sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Escola para a vida e não escola sem partido. José Mauricio de Carvalho





A proposta contida no projeto de lei denominada escola sem partido, criticada como conservadora e fundamentalista, não é exatamente isso. Se o fosse, mas estivesse bem embasada, seria uma perspectiva de entendimento do mundo da qual se pode discordar, mas como tal contribuiria para esclarecer a realidade das pessoas e o conflito de interesses da sociedade. Porém expressa a superficialidade contemporânea, incapaz de identificar e enfrentar os problemas corretamente. Seus proponentes não se dão conta dos problemas por tras do que querem resolver.
O ensino, para ser bom, precisa ser crítico no sentido de mostrar ao aluno que há diferentes formas de interpretar a realidade e entender o mundo, especialmente quando tratamos dos interesses das pessoas. A ciência moderna foi uma grande construção humana, ela ajuda no conhecimento do mundo e precisa ser bem ensinada e aprendida. Porém, o conhecimento científico é limitado pelos métodos e objetivos que asseguram sua validade. Por isso, a ciência não chega a um tipo de verdade sobre a totalidade da realidade, sobre os interesses humanos e sua liberdade. A verdade da ciência é a verdade que se mostra pela submissão de hipóteses testáveis. No entanto, e pelo que pretende a ciência, ela é incapaz de dizer algo sobre o que não se pode testar, como por exemplo, o fim da história ou o sentido da vida de cada existente. Um pouco de conhecimento filosófico é essencial para se tratar desses assuntos, mas há limites para as verdades filosóficas e limites nas teorias que formula de interpretação do mundo. Ainda assim ela é imprescindível.
A razão, enquanto esforço de interpretação dessa totalidade vai além das verdades da ciência, mas também não consegue descrever a totalidade do real chegando a uma verdade absoluta. Formulando teorias de interpretação do mundo a Filosofia revela aspectos parciais da verdade. E é bom que a força da razão atue nas ciências como impulso que aponta seus limites e a incentive a seguir em frente no que ela pode fazer para explicar o mundo. A razão, empregada com a consciência dos seus limites, forma o pensamento crítico, distingue as verdades da ciência das formulações sobre o mundo. O pensamento crítico revela também as disputas de interesses presentes na sociedade que não podem ser escondidas nem encobertas. Além disso, a vida  renova os problemas de modo que o homem precisa continuamente construir novas teorias científicas e filosóficas. A razão, trabalhando corretamente, aponta para além dos limites históricos como força que transcende o tempo em direção ao eterno. Ela revela as lutas e conflitos desse processo e nunca para de pensar o mundo. Ela se mostra nas construções dos filósofos, o que nos leva a entender as lições da Filosofia, como o caminho da razão. Se essa escola ensina isso ela ensina a diferenciar explicações filosóficas, teses de interesse de grupos e pessoas e o conhecimento científico e objetivo sobre a natureza. Ela ensina que interpretações parciais do mundo se tornam falsas quando são propostas como absolutas.
Minha geração foi criada numa escola sem filosofia, sem pensamento crítico, com uma visão romântica de sociedade da qual o resumo era a Educação Moral e Cívica (E. M. C.). Longe de formar o pensamento crítico disciplinas como aquela ofereciam uma visão superficial e falsa do mundo e da sociedade. A vingança veio na mesma moeda. Quando houve a abertura política, as disciplinas sociais, construídas sob inspiração marxista, arvorando-se em teoria científica que elas não eram, antes restritas a espaços clandestinos, foram apresentadas como verdades para os jovens. Note-se que isso ocorreu num momento em que o marxismo, como esquema de interpretação do mundo, com seus dominados e dominantes, era considerado ultrapassado como visão de mundo. Ortega y Gasset, por exemplo, o identificava com a ideia de homem econômico e da sociedade do século XIX. Como as teses da E. M. C. que foram apresentadas para uma geração como verdade sem o serem, as teses marxista o foram para a geração seguinte, com o agravante de parecerem ciência. Ambas limitadas e insuficientes interpretações do mundo. Ambas visões ideológicas e superficiais, porque toda verdade que nasce numa filosofia, melhor ou pior, é uma interpretação parcial do real, se degenera quando pretende ser absoluta.
Hoje não precisamos de uma escola sem partido, precisamos de uma escola para formar a inteligência. Uma escola que ensine a pensar a uma geração incapaz de fazê-lo, distraída de viver nos aparelhos eletrônicos, incapaz de concentrar-se, envolvida em conversas vazias nas redes sociais, que necessita aprender a pensar, necessita de tempo para meditar as questões fundamentais da vida, além de aprender bem a ciência. Essa geração precisa de uma escola que não forme pessoas superficiais e embotadas, com professores mal pagos, desmotivados e revoltados. O problema a enfrentar não é uma escola sem partido, mas uma escola onde ideologias sejam apresentadas como tal, como interpretações limitadas do mundo, que precisam conversar entre si para buscar a verdade. E há outros problemas graves na escola que essa proposta tangencia. O mais grave é o fetiche da tecnologia digital. Não é preciso abandoná-la, mas ela não pode ser mais que um método entre muitos que integram o processo pedagógico, é instrumento algumas vezes válido, outras não. A escola não é um grande videogame ou jogo eletrônico para divertir uma geração incapaz de pensar e de trabalhar suas frustrações e limites. Os problemas humanos, os desafios que a vida traz, os traumas e sofrimentos, não podem  ser tratados superficialmente e nem se resolvem nas redes sociais. Os problemas fundamentais do homem precisam ser enfrentados com o pensamento crítico, com ciência, com meditação filosófica, com professores bem formados e pagos e também com respeito pela dignidade humana, para com as normas sociais, com o reconhecimento das diferenças entre pessoas, com apoio para enfrentar os traumas e frustrações que a vida traz.
As discussões que a sociedade e o governo precisam fazer sobre o futuro e o papel da escola estão num outro patamar e incluem outras questões muito diversas dessa proposta superficial e sem graça denominada escola sem partido.


9 comentários:

  1. Maria Elena Malfatti CINCO estrelas, Professor! (Dez, pode?)

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    1. Todas as estrelas. Palavra de quem entende. Beleza.

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    2. Toda verdade, mas precisamos de professores conscientes de seu papel.

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    3. Os problemas humanos, os desafios que a vida traz, os traumas e sofrimentos, não podem ser tratados superficialmente e nem se resolvem nas redes sociais. E não precisa falar mais...

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    4. Tudo que acontece está bem avaliado,mas precisamos saber que a superficialidade dos jovens também esconde o grande vazio existencial.
      Crianças/adolescentes estão sofrendo pela vulnerabilidade familiar, falta de rumo, orientação dos pais que não aceitam envelhecer, querem ser os amigos dos filho. Se nossa geração sofreu pela rigidez das regras, esta geração sofre por falta de regras, de vínculos familiares, vivem o momento com pouco amor a vida, sem orientação definida que há tempo de plantar e de colher. Sem fé, sem Deus, sem mestres que sintam AMOR pela profissão, estamos deixando uma geração de jovens frágeis e vazios.

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  2. Um espetáculo. Nada mais a falar. Parabéns.

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  3. Escola para a vida. É como precisamos organizar e orientar as novas gerações.

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  4. É urgente que façamos as mudanças necessárias, as novas gerações agradecerão.

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  5. Maravilha tudo. Mas devemos mesmo passar valores que agreguem conhecimento. Filosofia para saberem pensar, equilíbrio para mente sadia.

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