sábado, 11 de abril de 2020

Páscoa. José Mauricio de Carvalho Academia de Letras de São João del-Rei




Páscoa é tempo de intensidade. Não é simples dizer seu significado, mas pode-se resumi-lo num poema de três estrofes: a dor, a passagem e a esperança ou promessa.
A Bíblia nos apresenta a Páscoa como a saída do povo hebreu das terras do Egito. Diz que ali viveram mais de quatro séculos como escravos. Chegaram aos poucos, buscando a sobrevivência, o alimento que fortalece o corpo, a roupa que o protege, a habitação que aconchega e assegura a sobrevivência dos filhos. Tornaram-se numerosos, foram humilhados, sofreram perseguição e foram escravizados até que um líder os libertou. A partida daquela terra foi a passagem (Ex., 12, 43-51).
E qual era a dor: o alimento era pouco, a roupa e a casa pobres, a vida de prisioneiros indigna e faltava liberdade até para cultuar Deus. Então, o Senhor ouviu suas preces, mandou-lhes um líder que convenceu o faraó a libertá-los, impondo pragas ao Egito. Antes da viagem cada família cuidou de um cordeiro, o engordou e protegeu por alguns dias até que ele estivesse forte e saudável. Então quando já haviam se afeiçoado ao animal e se preparavam para levá-lo, receberam a ordem de sacrificá-lo, comê-lo e se preparar para a partida. A Páscoa devia ser comida por todos os circuncisados, conforme ordenou Deus a Moisés e Arão. Passagem significava deixar para trás, a dor, mas também coisas a que se afeiçoaram nos tempos dessa dor. Então, “nesse mesmo dia, o Senhor tirou do Egito os filhos de Israel ordenados em Exército.” (Ex., 12, 51). E lhes deu a liberdade e a responsabilidade de viver segundo leis. A liberdade tem um preço, a esperança da vida livre, na terra em que jorra lei e mel, não é fácil, demandou longa jornada e várias guerras.
Depois de instalados na terra prometida e depois de muitos séculos se consolidando como povo, os hebreus foram novamente escravizados na Babilônia, Nessa época já tinham uma casta religiosa e uma nova forma de compreender a religião (movimento profético). Então pediram a Deus um novo libertador. Não apenas para livrá-los do jugo das nações, mas para lhes dar uma nova vida.  
Foi-lhes, então, enviado Aquele que o Evangelho de João apresenta como O Cordeiro de Deus (Jo. 1,29). Ele mostrou o óbvio, a dor humana é maior e mais profunda que a dominação política. Essa dor chega no sofrimento, na solidão, no abandono, na doença, na injustiça, na culpa e na morte. Mas àqueles a quem foi oferecida a libertação tiveram que fazer a passagem. Conviveram com o Cordeiro, pescaram com Ele, ouviram-No acalmar os ventos e o mar, escutaram-No pregando para a multidão, viram-No curar doentes, abrindo a visão de cegos, levantando paralíticos, ressuscitando mortos, distribuindo pão aos famintos, amor aos que não tinham e perdão aos que viviam na culpa. A certo momento seus amigos viram-no caminhar resoluto para o seu sacrifício, dizendo àqueles que buscavam a fama: “sois vos capazes de serem batizados com o batismo com que Eu vou ser batizado?” (Mc 10, 38). E então depois de combater o mal, foi posto diante do mal e da injustiça para ser abatido. Na ocasião disse ao demônio: “Esta é a vossa hora e o poder das trevas” (Lc 22:53). Viram-No, então, injustamente acusado, torturado e morto. E completaram a passagem ao perdê-lo. Viram-No ressuscitado, mas já não tinham sua voz, seus ensinamentos, sua orientação. Não mais amanheceriam em sua companhia e nem dormiriam ao seu lado. Porém foram alimentados de uma nova esperança e da promessa de um novo Reino. E no Domingo, quando se completou para aqueles discípulos a passagem, experimentaram a libertação: Ei-lo de novo entre eles, a consolar os que sofriam, a animar os abatidos, a encher de coragem os amedrontados. Deu-lhes uma nova vida e uma nova humanidade, aquela desejada por Deus para todos os homens.

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