sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A comunidade nacional. José Mauricio de Carvalho




O afastamento da Presidente Dilma e os fatos políticos que se seguiram, apesar de seguir o rito constitucional, com respeito as leis e às instituições da República, mostrou fragilidades da comunidade nacional. De um lado, divisão irracional entorno a propostas políticas e de outro divisão institucional, com pessoas propondo a quebra da ordem constitucional por um golpe militar. Não se entra, a seguir, nas razões do impedimento para não  tocar nessas diferenças, decerto importantes, mas fora do objetivo  de pensar as bases de uma comunidade nacional. É evidente que essa comunidade não pode se limitar a torcer pela seleção brasileira ou pelos atletas olímpicos do país.
A compreensão do que seja uma comunidade nacional é fundamental para os membros de um grupo social, pois só quando esse grupo reconhece e cultiva os elementos de sua unidade consegue vencer os desafios que precisa enfrentar. Todos os grupos nacionais têm problemas, embora diferentes. A vida com sua dinâmica providencia novos desafios, muitas vezes sem que exista na história desse povo experiência para enfrentar as novas dificuldades.
Nascido no início do processo de globalização, o Brasil é uma continuação da Europa, como de resto toda a América. Isso significa que somos ocidentais, ainda que de modo próprio. Temos por base civilizacional o valor da pessoa, sua liberdade e dignidade, justificado no cristianismo e temos igualmente uma tradição jurídica que nos liga a Roma e ao modo de pensar grego, consideradas essas três pilastras os fundamentos do mundo ocidental.
Como país que se formou pela mistura das tribos indígenas presentes no território com portugueses e africanos, não foram laços familiares, mas a pertença o Império Português a base dessa unidade. Também não foi uma experiência de fé primitiva como fizeram os israelitas. Em outras palavras não foi o sangue, nem uma fé primitiva que une os brasileiros, mas um projeto político de unidade constituído com base numa língua e valores comuns de humanidade.
A diferença de interesses entre os portugueses aqui residentes e os que habitavam a metrópole foi, a partir de certo tempo, fator fundamental de desagregação desse grupo. Esse fator cresceu quando os habitantes daqui passaram a ter um projeto de vida mais amplo que enriquecer ou ganhar a vida, voltando, depois, para Portugal. Por isso, é lamentável que, ao lado da baixa escolarização, hoje em dia,  não estudemos, de forma séria, as bases da nossa comunidade nacional. Independente das circunstâncias históricas atuais que sugerem uma reaproximação estratégica com Portugal, e com outras nações comprometidas com valores ocidentais, o país precisa conhecer o esforço inicial para construir a nação. Inclui-se, nesse esforço, fatos diversos como a inconfidência mineira e a adesão de parte da família real portuguesa que conduziu à emancipação política do país.
A liderança de D. Pedro I permitiu que os portugueses de cá buscassem seu caminho político sem romper com as raízes daquele projeto de portugalidade que levou Chico Buarque no Fado Tropical a sintetizar em estrofe genial: "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai se tornar um imenso Portugal".
Esse grande Portugal se realiza num grande território, habitado por uma comunidade de valores judaico-cristãos, num território indiviso, com a convivência pacífica de etnias diversas, com ordem política, com as leis legitimamente construídas, com o uso da língua portuguesa, comprometida com o futuro de prosperidade. Isso exige solidariedade dos membros, portanto uma espécie de fraternidade laica, inspirada no liberalismo democrático que se desenvolveu no ocidente. Essa comunidade seria aberta ao diálogo e inserção na comunidade humana.
Essa comunidade experimenta hoje dificuldades porque não fez experiência de uma moral social consensual, como os países de língua inglesa, cristãos mas com diferentes religiões. Além disso, ficou, em razão, de reunir tanta gente diferente, perdida nos laços de solidariedade familiar, necessária, mas insuficiente para sua realidade grupal.
Nesse sentido, italianos, alemães, poloneses, judeus, árabes, japoneses e outros grupos minoritários que para aqui vieram depois da independência política, nunca foram excluídos e discriminados por questões de sangue ou fé. Foram aceitos como brasileiros. Ficaram pois, igualmente comprometidos com o projeto político de prosperidade material, liberdade e dignidade pessoal, unidade territorial, linguística e solidariedade grupal que une essas pessoas a um destino ou projeto comum.


Postagens mais vistas