sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Lições de morte. José Mauricio de Carvalho

 



 

Dois acontecimentos violentos na cidade do Rio de Janeiro ocuparam os noticiários da semana. O primeiro foi a morte do congolês Moïse Kabagambe, um jovem de 24 anos, assassinado com 39 golpes com taco de golfe pelo proprietário de um quiosque na Barra da Tijuca, um policial militar. Para cometer esse ato bárbaro teve ajuda de outros funcionários do quiosque. Como explicar que se possa desferir quase quarenta golpes com um taco de golfe em alguém imobilizado. E o motivo da agressão? Pelo que foi apurado o jovem foi cobrar pagamento por serviços prestados ao quiosque e esse foi o motivo da agressão. O fato revoltante provoca naturalmente a tentativa de entender as razões do brutal espancamento e ir buscá-las num racismo estrutural, ou no passado de escravidão e exclusão dos negros em nosso país. Outros motivos também podem ser evocados para ajudar a entender os fatos e não quero contestá-los. Ficam aí para estudo de sociólogos e jornalistas que avaliam a violência urbana.

O outro fato foi a morte de outro negro, Durval Teófilo Filho em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro por Aurélio Alves Bezerra, sargento da Marinha e seu vizinho. O que levou o militar a atirar três vezes contra um homem desarmado na porta do condomínio onde moravam? Ao que foi apurado o medo do militar de estar diante de um bandido. O que leva um militar da marinha, cuja vida pessoal mostra ser um cidadão relativamente pacato a cometer um assassinato brutal como esse? Que motivos podem ser evocados para ajudar a entender os fatos, o mesmo racismo estrutural e o passado de escravidão. Não quero contestá-los, ficam para exame de sociólogos e outros profissionais que estudam a violência urbana.

Independente de outras razões que possam ser elencadas e levantadas há duas que não podem ser desconsideradas. A primeira é a incapacidade do Estado de lidar e controlar a situação social no Rio de Janeiro. Esse controle foi perdido há algumas décadas e não foi mais recuperado. Sabemos que, onde o Estado não tem o controle social, como ocorre nos grandes desastres naturais ou guerras e onde cada cidadão tenta resolver suas dificuldades ou defender-se por conta própria o resultado é catastrófico. Isso já vem acontecendo no Rio de janeiro há algum tempo, entregue a quadrilhas de traficantes de drogas e milicianos que disputam a bala o controle da cidade diante do vazio de poder.

A outra razão é mais recente. Ela se alimenta do nacionalismo antidemocrático de extrema direita que está ganhando força nos últimos anos, em alguns países, quando o fim da guerra fria acirrou os conflitos regionais e a migração em grande escala. Essa nova direita é formada por grupos violentos, inimigos da democracia, do estado de direito, da liberdade pessoal e da ordem constitucional. Onde surgiram esses grupos assumiram uma ideologia nacionalista, violenta, xenófoba, racista e radical. Quem não pensa e age como eles é vagabundo e marginal (comunista). Algumas vezes essas ideologias se misturam ao fanatismo e ignorância religiosa e, nesses casos, o resultado é ainda pior como na recente união entre a extrema direita e evangélicos nos Estados Unidos. Fascistas e nazistas reapareceram em diferentes países depois de um século quando a humanidade esqueceu os desastres que o extremismo de direita provocou há poucas décadas. E há entre eles alguns que negam o holocausto e os assassinatos brutais e atrocidades que cometeram, negando tudo que foi devidamente filmado, fotografado e documentado. Especializaram em negar obvio, o fato documento e espalhar fakes news.

As guerras e atrocidades cometidas pelo fanatismo religioso são mais antigas mas igualmente terríveis. Totalitários de esquerda não são melhores que os de direita, mas a ênfase nos nazifascistas se deve ao momento. São eles que estão em voga enxergando comunismo onde comunismo não existe porque no século passado surgiram e foram financiados pelo grande capital para combater o comunismo. Precisam, hoje, enxergar o inimigo, mesmo quando e onde ele não existe para justificar o injustificável.

São essas duas últimas razões que unem e explicam o que está se passando no país: a perda de controle do Estado e a emergência da extrema direita. Há quem se julgue no direito de resolver por conta própria os assuntos da vida social e agir de forma violenta pela ausência de forças de segurança que atuassem conforme a lei e no estrito cumprimento da ordem.


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