sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Sete de setembro, o Estado para uma nação. José Mauricio de Carvalho.

 



A geração pombalina começou a preparar a transição em Portugal da monarquia absoluta para uma monarquia representativa. Era o século XVIII e o iluminismo oferecia um novo olhar para o mundo. Emergia, naqueles dias, a confiança na capacidade da razão conhecer o mundo, escolher a justiça e organizar a política. Acreditava-se no progresso dos povos e melhoramento das sociedades pelo uso da inteligência e distanciamento dos radicalismos e fanatismos, com tripartição do poder estatal, liberdade religiosa e civil. Um poder absoluto e autoritário não parecia coisa aceitável para cidadãos daqueles dias.

Então pensavam os portugueses em dar um novo rumo a sua organização política, mas um fato mudou as prioridades no início do século XIX, a ameaça napoleônica. Então a segurança do Estado lusitano ganhou urgência e a família real veio para o Brasil, um lugar mais seguro para ser a sede da monarquia lusitana, longe das disputas políticas da Europa. E a vinda do rei mudou a vida na antiga colônia, surgiu a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, fundaram-se as Escolas Superiores, criou-se a Imprensa Régia, houve a abertura dos portos ao comércio e muitas outras ações para solidificar o novo centro do Império Lusitano. Quando o rei retornou a Portugal doze anos depois da chegada, para apaziguar disputas internas, não sendo mais Napoleão Bonaparte uma ameaça, deixou para traz um povo com lideranças conscientes de sua singularidade e importância. Os habitantes do Reino já não mais concordariam em retornar a condição anterior à estada do rei.

Assim, quando Portugal tentou fazer as coisas retornarem ao que antes eram percebeu que não mais seria possível. O jovem imperador que Dom João VI deixara aqui foi sensível a esse sentimento autóctone e desejo de autonomia e liberdade. Então ele comandou o processo de independência política, com rápido êxito e poucas resistências. Afinal, era Pedro I o mesmo monarca de antes, herdeiro do trono português, apenas agora na frente de um Estado independente. As dificuldades para estabilizar o poder foram vencidas e surgiu o Império do Brasil.

O Império brasileiro nasceu com algumas contradições, tinha uma raiz liberal construída por Silvestre Pinheiro Ferreira e pela geração pombalina, mas continuava escravocrata, tinha um Imperador culto, mas um povo pouco estudado, ansiava pela liberdade religiosa, mas vivia sob o padroado. No entanto, manteve a estabilidade política e a força da inteligência de seu chefe: D. Pedro II, pelo menos na maior parte do tempo. Não era preciso provar a validade da ciência e de seus resultados, até os pouco estudados a reconheciam. Lutava o governo central para assegurar a unidade do Estado e a unidade dos brasileiros diante de revoltas regionais. A República, no final do século XIX, deu o passo que faltava no que se refere a separação entre Igreja e Estado e na confiança definitiva da ciência, mas perdeu a estabilidade institucional com as revoluções que protagonizou.

Nas últimas três décadas, finalmente, alcançamos uma razoável estabilidade política, o vigor das instituições da República cresceu e parecíamos manter outros consensos fundamentais ao Estado Moderno: investimento na universidade pública, confiança na ciência, separação Estado x Igreja, preservação dos direitos civis e humanos, preservação ambiental, estado de direito, independência entre poderes. Porém, de repente, o produto de décadas encontra-se sob suspeição. Que a festa da independência seja a reunião de uma pátria unida e respeitosa desses consensos que foram construídos durante anos de esforço e esclarecimento. Isso porque é antigo como o Evangelho (Mt. 12,25): "Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá.” Que a festa do Brasil não seja um passo para trás na nossa história.


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