sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Jose Maurício de Carvalho.






Jaspers e a consciência história
O século XX precisou revisar a noção de História construída no século XIX pelo idealismo de Hegel, pelo marxismo e pelo positivismo de Augusto Comte. Isso foi importante para superar as bases de um mundo em conflito encoberto entre as teses liberais e as do marxismo stalinista, que entrou para a história como guerra fria. Os resquícios desse tempo ainda se podem ver na organização política da China e na existência das duas Coreias, estando a do norte nos noticiários pelas ameaças aos Estados Unidos. Vive a Coréia do Norte como se aqueles dias ainda não tivessem ficado para traz depois da queda do muro de Berlim e das mudanças políticas da antiga União Soviética.
Para entrar superar os impasses do historicismo do século XIX, (progresso necessário, superação do capitalismo pelo socialismo, sociedade justa sem a contribuição ética dos indivíduos) que importa deixar para traz, podemos nos valer das reflexões de Karl Jaspers sobre a História. Entendida como totalidade, isto é, como história completa com todos os seus movimentos da origem a nossos dias (como fizeram o positivismo e o marxismo), o assunto não se resolve empiricamente, entenda-se cientificamente, mas é um problema filosófico.
Para resolver o problema sem cair nos equívocos do idealismo e positivismo Jaspers insere na discussão sua ideia de englobante, pois a totalidade histórica precisa considerar a ideia de Unidade que não é histórica, mas filosófica. É assunto difícil, mas importante. O filósofo ensina que para pensar a totalidade da História é necessário ir além dos tempos históricos até a origem do homem. Nesse trabalho de remontar à origem o filósofo não prescinde das descobertas do historiador ou de outras ciências. Usa esses estudos, mas como visa a totalidade, precisa de mais do que o historiador ou cientista em geral pode lhe oferecer com a metodologia que utiliza.
Jaspers ensina que é importante considerar a totalidade dos fatos históricos quando se espera avaliar o passado e o sentido do tempo. Entretanto, proceder tal avaliação está longe de interpretar o passado com a consciência presente. Mesmo com muitas limitações, o homem não pode prescindir de entender a totalidade da História porque o que ele pensa sobre isso afeta a maneira como as coisas existem para ele e afeta tudo o mais como se viu no século passado.
Apesar de notar os primórdios da globalização do ocidente, Jaspers não percebeu, naqueles dias, a mundialização dos processos produtivos. Ele observa que no mundo que se formava fortaleciam-se unidades especiais, diríamos de Estado ou regiões um pouco maiores, onde a experiência histórica do tempo tinha configuração singular. Ele não fala de blocos econômicos, que não existiam até meados do século passado, nem da tensão que se estabelece na tentativa de defender certo modo de vida nessas unidades especiais. Parece possível retomar suas lições sobre a História para entender a ascensão contemporânea dos movimentos de direita radical, que ganharam força em diversas nações do mundo. Esses grupos, apesar de agendas locais, querem preservar o isolamento de suas fronteiras, numa visão estreita de nacionalismo, num mundo onde a universalização aponta outra agenda. As observações do filósofo sobre unidades especiais no interior da humanidade traduzem a tensão entre o que pode ser universalizado e o que tende a permanecer singularizado e assim entender a inadequação dessa proposta como forma de garantir isolamento dessas comunidades.
A consciência histórica iluminada por referências atuais, muitas delas construídas pelo próprio filósofo, é importante para superar os impasses dos historicismos do século XIX e a emergência da direita radical em diversos países em nossos dias. Com suas análises adicionalmente ele explica a importância da filosofia para um tempo em que ela é pouco considerada como elemento de orientação e referência.
José Mauricio de Carvalho

Academia de Letras de São João del-Rei

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