O FENÔMENO TOTALITÁRIO.
Selvino Antonio Malfatti.
Há um sonho subjacente no
inconsciente da humanidade que a arrasta para o abismo do global. Aspira por uma
entidade, pessoa física ou abstrata que seja sábio, providente e previdente
para trazer paz e felicidade. É algo que provê tudo e da melhor forma possível.
O sonho de uma felicidade total sem esforço. Um entregar-se ao todo e ser
infinitamente feliz. Não sentir nenhum sofrimento apenas quietude e paz.
Este fascínio atrai a
humanidade para o todo. O fenômeno do totalitarismo foi genialmente estudado
por Roque Spencer de Barros, no Fenômeno Totalitário[i]. Ele caracteriza o
fenômeno pela ambiguidade entre o desejo de singularidade e o fascínio da
totalidade. O ser quer ser único, livre, singular, mas sente-se atraído pela
despersonalização em favor do todo. Poderia se imaginar o dispersivo de
Heráclito e o Uno de Parmênides. O Fenômeno Totalitário como aspiração aparece,
desaparece e ressurge novamente na trajetória da Humanidade, nas mais variadas
formas.
No fenômeno totalitário uma
dimensão do homem absorve as demais. A reflexão ocorreu na Idade Antiga com a
Religião, que abarcou todos os setores como o judaísmo e zoroastrismo.
Mainfestou-se em todas as grandes civilizações como a hindu no oriente com
Nirvana. No ocidente pode-se dizer que é inaugurada solenemente aparição do
fenômeno totalitário na República de Platão, na Antiguidade. Nela o autor
descreve uma sociedade ideal governada por sábios que provém a felicidade, paz
e justiça para todos.
Na Idade Média ressurge o
fenômeno com Santo Agostinho. Na Cidade de Deus existe a verdadeira felicidade
pelas leis cristãs. Na cidade dos homens, pagã reina a desgraça, injustiça e
infelicidade. As sábias leis divinas trarão a verdadeira felicidade humana.
O anseio por uma ordem
totalitária, segundo o filósofo Roque Spencer de Barro, faz parte da própria
ambiguidade, que a seu ver, é constitutiva da natureza do ente humano. Esse
ente habita entre a singularidade e a totalidade. No âmbito da singularidade,
em sua consciência, ele, e aqui está o aspecto trágico, depara-se com o grande
desafio da responsabilidade pessoal e da incumbência de dar um sentido à sua
vida e, diante de tantos revezes, pode encontrar-se desamparado. Essa pessoa,
instância ética singular, pode ver, no horizonte, a solução de refugiar-se em
uma totalidade, na dissolução de sua individualidade em uma ordem coletiva na
qual o domínio da responsabilidade pessoal ceda lugar ao domínio do igual, de
uma total transparência, da vivência e das decisões coletivas. O sonho
totalitário mostra-se, portanto, como a válvula de escape para o pesadelo
cotidiano do encontrar-se. É como alguém que está prestes a desmaiar. De
repente não sente mais seu próprio corpo nem pensa, é levado para repouso. Não
quer voltar à consciência de si, mas permanecer no êxtase.
O fenômeno totalitário, que
se origina da exclusão e domínio de uma das dimensões do ser humano como a
religião, política, ideologia, tem um alicerce filosófico que lhe dá suporte.
Para superá-la necessita de outra filosofia. O totalitarismo político, por
exemplo, para ser superado deverá buscar outro suporte filosófico. No caso a alternativa é a democracia. O
totalitarismo racial deverá ser substituído pelo pluralismo.
Em que pese o Brasil nunca
ter sofrido um totalitarismo genuíno nos moldes da Alemanha de Hitler, Itália
de Mussolini, Rússia de Stalin, Iugoslávia de Tito e assim por diante. Tivemos
regimes ditatoriais muito intensos como Getúlio, oclocracia parlamentar como D.
Pedro II, juristocracia sufocante como atual prática da Suprema Corte. Nunca,
porém, conhecemos um totalitarismo, da perda da consciência.
O totalitarismo é uma doença de risco mortal. Precisa de medicação adequada e não tratamento paliativo. Não basta eliminar a dor, mas tratar o foco infeccioso. Enquanto o totalitarismo estiver imanente no ser, um ícone na memória, que pode a qualquer momento ser ativado e metastizar todo corpo social: política, religião, cultura, sociedade, enfim as instituições.
[i] Nasceu em São Paulo, Bariri em 1927 e
falece em São Paulo, 1999. Foi historiador, filósofo, educador. Ideologicamente
posicionou-se como liberal, refletindo seu pensamento na produção intelectual.