sexta-feira, 22 de março de 2013

A Igreja espiritual do Papa Francisco. José Maurício de Carvalho





A eleição do Papa Francisco foi momento de profunda emoção para os católicos. Emoção porque o Papa Bento XVI não morreu, renunciou quando sentiu que suas forças faltavam ante os desafios da Igreja no nosso tempo. E os católicos acolheram seu novo líder como alguém que irá enfrentar estes desafios. E o Papa Bento XVI teve pesados desafios desde que assumiu. Ele é teólogo e professor brilhante. Apesar dos gestos amáveis e fala doce teve uma missão difícil, quase impossível, de substituir o carismático João Paulo II, uma figura humana extraordinária, um quase místico e um comunicador sem comparação. E Bento XVI teve ainda um particular desafio que desagrada qualquer intelectual do nível do agora Papa emérito, enfrentar a burocracia e a maldade incrustada na Igreja sob a forma de corrupção no Banco do Vaticano e pedofilia no clero. É preciso mais que vontade férrea para uma missão destas, é necessário ter a alma fria de administrador eficiente e possuir muita força física. E o Papa Bento não possuía nenhuma das duas coisas. Sua renúncia foi testemunho de humildade, de consciência dos próprios limites e confiança de que Deus encontraria um modo de inspirar a Igreja depois de seu gesto.
O Papa Francisco chega para enfrentar estes desafios e muitos outros. Para a burocracia corrupta da Santa Sé anuncia uma Igreja pobre, sem ostentação. E lembra em seu nome um dos mais queridos santos da Igreja Católica: o pobre de Assis. O jovem Francisco cuja experiência de Deus o fez migrar para níveis elevados de espiritualidade. Um patamar onde a fome e a sede quase não o alcançavam, e a tentação do poder e da riqueza nem sequer se aproximavam. Um jovem que agradecia com entusiasmo a Deus pelo pão simples sobre a mesa e pela roupa singela que o protegia do frio. Francisco de Assis é modelo de espiritualidade e bondade em conformidade com os ideais do evangelho. Ele soube viver o Reino de Deus no amor aos outros e na simplicidade.
A figura de Francisco de Assis é modelo de espiritualidade e humanidade. Como modelo indica que o homem não necessita consumir crescentemente, possuir o corpo coberto por roupas finas e jóias, nem ser escravo do corpo para ter dignidade e valor. A dignidade está em escolhas livres e responsáveis. O Papa Francisco começa dando profundo testemunho de espiritualidade. Se ele ajudar as pessoas a entenderem isto, talvez diminua no mundo o hedonismo angustiado de nossa época que é impossível sustentar, mesmo que o capitalismo produza como nunca. Uma época em que para se sentir pessoa humana é preciso amealhar coisas, trocar quinquilharias, muitas vezes em detrimento da vida, dignidade e valores.
O espírito evangélico e a simplicidade pessoal ancorado na ideia de que todos somos filhos de Deus não nos tira, avalio, a obrigação de produzir riqueza para assegurar a sobrevivência material e a prosperidade social. Isto revela que a elevação da espiritualidade não significa condenação da riqueza e do trabalho produtivo como fizeram setores da Igreja depois do Concílio de Trento. Desejo que a vinda do Papa Francisco seja um tempo de acolhimento delicado aos homens que sofrem buscando o que não encontrarão no acúmulo ansioso e gozo irresponsável. Espero, mais ainda, que a espiritualidade elevada de Francisco de Assis não sirva para alimentar setores renitentes e sobreviventes do Concílio de Trento que renasceram no marxismo travestido de Teologia da Libertação. Já se escuta neste grupo o jubilo pelo afastamento do agora Papa emérito, porque ele combateu e desmontou no campo intelectual a Teologia da Libertação.  Espero que também não se distorça a espiritualidade elevada do querido pobre de Assis na condenação generalizada da riqueza, do trabalho, da poupança e da necessidade de fazer no mundo, como na alma, obra digna do Criador.

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