bem como desaparecidas. Era o regime totalitário, da desolação, no qual até mesmo a consciência era invadida.
O período “degasperiano”, desde a fundação da Democracia Cristã até 1953, é um período particularmente desafiador para a Democracia Cristã . Primeiramente é um partido novo, com alguns participantes com experiência no extinto Partido Popular como Alcide De Gasperi e Luigi Sturzo. Em segundo lugar, não foi um partido que emergiu da sociedade italiana, mas em boa parte criado artificialmente em laboratório, mormente no Vaticano. Guindado ao governo deveria dar conta de algumas tarefas nada fáceis para um pós-guerra, no qual a Itália não somente foi perdedora, como ficou falida economicamente. Mas, a maior de todas as missões era de conter fascismo de direita, e o comunismo de esquerda, o segundo partido mais forte da Itália. Neste preciso período, a Democracia Cristã será atacada pelos amigos e inimigos, pelos seus apoiadores e opositores, precisamente quando estava se organizando.
Neste primeiro período predomina a figura carismática De Gasperi. É considerado como uma autêntica liderança: forte, decidido, de marcante influência pessoal. Faz-se sentir no enfrentamento dos problemas cruciais e na organização do novo partido. Sob sua inspiração a Democracia Cristã amadureceu, ou feita amadurecer, num ambiente eclesiástico e no laicato católico. Foi criada com o objetivo de contrapor-se às forças laicizantes e comunistas, para tutelar, defender e promover os interesses da Igreja e dos católicos na fase de reconstrução, reduzindo ao mínimo os inconvenientes decorrentes dos compromissos da Igreja com o Fascismo. Mas na prática significou muito mais que isto, como por exemplo, a incorporação dos eleitores católicos num regime democrático.
Nesta fase tornava-se crucial conseguir os máximos de recursos organizativos com o fito de conter a esquerda, máxime os comunistas. Passados os primeiros momentos, o partido deu  mostras de  estar atingindo os objetivos. Para o momento subsequente, era preciso continuar contar com o apoio da organização católica e por outro, defender a democracia republicana. O primeiro era tanto mais importante, pois em alguns setores da Igreja se pensava em criar outro partido. Isto tornava-se crucial para o partido da Democracia Cristã. O apoio eleitoral da Democracia Cristã, neste período estava dependente do empenho do catolicismo da Democracia Cristã. Por isso, o partido não poderia perder nenhum apoio. O preço de optar pelo “partido dos católicos”, neste momento, talvez tenha sido inevitável para a Democracia Cristã radicar-se na sociedade italiana, e desempenhar o papel que lhe foi cometido. Isto não significa que não tenham advindo consequências negativas. Uma delas é o fato de que o partido conseguia mover-se com dificuldade pois sentia o peso da mediação católica, mormente da alta hierarquia, quando não do vértice do Vaticano. Mas há também as positivas, sendo que se pode apontar como uma das mais importantes é que a Democracia Cristã evitou que alguns setores eclesiásticos enveredassem para experiências do tipo salazarista, mantendo o mundo católico dentro dos limites democráticos. Nesse sentido, parece que a balança pende positivamente, pois, perante tantas dúvidas, mesmo da parte da hierarquia eclesiástica, a liderança degasperiana garantiu para a Itália a opção democrática.
Em consequência disso, o partido da Democracia Cristã tem como primeiro desafio de sua organização a assimilação dos dirigentes da ação católica nos seus quadros. Nesse sentido inicia um intenso trabalho de recrutamento de filiados para poder preencher os cargos em nível local e nacional. Nesse momento inicia o processo de se desvencilhar da tutela eclesiástica, pois precisa expandir-se além do seu raio de ação. É consenso se afirmar que o sucesso do primeiro período da Democracia Cristã se deveu á organização da ação católica atraída para o partido. Mas a Democracia Cristã não para aí, passando a partir de então a andar com autonomia, aceitando criticamente o apoio dos meios católicos. Isto por que De Gasperi, tinha consciência que um partido de uma religião, seria um contra senso. Poderíamos nos perguntar: como foi possível que de uma doutrina religiosa adviesse uma proposta política que conseguiu sublimar a opinião pública e imantou os interesses nacionais? Ocorreu aquilo que John Rawls denominou de “concepção política de bem”. Conforme o autor, uma concepção de bem em política é diferente de uma concepção religiosa ou filosófica. Esta última é abrangente, isto é, absoluta. A política é específica, isto é, é para aquele objeto concreto, de modo que, ao aceitar uma determinada ideia de bem em política não é necessário aceitar esta ou aquela religião. Com isso ela se torna razoável e não matéria de fé ou sentimento. É isto precisamente o que caracteriza um regime democrático. Caso fosse a concepção de bem absoluta, certamente cairíamos no totalitarismo, fundamentalismo ou outro regime, mas nunca o democrático. Uma proposta de bem político democrático pode ser aceito por toda sociedade, composta de cidadãos livres e iguais, pois que não pressupõe uma doutrina abrangente.
Com efeito, foi o que ocorreu com a Democracia Cristã a partir da concepção da lavra de De Gasperi. Ele, paulatinamente, passou a atuar politicamente de forma autônoma em relação à hierarquia eclesiástica. Estabeleceram-se metas e programas fora do manto da Igreja. Eram metas de uma sociedade civil, como a inserção da Itália na comunidade europeia, ou a industrialização. De Gasperi quando organizava a economia no sentido de o Estado fazer o papel de regulador criando uma estrutura para o processo econômico capitalista, fazendo conviver prosperidade e liberdade, não tinha em mente uma determinada religião, mas um interesse que atingia a comunidade civil. Nisso, parece, que consistiu a possibilidade de êxito da Democracia Cristã na Itália e nos demais países europeus que a adotaram, como foi o caso da Alemanha.
A organização da Democracia Cristã encaminha-se no sentido democrático, deixando de lado algumas veleidades salazaristas baseadas no apelo de Leão XIII, que propunha as Corporações de Ofício. A Democracia Cristã surge como uma proposta que se propõe limitar o poder do Estado, ser um canal de participação política da sociedade, aceitar um conjunto de ideologias, até  visceralmente contrárias à sua proposta. Admite um pluralismo ideológico, faz votos nas instituições democráticas, submete-se às regras do jogo democrático, tais como partidos, eleições, coligações, governo da maioria, estado de direito, sistema representativo e outros componentes. Está será uma opção essencialmente liberal-democrática que a acompanhará por toda sua existência. Sua grande façanha será trazer o contingente católico para esta ideologia. O catolicismo que tinha princípios religiosos e éticos claros, ainda não havia se definido pelo regime político. A Democracia Cristã preencheu este vazio. Uniu os valores cristãos, com os ideais democráticos. Por isso, ao lado da ênfase dada ao papel desempenhado pela Democracia Cristã, de conter o Fascismo e Comunismo, não menos importante é a incorporação das massas católicas à democracia. O partido colocava-se como intermediário entre o sistema representativo político e a hierarquia eclesiástica, que por sua vez influía as associações católicas. Quando às associações católicas, elas inseriam-se no partido. A unidade dos católicos estava a cargo da hierarquia eclesiástica, competindo ao partido o compromisso com os grandes interesses da Igreja.
Este intercâmbio entre Igreja e partido manteve-se até a década de Setenta. Ambos lucravam. As organizações católicas garantiam à Democracia Cristã um folgado apoio, em torno de 35%, e por sua vez, o partido mantinha dentro dos limites as aspirações de laicidade da sociedade civil, como era o caso do divórcio.




[1] PASQUIN PASQUINO, Gianfranco. Pluralità degli Apporti e delle Componenti nel Modelo di Partito Degasperiano. Quaderni. Milano. Numero 21, p. 12 a 15. 1982.

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