segunda-feira, 10 de abril de 2017

Antônio Paim, 90 anos. José Mauricio de Carvalho Instituto de Filosofia Luso-Brasileira



Antônio Paim é desses mestres que marcam seus alunos. Todo professor é importante, mas alguns tocam fundo a alma do estudante. Paim é professor que tatua a alma do aprendiz com generosidade e inteligência. Ele vai com facilidade ao mundo do aluno. O estudante sabe pouco, mas aprenderá se for bem orientado. Bem orientar é o que deve fazer quem ensina Filosofia e História das ideias já dizia Emile Bréhier, um dos mais notáveis de seus historiadores. Pois, para pensar filosoficamente, é preciso aprender a fazê-lo. Bréhier considerava que a Filosofia começa com a problematização espontânea da vida do homem e da realidade do mundo e é por aí que seu ensino deve começar. E Paim sabe como poucos problematizar o homem e o mundo.
A Filosofia, enquanto produto cultural, começou historicamente na antiga Grécia com a inquietação e perplexidade do homem grego. Ela nasce da admiração ante o que existe, mas só se consolida como reflexão estruturada de problemas. O homem tem uma dúvida intrigante e permanente sobre as realidades fundamentadoras da existência e essa dúvida o persegue. Por isso, Kant dizia que esse questionamento é exigência espontânea da razão. É essa disposição natural para pensar que precisa ser estimulada pelo mestre, mas ela se completa com a meditação filosófica. Uma das formas consagradas para aprender a pensar é estudar o legado dos grandes pensadores. E para orientar a caminhar entre ideias Antônio Paim está entre os melhores guias. Ele sabe delinear o essencial do caminho para o aluno não se perder.
Ao sistematizar a história do pensamento, Paim mostra que o primeiro plano e o mais radical que se encontra no estudo da Filosofia é o das perspectivas, às vezes confundido com os sistemas, mas que corresponde a uma espécie de ponto de vista irredutível. Ele sintetizou, como se segue, o legado de Kant. São duas as perspectivas filosóficas fundamentais, a platônica, segundo a qual algo subjaz ao que aparece e a transcendental, cuja categoria básica é o fenômeno. As perspectivas antecedem os sistemas e a eles sobrevivem. Enquanto os sistemas são transitórios, nas perspectivas reside o que há de permanente na Filosofia. Segundo Paim, as perspectivas são insuperáveis, isto é, não há como refutá-las teoricamente. A escolha de uma delas depende de muitos componentes, a exemplo do valor heurístico da perspectiva transcendental. Por sua vez, cada sistema filosófico é esforço de estruturar a totalidade do saber a partir da perspectiva que o sustenta, ele ensina numa de suas obras mais estimulantes: A problemática do culturalismo. Conhecendo as circunstâncias históricas onde foram concebidos os sistemas entendemos porque eles se sucedem como interpretação do mundo, deixando vivos os problemas que atormentaram os filósofos e animaram sua reflexão. Paim ensina assim, com leveza e profundidade, o que há de permanente e de passageiro na Filosofia.
Ao completar 90 anos, Antônio Paim nos presenteia com a produção acadêmica de historiador consagrado das ideias filosóficas no Brasil. Nesse campo produziu livros de enorme significado, quer pela extensão dos dados compilados, quer pela interpretação desses dados. Antônio Paim estudou a história das ideias no Brasil sem o complexo de inferioridade que por vezes nos visita, fantasma da mentalidade colonial que ainda hoje assombra nossas academias. Porém também não desconsiderou nem os clássicos da filosofia universal, nem as lições das grandes escolas. Inseriu adequadamente o esforço dos autores nacionais nessa tradição filosófica, mostrando suas contribuições mais significativas. Nesse sentido destaque-se a precisa avaliação do legado de Tobias Barreto de Menezes que, na terceira etapa de sua meditação, antecipou e iniciou o retorno a Kant, que somente se completou com o movimento neokantiano alemão que ocorreu depois da morte de Tobias. E também é interessante as observações que Paim fez dos ecléticos brasileiros como Eduardo Ferreira França e Domingos Gonçalves de Magalhães. Esses homens deixaram contribuições reconhecidas pelos fundadores franceses da escola. A tradição filosófica é um manancial que se enriquece com os olhares e diálogos. Pupilas diferentes ampliam o legado comum, um pouco mais ou um pouco menos todas são importantes, ensinou Georg Hegel, outro notável historiador das ideias. Paim soube mostrar como podemos navegar nesse esse rio caudaloso da cultura, ou da razão absoluta, a que se referiu Hegel.
Como operário do pensamento ou como historiador das ideias, como estudioso de política ou como professor, agora quando completa 90 anos, Antônio Paim é merecedor de nossa consideração e cumprimentos por vida tão dinâmica e frutuosa.


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