sexta-feira, 20 de setembro de 2024

As modernas velhas mexeriqueiras . José Mauricio de Carvalho



Quem viveu a infância em cidades pequenas como eu, aprendeu desde cedo a fugir das velhas mexeriqueiras. Quem eram elas? Velhinhas doces, aparentemente inofensivas, mas que, por algum recalque, trocavam a reza do terço por bisbilhotar a vida alheia. E então, sempre atentas ao que se passava à volta, adoravam espalhar intriga pela vizinhança. Essas velhinhas mexeriqueiras tinham pelo menos a favor delas que aquilo que espalhavam compensava alguma frustração pessoal, mas nada além disso. Não se pode dizer que tivessem paixão pela mentira ou que a usavam para o próprio benefício. Eram apenas recalcadas. Velhinhas mal amadas. Elas não viveram um grande amor, então criticavam a linda vizinha que engravidara fora do casamento, não viveram belas histórias, então criticavam os jovens aventureiros que se lançavam à vida com fôlego e paixão. Eram reprimidas em seus desejos, amarguradas, à espera de alguém que lhes desse atenção e carinho. Ordinariamente se curavam da má tendência com o carinho de alguém ou por conselho do padre. Sim, tinham o padre em alta conta e sabiam que o cristianismo não era instrumento para enriquecimento, nem para maltratar ninguém. O cristianismo era para acolher e salvar as pessoas. Cristo foi o maior bote salva vidas da História.

As velhinhas mexeriqueiras condenavam o homossexualismo porque tinham em si mesmas aqueles desejos que condenavam e criticavam quem se entregava àquele prazer proibido. Elas gostariam muito de o terem experimentado, mas não tiveram coragem. Foram meninas sonhadoras, foram jovens amantes desiludidas, acabaram solitárias. Aquelas velhinhas mexeriqueiras traziam dor e tristeza para os jovens, mas o mal que causavam não era maior do que aquele que elas próprias tinham na sua alma.

Aquelas velhinhas mexeriqueiras não tiveram grande formação intelectual. Nas pequenas cidades o estudo era oferecido com carinho, mas não era primoroso e era curto. Contava com dedicadas professorinhas que se entregavam de forma apaixonada ao ofício de educar as crianças. Elas cuidavam dos pequenos e pequenas que eram filhas e filhos de antigos companheiros de brincadeira e se sentiam elas próprias tias das crianças. Viviam uma fraternidade espiritual com os amigos da infância que eram os pais e mães daqueles miúdos. Porém, embora tão dedicadas ao ensino da tabuada e das primeiras letras pouco mais iam além daí. O ensino acabava no primário, no máximo no ginásio. E assim envelheceram com pouco estudo e pouco amor.

Essas velhinhas penduradas nas janelas, nunca ouviram falar dos antigos gregos. Jamais leram Hesíodo, Cícero, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Nem nenhum dos nomes de destaque dos vários setores do conhecimento humano em todos os tempos. Nem fizeram curso para entender os movimentos na natureza, tese de Heráclito (540-480 a. C.), nem do movimento como aparência do mundo, hipótese de Parmênides (540-450 a. C.). Também nada sabiam de Sócrates (470-399 a. C.) que não se afastou da verdade.

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