sexta-feira, 17 de julho de 2020

Aristóteles, coragem para dias difíceis. José Mauricio de Carvalho – Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos.


A vida alterna momentos doces e amargos, fáceis e difíceis, realizadores e frustrantes, cheio de chegadas e partidas. É essa dinâmica existencial que se acelera nesses dias de confinamento e isolamento social. Por um lado, estamos privados dos lazeres das ruas, viagens, ansiosos pela perda dos rendimentos, do trabalho e infelizes com os planos adiados e, por outro, na intimidade, tocados pelas dores emocionais, cansaços, medos, inseguranças e incertezas do momento. Isso porque não é simples passar pelo sofrimento. Ele expõe as limitações pessoais e nossa finitude. Ela evidencia que coisas ruins simplesmente nos acontecem. Para dias difíceis, além da serenidade, a virtude da coragem é nossa melhor vestimenta. Aristóteles, como bom filósofo, ajudou a tecê-la.  

Quando olhamos a história do pensamento encontramos duas formas de considerar a coragem, ambas necessárias para dias como esse: a moral ou a justa escolha e a ontológica, isto é, a coragem de realizar o sentido do que somos, de assumir o que faz sentido para nós. Da primeira tratou Aristóteles, que viveu na antiga Grécia entre 385 e 323 a. C., a outra foi estudada por autores contemporâneos como Ortega y Gasset, Paul Tillich e Viktor Frankl.

Aqui vamos nos concentrar no que Aristóteles ensinou sobre coragem no segundo livro da Ética a Nicômaco. Naquela obra, o filósofo afirmou que “o homem que tudo teme e de tudo foge, não fazendo frente a nada, torna-se um covarde, e o homem que nada teme, mas vai ao encontro de todos os perigos torna-se temerário.” (Ética a Nicômaco, São Paulo, Nova Cultural, 1987 – os pensadores, p. 28). O que Aristóteles quis dizer é que coragem não é não sentir medo, muito menos se lançar de qualquer modo contra o perigo. O corajoso sente medo, mas o enfrenta e sabe se mover contra as dificuldades inevitáveis. Não é covarde, nem temerário. Portanto, coragem é uma virtude que está no justo meio entre a covardia e a temeridade, sendo “destruída pelo excesso e pela falta, e preservadas pela mediania.” (Id., p. 29). E do mesmo modo que o homem fica forte por ingerir bons alimentos e fazer exercícios, a coragem também se fortalece quando nos abstemos de prazeres dispensáveis e somos mais capazes de fazê-lo.

Essas lições de Aristóteles realçam que, quando nossas escolhas têm em vista o prazer puro e imediato, caímos em desejos irresponsáveis e numa existência superficial. Quem escolhe apenas o que lhe dá prazer torna-se, para o filósofo, intemperante, isto é, irresponsável ou capaz de magoar pessoas queridas e fragilizar a própria vida, comprometendo saúde e projetos.

Para Aristóteles a suprema forma de coragem é a capacidade de morrer pelo essencial. No caso essencial era ser bom cidadão e contribuir para o desenvolvimento da Polis. Ainda que seu intento seja discutível aos olhos do homem de hoje, o essencial dessa lição é que coragem não é apenas vencer os impulsos de covardia, mas fazê-lo pela grandeza dos motivos. O que fizeram, por exemplo, Sócrates e Jesus de Nazaré, ambos aceitando a morte injusta que lhes foi imposta pelos governos de suas sociedades. A aceitação corajosa da morte foi a marca de ambos. Coragem é o que caracterizava o soldado grego, sempre disposto a morrer por sua Atenas, aquela flor da Grécia democrática, linda exceção entre os antigos Impérios.

Aristóteles deixou lições preciosas para tempos difíceis. E essa capacidade de descobrir o justo meio, em cada ato, o que diferencia o homem dos outros seres. Ele é capaz de escolher uma coisa ou outra. E, pelo exercício, pelo estudo, pela meditação filosófica e treino que se aperfeiçoa a prática da coragem, sem a qual não seguimos pelo caminho da justiça, como é defender o bom, o belo, a verdade, ou seja, nosso Deus, nossa família, nossos amigos e nossa pátria. Quando agimos querendo o que é bom purificamos nossas ações e nos afastamos do ódio e de tudo o que destrói pessoas e sociedades.

Aristóteles nos convida a agir com coragem, a nos mover com a claridade da razão, tomando cuidados com a saúde, mas seguindo imperturbável na realização das tarefas que não podemos deixar. Vivendo numa sociedade superficial e incapaz de aprofundar a discussão política, perdida em discussões inúteis, cabe preservar a justa indignação contra o mal, não fazer concessões a ele, não fugir das responsabilidades, e viver sereno seguindo o exemplo daqueles que, pelo esforço e dedicação, venceram seus medos e, por isso, se tornaram o melhor tipo de homem: os que vencem a situação e a si mesmos.


 


Postagens mais vistas