sexta-feira, 19 de julho de 2019

Reforma da previdência: erros de perspectiva. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei




A previdência pública passa por revisão em muitos países do mundo e isso é fácil de entender. Experimentamos dois fenômenos demográficos importantes que mudaram o perfil da população: o alongamento da vida ou aumento da velhice e a redução da natalidade. Em resumo, temos sociedades com um número crescente de idosos e um número menor de jovens, portanto com mais velhos e menos crianças. E se as pessoas vivem mais, as sociedades precisarão que elas trabalhem mais tempo e se aposentem mais tarde. Disso não há como escapar.
Em países como o Brasil essa mudança demográfica foi muito significativa porque foi rápida. A população brasileira não apenas se urbanizou velozmente como aumentou muito a expectativa de vida que era de 45 anos e cinco meses em 1940 e passou a 76 anos e dois meses ano passado, segundo dados do IBGE, observando-se que os homens vivem, em média, menos seis anos que as mulheres. Assim, aposentar-se por volta dos cinquenta anos com uma média de vida de 45 e uma população jovem era realidade muito diversa da atual. Por isso ninguém discute a necessidade de atualizar as regras de aposentadoria.
No entanto, se a necessidade de se aposentar mais tarde é um fato inquestionável. A forma de a realizar é um problema de difícil solução. Apesar da complexidade do assunto existem problemas graves na atual proposta do governo em votação no Congresso.
O primeiro é a mistura do sistema de aposentadoria com o de apoio social. Por exemplo, uma criança doente e incapaz de trabalhar deve receber um salário? Um trabalhador que pouco contribuiu para o sistema porque era pobre e vivia no limite da sobrevivência deve receber um salário mínimo numa determinada idade? E outros casos parecidos de pessoas que não podem trabalhar? Creio que é justo ajudar essas pessoas. Temos, por pano de fundo desse reconhecimento, o conceito de previdência social desenvolvido na Inglaterra por ocasião da discussão sobre a pobreza. Naqueles dias se diferenciou o pobre daquele outro que não tinha condição de trabalhar. Porém esse direito, uma vez estabelecido, precisa ter fonte própria de financiamento e ser diferente do sistema que sustenta a aposentadoria dos trabalhadores.
Outro problema é o teto da previdência pública que vem caindo assustadoramente tendo sido vinte salários até pouco tempo e hoje anda entorno a seis. Isso somado a uma política que dificulta ao contribuinte alcançar esse teto. Isso fez com que a classe média passasse a contribuir com valores muito abaixo do que deveria, porque não tem expectativa de receber um salário que mantenha seu padrão de vida e os ricos, por sua vez, a não se preocuparem com aposentadoria de três ou quatro mil reais. Ambos os grupos estão transformando a previdência privada, que devia ser complementar ao sistema público, na escolha principal. Ambos os grupos deixando de contribuir ou contribuindo menos do que podem prejudicam o sistema.
Outro problema é não diferenciar funcionários públicos da população em geral. Não se trata de estabelecer privilégios, acúmulos de aposentadorias, etc. Isso não deve ser permitido. Funcionários públicos, boa parte deles, para realizar bem sua função, precisam se dedicar, de forma específica ou exclusiva, durante toda a vida, a atividades que os impedem de realizar outras funções ou buscar ganhos complementares.
Enfim, embora critérios econômicos sejam importantes quando se pensa o sistema previdenciário porque ele precisa ser sustentável, quando eles são o propósito e o objetivo das reformas, sem outras variáveis, o resultado é injusto e desfavorável ao trabalhador que passa a vida contribuindo para um sistema na expectativa de receber uma aposentadoria capaz manter seu nível de vida.

Postagens mais vistas