sábado, 21 de março de 2020

A experiência do limite e a certeza dos homens.José Mauricio de Carvalho – Professor da UFSJ e do UNIPTAN



Viver e sonhar é esbarrar em limites. Somos tecidos de uma liberdade maravilhosa de querer e um pouco do aceitar o que não podemos mudar. Quando escolhemos temos em conta nossas possibilidades físicas, emocionais e intelectuais e também a situação em que estamos. Ao projetar uma viagem consideramos o tempo disponível, os recursos, nosso propósito para empreendê-la e os eventuais acompanhantes na jornada. Tudo o mais na vida é um pouco assim, o viver de cada um, uma experiência única para quem a vive e um partilhar com os próximos.
A vida tem uma dinâmica curiosa, hora aproxima, hora afasta nosso olhar dos perigos. Há dias simples em que tudo caminha fácil, em que nossos desejos logo se realizam. Há outros não tão simples. E agora estamos diante de um limite: dias difíceis de enfrentamento de uma doença grave (Covid 19) e suas consequências. Dias difíceis, inicialmente, por conta do medo, um temor coletivo que se espalha e se alimenta da inútil repetição de notícias, muitas falsas, que provocam o pânico nas redes sociais. Esse medo se fortalece no sofrimento que o inesperado representa. Segundo porque estamos diante de uma doença nova, grave e capaz de, eventualmente, matar. Terceiro porque nos damos conta de que o sistema de saúde, por mais que se prepare, não dará conta de atender todas as pessoas que necessitarão de cuidados médicos.
Só situações graves evidenciam os limites e riscos de nossas vidas. Se viver é estar dramaticamente em perigo, como disse Ortega y Gasset, estou seguro que essas situações dolorosas ativam o melhor de nossa humanidade. São os dias difíceis que nos fazem sentir orgulho do que somos. São eles que nos mostram que é possível enfrentar o medo e a morte com coragem e determinação, como fazem os profissionais de saúde em vários países. Esses dias nos mostram a importância de olhar além da própria vida, como fazem os funcionários encarregados de manter em ordem na sociedade, os trabalhadores que não podem deixar a economia parar. São os limites e a morte que nos ensinam que, diante de uma ameaça grave, vale mais a solidariedade do que os títulos de propriedade e contas no banco. Essas situações-limites nos dizem do valor e importância do ensino, e em especial da Filosofia, saber que nos prepara intimamente, criando uma fortaleza interior onde é possível habitar, crescer e entusiasmar-se para seguir em frente. Descobrimos a importância de amar e ter um amor onde se possa estar quando a circunstâncias externas são dolorosas. Pois também o amor, tanto quanto o pensamento, fortalece nossas defesas íntimas, como mostrou o prisioneiro Viktor Frankl nos tempos que passou em quatro campos de concentração. Estando diante da morte, ele se alimentava do diálogo íntimo com a esposa e das razões que tinha para viver. Naqueles dias experimentou a força das palavras bíblicas do Cântico dos Cânticos (FRANKL, Em busca de sentido, p. 56): “põe-me como selo sobre o teu coração (...) porque o amor é forte como a morte. Cantares 8.6.” E entre os fortes amores que alimentam a vida está aquele dedicado a Deus, que é a expressão maior das transcendências e o maior dos propósitos. Mostra-o diversas pesquisas sobre espiritualidade e saúde conduzidas nas principais universidades do mundo e no NUPES/UFJF. O melhor de nós está naquilo que é maior que o medo e a morte, a capacidade de mergulhar no íntimo, transcender e amar.
Todos os riscos que nos ameaçam a cada dia somente fazem brotar em nós o melhor, por isso não nos precisa assustar o perigo, porque “aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida”, como escreveu Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. Estou seguro que esses dias difíceis são a oportunidade de fortalecer o mundo interior, amar e transcender. Creio que nada vale mais que isso, penso, amo e crio as oportunidades de uma vida melhor para nós e todos os povos.
     

Um comentário:

  1. Estamos em guerra, o inimigo é inviável, desafio para todos, não importa se temos o melhor plano de saúde, o ter perde, já não nos dá segurança, planos de saúde, hospitais equipados não responderão as nossas necessidades.
    Então tenhamos confiança para aceitar e confiar nos especialistas e equipes de saúde que estão orientando e fazer a nossa parte, com responsabilidade.

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