sexta-feira, 21 de março de 2025

Refletindo sobre a pós-modernidade. José Mauricio de Carvalho

 



Co-autor de Estado de Crise, livro que escreveu com Zygmunt Bauman, o jornalista e sociólogo Carlo Bordoni destacou, de modo diverso dele as mudanças em curso. Ele viu um rompimento com a modernidade, destacou a mudança dos compromissos que o Estado fez com o cidadão (id., p. 71): “de salvaguardar sua saúde, seu direito ao trabalho, serviços essenciais, segurança social, aposentadoria e vida na velhice.” Isso entre outras tantas coisas que se procurava assegurar. Tudo isso foi desmontado: a segurança no trabalho, sistemas públicos de educação e saúde pública de qualidade, a aposentadoria sofreu mudanças, vieram as críticas ao subsídio no desemprego, etc. As expectativas de segurança social foram deixadas de lado. E assim, nesses novos dias cada qual fica cada vez mais responsável por si, por sua saúde, provento, educação, segurança, etc. É claro que a redução do Estado social e de seus compromissos com a população deixa em pior estado aqueles que são socialmente mais frágeis. E conclui assim (id., p. 75): “a crise não está atingindo somente a Europa e não é somente econômica. Trata-se de uma crise profunda de transformação social e econômica, que tem raízes no passado.” Até aqui não se distanciou da análise de Bauman, mas na sequência sim.

As leituras dos dois autores são completares. Enquanto Bordoni diz que temos um tempo que rompeu com a modernidade e avança noutra direção, Bauman avaliou as mudanças mais no sentido consagrado pelo filósofo francês Lipovetsky de compreender a atualidade como hipermodernidade, não propriamente como um deixar para traz tudo quanto foi moderno, mas como uma exacerbação da modernidade. Fica evidente nessa interpretação a proximidade com as teses do francês autor de “Os tempos hipermodernos”, livro feito em co-autoria com Sébastien Charles.

Quanto a Bordoni, ele considerou a pós-modernidade um período de transição para um novo tempo, seria o início de algo novo, mas que já se concluiu. O que ele denominou propriamente com esse conceito foram os acontecimentos dos últimos trinta anos do século passado. Nele viveu-se (id., p. 95): “entusiasmos e ilusões, que se impôs no campo da arte, orientou a filosofia, revelou a fragilidade das ideologias e pôs o indivíduo a nu.” Sendo momento de passagem deixou um vazio de valores à espera da construção de um novo modelo ético. Nesse período ocorre uma mudança no estilo arquitetônico, onde se busca recuperar elementos e ornamentos sofisticados, mas não é só uma mudança na arquitetura, ela afetou desde as práticas econômicas a outros aspectos da cultura. O conceito foi (id., p. 97): “adotado em outros campos e usado (às vezes de forma imprópria) para classificar uma mudança nos costumes ou nas práticas quotidianas.” No entanto, tanto a modernidade como o tempo pós-moderno ficaram para trás nos últimos anos. Não se trata de um detalhe semântico, mas da presença de características novas. Assim o que se chamou pós-moderno é a porta de entrada de um novo tempo que ainda não temos uma palavra exata para descrever. Esses dias mostram a mudança para uma sociedade que regressou (id., p. 101): “à situação da lei da sobrevivência do mais apto, do mais esperto, na qual vence o mais ávido; perde-se nela a certeza dos direitos (...) nela prevalece o consumismo cego, sem levar em consideração os recursos do planeta.” Temos uma avidez pelo consumo que deve ser obtido de qualquer forma e gozado sofregamente. 

A leitura de Bordoni considerou o processo de transição e sofrimento causado pelos ajustes atuais como próprios da transição. Para explicitar esse fato comparou o que se passa hoje aos incômodos de nossa atual sociedade com o das gerações que viveram a revolução industrial. Ao chegar para o trabalho na indústria antigos artesãos e camponeses (id., p. 86): “foram submetidos a assédio, controles, punições econômicas e culturais, tratados como escravos, sem nenhuma maneira de escapar do sistema do qual se encontram presos por necessidade ou ignorância.” Assim ocorre mesmo nas grandes transformações da história que, quando consolidadas, significam um tempo novo de progresso e desenvolvimento, mas que durante a transição é sofrido. O incômodo atual é como o das gerações que fizeram a Revolução Industrial e tiveram o sonho de melhorar de vida. Esses sonhos se consolidaram na sociedade democrática e ela hoje está em dificuldades. E isso decorreu da globalização e o afastamento entre a política e o poder, pois o interesse das empresas multinacionais já não se fecha dentro dos limites de um Estado nação. Nesse sentido, ele considera que esse é um momento de sofrimento e passagem, mas que não é necessariamente para uma realidade desastrada. Nessa leitura o que se vive é mais crise ética, da recusa de assumir um novo modo de vida (id., p. 91): “a pós-modernidade, antes de ser uma evolução da própria modernidade, se presta a ser considerada o sinal de uma profunda crise ética, bem como a tentativa da modernidade de superá-la sem grande esforço.” Em outras palavras, o mundo moderno não quer passar pelas mudanças necessárias para um novo tempo que virá por conta das mudanças culturais.

 


Postagens mais vistas