sexta-feira, 17 de junho de 2016

Viver o sentido José Mauricio de Carvalho






Tratar da vida parece inevitável. Ela é o que somos na nossa relação com o mundo. Pode ser mais ou menos intensa, mais ou menos meditada, mais ou menos amada, mas é o que no fundo nossa existência mesmo é. Vivemos no que fazemos, especialmente em nossas escolhas. Nem todos dedicam a atenção devida às escolhas que fazem, mas são elas que tecem nossa existência. E por que não dão atenção a algo tão sério? Por conta das dificuldades naturais que estão na vida e que são entre outras: as atribulações que nos alcançam, as dores que nos penetram, a correria dos nossos dias, as ilusões de uma felicidade proposta como compra ou venda, a grande pressa que está longe de ser a ausência de viver. Tudo isso tira o foco e distrai. E há ainda a inconsciência de nossos desejos mais profundos e a despreocupação com o futuro que desejamos dar à aventura que somos.
Para enfrentar os problemas da sobrevivência e do bem estar que almejamos, criamos a ciência e a técnica, e elas se tornaram imprescindíveis e sua aprendizagem cada vez mais exigente. E por isso essa é uma tarefa a que quase  todos se dedicam, desde a tenra infância. Aprender uma ciência ou uma técnica é o principal desafio de nosso tempo. Os pais ensinam desde cedo que ser bom profissional é condição para  ter sucesso em muitos campos. E estão certos tanto em dizer que a ciência é fundamental, quanto na preocupação com a profissionalização dos filhos. E a isso se soma, muitas vezes, a preocupação com a saúde física e psicológica e haja aula de línguas, ginástica, natação e academia ao lado do ensino regular. Os melhores pais ainda se dedicam à conversa amorosa com os filhos, ao exercício do diálogo e a compreensão, magnífica tarefa de dar e reconhecer a razão. Muitos fazem isso com sucesso, mas essa é a tarefa por excelência dos avós que são mais vividos. Esses últimos tocam nas questões essenciais, com maior ou menor sucesso ou intensidade.
Aprender ciência é fundamental, mas não é tudo o que fazemos, há outras coisas importantes como a arte, a religião e a meditação filosófica. Porém, a ciência moderna ganhou grande destaque porque seu sucesso é enorme no controle da natureza e nos agrada estar no controle do mundo. O que fazemos quando criamos todas essas coisas e experimentamos tantos amores é viver.
O essencial para viver vem do viver mesmo. Algumas coisas aprendemos olhando e conversando com quem nos rodeia, outras aprendemos em nós mesmos. Com nossos erros e acertos. Para entender a vida como um tecido que fazemos a cada momento é essencial aprender a ir ao futuro. E essa criação é também uma arte, ou uma forma distinta de arte para a qual muito ajudam a ciência, a religião, a filosofia e o cultivo do belo. Porém essa arte magnífica que é viver é uma abertura para o futuro. Abertura que significa deixar para traz algo que pode ter sido magnífico, mas que não esgotou nosso propósito de amar, de explorar as possibilidades de viver, de preencher toda esperança de experimentar algo bom. Essa força que nos move para frente guiada por uma bússola interna é o que entendemos ser o sentido. O sentido é o que nos move e nos moverá com propriedade se estivermos atentos a essa bússola íntima. É ela que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset denominou magistralmente de fidelidade íntima. Ao dedicar nossa vida a fazer as coisas conforme essa fidelidade íntima teremos uma existência mais do nosso jeito.
E o olhar para frente é o que estabiliza cada movimento. Algo assim como o ciclista que somente se mantém sobre a bicicleta enquanto a pedala e a faz andar numa direção. O ciclista pode parar e andar para trás, mas não com a mesma força e com o mesmo ímpeto de quando se lança em direção à linha de chegada. Assim é o sentido de nossa vida.

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