sexta-feira, 27 de setembro de 2013

UMA ÉTICA DA ESPERANÇA. Selvino Antonio Malfatti




Se partirmos da constatação de que existimos, de imediato veremos a precariedade de nossa existência. Não conseguimos recuar até o instante de nossa consciência, de nossa interioridade que, iluminada toma consciência de si. Estamos suspensos, sem ser e com desejo de mendigos de tê-lo.
Quando ocorreu o acender de nossa consciência? Tudo se esvanece no passado longínquo o qual não conseguimos identificá-lo. Caminhamos sobre o Nada, como o Mestre caminhava sobre as águas.
O que nos consola como reduto último é a Esperança. Entre o Ser e o Nada, perigosamente suspenso sobre a Morte, o homem consegue viver porque se recusa cortar o fio da Esperança. Se for rompido, cairemos no Nada.  Os acenos das Angústias, do Cuidado, da Náusea na verdade são apenas acenos do desespero, pois são formas de cortejar o Nada, de quem pendula entre a Vida e a Morte.
A Luz pode ser a metáfora da vida, enquanto a Noite da Morte. O primeiro um ser-em-si e o segundo o não-ser. Esta dualidade reflete-se na gnosiologia na relação entre sujeito e objeto. No ato do conhecimento o sujeito não só contempla o objeto, como o objetiva. A relação imediata que surge é uma bipolaridade de eu-isto. Neste primeiro contato sujeito-objeto estabelece-se uma relação fria. O primeiro ignorando a concretude do segundo e este reduzindo ao mínimo sua concretude. Desta relação surge uma metafísica materialista ou mesmo estruturalista. Esta relação, sujeito-objeto, nos leva a renunciar ao conhecimento da Vida, do Homem e do Espírito, pois há um sujeito diante de uma coisa e vice-versa. Será possível outra relação? É possível desde que a relação que se estabeleça seja de natureza de Eu-Tu , Nós-Ele, Eu-Vós. Esta relação muda a natureza, pois em vez de objetos, coisas, há relações de sujeitos inter-subjetivos. Com esta relação é possível captar a vida, o espírito e o Homem concreto. O existente humano é o ser-em-si em trânsito na busca do Ser-em-Si-para-Si.
Cada homem é uma pessoa, pois é capaz de reconhecer-se a si mesmo. O fundamento da pessoa reside na liberdade própria e do outro. O outro é um ser livre igual a mim. Sendo assim o conhecimento que tenho dele é sempre provisório, pois o outro é continuamente um processo em aberto. O outro não é como outro ente que posso conhecê-lo na sua essência, pois ela se revela no fenômeno e está definitivamente definido, isto é, ele não é objetivável, pois, o outro está continuamente em mudança. Além disso, por ser livre não posso adivinhar qual a intenção que o guiará. Na relação intersubjetiva, entre pessoas, o conhecimento não se faz por causa e efeito, mas pela espontaneidade, pois tem a iniciativa da ação e não ser causado.
Com efeito, a idéia de liberdade alheia faz com que o outro se nos apresente como incognoscível dificultando o entendimento dele como um fenômeno puro e assim possa conhecê-lo na sua essência. Por isso o acesso gnosiológico é sempre provisório devido à imprevisibilidade da intenção que o moverá.

No entanto, lançando mão da reflexão posso ter conhecimento de minha consciência e como o outro também tem consciência posso ter um conhecimento analógico. Por outro lado, o conhecimento do outro o leva a externar-se, como por exemplo, a cultura. Este fenômeno pode ser objeto de minha consciência e por isso tenho um conhecimento essencial. Por isso, indiretamente, através da cultura posso conhecer o outro. Por sua vez, as manifestações existenciais do outro e que também são minhas podem me lavar ao conhecimento do outro como é o caso, da morte, sofrimento, injustiças e outros. Disso decorre que os outros, por serem livres, podem ser nossos conviventes fraternais como nossos inimigos figadais.

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