sexta-feira, 5 de junho de 2020

O mundo na e pós pandemia .José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei.



Nos últimos dias tem se espalhado nas diferentes mídias a ideia de que o mundo sairá dessa pandemia, provocada pelo Coronavírus, mais solidário, isto é, que os homens serão melhores e entraremos numa nova era. Não se pode dizer que mudanças não ocorrerão, provavelmente acontecerão. Porém, até aqui as tentativas de prever o futuro falharam. Os erros aumentaram desde que os intelectuais do século XIX decidiram fazer teorias sobre o futuro: Hegel e os idealistas, Marx e seus admiradores, Comte e seus herdeiros positivistas. Erraram enormemente e contribuíram para a crise mundial de cultura no século passado, pois anunciaram um futuro promissor, onde os homens seriam melhores, e mergulhamos na brutalidade de duas Guerras Mundiais, em governos totalitários (nazi-fascismos e comunismo), campos de extermínio, guerra fria, crises econômicas terríveis. As previsões falharam essencialmente porque transformaram o ideal ético em promessa. A melhor ética não é automática e nem alcançará todas as pessoas. Talvez seja possível aprimorar o estatuto legal, mas mesmo isso não é certeza.
Há um episódio interessante que Viktor Frankl relatou no seu best-seller mundial Em busca de sentido. Quando os sobreviventes voltaram do campo de concentração encontraram seus vizinhos e amigos vivendo normalmente e nada modificados, nem constrangidos com o que se passara. Davam as desculpas mais tolas para justificar nada terem feito. As pessoas (Vozes, 2017, p. 118): “não reagiam de outra forma do que simplesmente encolhendo os ombros ou dando de si frases baratas.” O que isso mostrou? Frankl foi impecável na conclusão. Somente sai melhor de um sofrimento quem consegue significá-lo, isto é, que descobre um sentido para ele. Do contrário poderá sair ainda pior, mais amargo, inseguro, neurótico e angustiado. Frankl tinha esperança, acreditou que as pessoas poderiam aprender no sofrimento inevitável, mas só quando elas o apreendessem e lhe conferissem significado. Pesquisas médicas sobre espiritualidade e saúde vão na mesma direção, a presença de um sentido religioso ajuda na saúde mental, mas isso não significa que elas se tornarão melhores (VANDERWEELE, 2017, VANDERWEELE, Tyler J. Religious Communities and Human Flourrishing. Association for Psychological Sciense. 26 (5), 2017. p. 478): “o tipo de enfrentamento religioso pode ajudar a encontrar o sentido e reforçar relações em um contexto de sofrimento e doença.” A melhora pessoal pode vir pela prática religiosa e também pelo estudo, pela solidariedade, pela meditação. No entanto, a melhoria moral somente virá para aqueles que usarem esse momento como oportunidade para pensar o sentido do sofrimento e da solidariedade humana. Os demais sairão iguais ou piores se mergulharem na amargura e no sofrimento.
O sofrimento não nos torna automaticamente melhores. Frankl observou, apenas explicita o que os homens são (FRANKL, Fundamentos antropológicos da psicoterapia, 1978: “nos campos de concentração os homens se diferenciavam. Os salafrários deixavam cair as máscaras. E os santos se manifestavam. A fome fazia vir a qualidade de cada um.” Isso é assim porque os homens somente podem ser considerados pelo que fazem, há os que fazem bem e os que praticam o mal. Dito de outro modo (id., p. 229): “há somente duas raças: a raça dos homens decentes e a raça dos que não prestam. Justamente porque sabemos que a primeira constitui uma minoria, compete-nos aumentá-la e fortalecê-la.”
Creio que é legítima esperança e entender que, aqueles que tornarem o sofrimento desse momento uma oportunidade de crescimento, poderão sair melhores dele.


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