sexta-feira, 11 de abril de 2025

O FIM DO REGIME . Selvino Antonio Malfatti

 



 

Neste ano o escritor russo Alexander Baunov publica o livro “O Fim do Regime” denunciando três ditaduras do regime europeu. Trata-se dos Coronéis da Grécia, de Francisco Franco da Espanha e António de Oliveira Salazar de Portugal.

Com efeito, na Espanha a ditadura de Franco forçou a emigração de milhares para a América Latina e outros tantos para os campos de concentração.  Conta-se em 150 mil opositores fuzilados ou condenados à garrota (estrangulamento) ou simplesmente assassinados e enterrados em fossas comuns.

Já em Portugal na Revolução dos Cravos João Oliveira Salazar  quando se torna primeiro ministro e rapidamente implanta Estado Novo, como um regime Totalitário e Corporativo. A União Nacional assume como partido único de 1932 a 1934. Criou-se a Câmara Corporativa representando os estratos. A seu lado uma Câmara política e eletiva segundo critérios de censos. Paulatinamente estes órgãos tornaram-se autoritários impossibilitando qualquer oposição a Salazar.

Por sua vez na Grécia em 1967 o correu o golpe de estado que instituiu a Ditadura dos Coronéis que dura até 1974. O chefe do novo regime era Papadopoulos, assessorado por um Conselho Revolucionário. Suprimiu o governo democrático de esquerda e implantou a Ditadura. As liberdades civis e políticas foram suprimidas, dissolveu os partidos e exilou a família real.

Alexander Baunov intelectual, diplomata, e escritor russo denuncia estes três regimes europeus genuinamente fascistas e totalitários não se referindo diretamente que era o regime de Moscou de Vladimir Putin em pauta. Afortunadamente a Nomenklatura de Putin  não entendeu e pensou que se referia de fato à Grécia, à Espanha e Portugal. Na verdade, o autor da façanha, Alexander Baunov, descrevia a corrosão do regime de seu próprio país, a Rússia .

Baunov para comprovar sua afirmação mostra como o dirigente russo, sem citá-lo, perdeu a noção da realidade e por isso vive outro tempo, diverso do seu povo. Ele vive uma realidade mental, mas a sociedade outra.  Seria um sujeito com transtorno de despersonalização.

O livroO Fim do Regime” sofreu várias peripécias antes de chegar às bancas. Superada a fase pior antes do público a partir daí acontece um arrebatamento. Os leitores imediatamente entenderam o recado e tornou-se best.seller. A primeira tiragem se esgota em poucos dias, outra em apenas um mês, depois mais três e continua a ser reimpresso.

O livro está sendo um sucesso principalmente após o início da guerra com a Ucrânia e por todos os antecedentes. É citado o golpe fracassado de Mikhail Gorbachev em agosto de 1991, presenciado pelo próprio autor.

Putin se assemelha a Franco, pois ludibriava o povo com uma aparente economia de mercado, mas na prática autoritária. Putin pode ser considerado sósia político de com Salazar pela obsessão do segredo de sua vida privada, pelo modo como chegou ao poder sem uso aparente da força e por subjugar as instituições sem eliminá-las.

O fim do regime está-se antevendo. O próprio ditador está escolhendo seu sucessor, como fazem todos os ditadores.  Os círculos mais próximos percebem seu isolamento e seu galopante envelhecimento. As restrições morais e legais se fazem sentir não só no país, mas no exterior.

Por toda parte ocorrem deserções a críticas contundentes. Enquanto Putin vive sua obsessão pela Guerra na Ucrânia cada dirigente procura escapar do navio afundando. Pode-se citar a cientista Tatiana Stanovaya que pinta um homem senescente preso na bolha da burocracia, enquanto oligarcas como ratos no queijo disputam o poder. Alexandra Prokopenko, ex-executiva do Banco da Rússia deserta para Berlim e dezenas de outros.

Está patente a decadência moral de Putin e dos dirigentes russos. A antiga elite cheia de recursos e ambições agora uma classe de corruptos, ineptos à resiliência e destituídos de visão estratégica.

Agora “uma classe pronta para trair e se limpar, quando chegar a hora”.

 

sexta-feira, 4 de abril de 2025

O pensador e a ciência. José Mauricio de Carvalho

 

Prof. Leônidas Hegenberg.

Este ano comemoramos o centenário de nascimento de  Ele nasceu em 14 de março de 1925, em Curitiba, mas mudou-se jovem para São Paulo, onde se licenciou em Física e Matemática, em 1950, na Universidade Mackenzie e, mais tarde, em 1958, em Filosofia, na USP. Fez o mestrado na Califórnia, na Universidade de Berkeley, entre os anos de 1960 e 1962, e doutorou-se em Lógica pela Universidade de São Paulo no ano de 1966 com a tese Aspectos do problema de linguagem formalizadas. A sua vida acadêmica ele a viveu no Departamento de Matemática do Instituto Tecnológico da Aeronáutica – ITA, onde ingressou por Concurso Público em 1959. Este professor nos mostrou o valor e importância da ciência e do pensamento lógico.

Na quinta edição de sua clássica História das ideias no Brasil, escreveu Antônio Paim (1997, p. 213): “no curso da evolução do pensamento brasileiro, o tema das relações entre a filosofia e a ciência assume tal vigor que alguns analistas chegam a supor que esta seja uma questão privilegiada por excelência.” E para isso muito contribuiu Leônidas Hegenberg, autor de obras importantíssimas como as indicadas a seguir (CARVALHO, 2001, p. 307): “Introdução à filosofia das ciências (1965); Aspectos do problema da mudança de linguagens formalizados (1966); Lógica simbólica (1966); Equações diferenciais (1970); Vetores, matrizes e geometria analítica (1970);  Lógica, o cálculo dos predicados (1973); Lógica, cálculo sentencial (1973); Explicações Científicas (1973); Definições (1974); Lógica, simbolização e dedução (1975); Significado e conhecimento (1975); Etapas da investigação científica (1976); Simbolização no cálculo de predicados (1976); Lógica (1977); Dedução do cálculo sentencial (1977); História das ideias filosóficas no Brasil (1978 - coautoria); Textos e argumentos (1978); Dicionário de Lógica (1995), Doença, um estudo filosófico (1998) e Saber de e Saber que (2001).”

No seu livro Explicações Científicas, que usei algumas vezes como texto de apoio à disciplina Metodologia Científica, encontra-se uma síntese de seu esforço intelectual. Nele se explicitam os três grandes questionamentos entorno dos quais ele desenvolveu toda sua atividade investigativa: qual é o papel da ciência, como considerar o funcionamento do mundo e, finalmente, quais os fundamentos da ciência. A última questão é de natureza lógica, incluindo o método, a forma, os modos de pensar, os conceitos básicos e as características das explicações.

Este pequeno artigo é mais que uma homenagem e lembrança do intelectual brilhante, homem afável e de boa conversa com quem convivi décadas. Ele serve para lembrar o quanto seu esforço de uma vida inteira permanece atual e funciona como alerta em tempos em que os avisos da ciência são deixados de lado e onde se acha que vivemos apenas para explorar a natureza e ganhar dinheiro.

A mentalidade moderna assumiu que a natureza estava aí para ser melhorada e para melhor servir ao homem. E assim pode ser, mas hoje sabemos que sua exploração econômica tem limites. E se o controle no mundo moral é essencial, lembrava nosso filósofo Tobias Barreto, mesmo que a escravidão seja encontrada até na natureza, é moral que ele não exista entre os homens. Então se no campo moral a natureza precisa ser mudada a favor de nossa humanidade, quando se trata do mundo da economia essa exploração é necessária mas limitada. A ida além de certo ponto nos colocará em crescente dificuldade e eventuais ganhos num momento serão causa de grandes prejuízos como já nos mostram os eventos climáticos extremos que começamos a enfrentar.

Que os estudos sobre os limites da natureza seja mais que um alerta, que eles funcionem como um guia para as futuras ações da humanidade a favor de nossos netos e descendentes.

 

 

sexta-feira, 28 de março de 2025

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CIENCIA E TECNOLOGIA. Selvino Antonio Malfatti

 






Centro Europeu de Pesquisas Nucleares - Cern

A ciência é ético-moralmente neutra. Seu mau uso, voluntário ou não, pode casar consequências más. Exemplos históricos que comprovam a má aplicação científica e causou resultados maléficos para a humanidade.

 

1.   Bomba Atômica (1945) – A descoberta da energia nuclear foi um marco científico. A aplicação para fins bélicos causou a matança de milhares de pessoas, sem mencionar os malefícios indiretos e diretos ao ambiente para humanos, animais e vegetais.

2.   Experimentos médicos nazistas (1933-1945) – Médicos fizeram experimentos humanos provocando sofrimentos indescritíveis aos pacientes.

3.   Projeto MKUltra (1950-1970s) experimentos com drogas causaram danos psicológicos irreversíveis e a Guerra Química e biológica causaram destruição em massa. 

4.   Eugenia e esterilização forçada – No início do século XX. Muitos países, Estados Unidos e Alemanha realizaram experimentos utilizando conhecimentos científicos com o fim de obter a eugenia da raça. A consequência foram os efeitos indesejados violando os direitos humanos.

A denominada evolução ou progresso da humanidade só existe como abstração. A Humanidade não avança uniformemente, mas retrocede ou avança não como um todo, mas por etapas e em partes. E mesmo dentro de uma época ou espaço há disparidades entre grupos. E no interior do grupo os indivíduos diferenciam-se uns dos outros. De modo que se quisermos chegar a uniformidades do progresso e etapas de uma sociedade devemos esperar que todos cheguem ao estágio convencionado para só depois avançar para a etapa seguinte. O mais prático e natural que cada comunidade siga seu próprio destino no tempo e lugar que estiver.

Esperaremos os nômades do deserto, os silvícolas da Amazônia, os habitantes das montanhas chegarem ao domínio da inteligência artificial para depois avançarmos? Mesmo neste período próximo temos desvios  terríveis: a chacina da praça Tahir, os tumultos do Capitólio,  e ainda o que está por vir ou acontecendo.

Convenciona-se de quem está atualmente no topo do desenvolvimento científico é quem possui o domínio da IA. E quem está no estágio da IA? Podemos dizer que a maior parte da Humanidade, devido à globalização que disseminou a IA alcançou este estágio. Se aceita-se também que há líderes científicos de ponta em toda parte . Com centros de pesquisas e tecnologia que alavancam o desenvolvimento entre os quais despontam Estados Unidos, China, Reino Unido e União Europeia. De um modo geral a Europa e Estados Unidos estão na ponta pelo ocidente e China pelo oriente

O progresso moral acompanhou a evolução científica e tecnológica. Os gregos dividiram os homens em gregos e bárbaros. Os romanos em cidadãos romanos e outros. A igreja medieval em cidade de Deus e dos homens. Na modernidade a mais elaborada teoria de Augusto Compte: teológico, metafísico e científico. Saímos da penumbra da modernidade ufanos com a descoberta da lei moral de Kant e logo em seguida em nome da própria norma Adolf Eichmann condena à morte seis milhões der pessoas.

De um modo geral o critério do progresso foi o domínio científico e tecnológico. Pena que nem sempre foi precedido pelo progresso ético-moral. Isto faz sentido, pois na Idade Moderna um pequeno país, insignificante no tamanho, Portugal, estava na ponta da civilização. Dominava por excelência todas as áreas do saber: astronomia, matemática, astrologia, navegação, artes, arquitetura, filosofia, teologia e outras mais. Seu saber e tecnologia dominou o mundo.  Atualmente foi superado e não é expoente de IA e por isso não mais desponta como líder de desenvolvimento científico e tecnológico.

No entanto, a chegada da IA trará problemas para a sociedade. Dentre os muitos que advirão será o desemprego. A IA vai substituir muita mão de obra atual por outra. O problema esta na mão de obra que se preparou ou está exercendo a qual a IA preencherá. Alguém que se preparou para determinados serviços no futuro não existirão mais as vagas. Poderíamos elencar dezenas e dezenas dessas profissões atuais não que serão extintas, mas exercidas por não humanos. A regra geral de seu alvo são as atividades repetitivas e com regras. Um professor ou um psicólogo dificilmente serão totalmente substituídos. Um conferidor de dados quase cem por cento será substituídos. A própria IA aponta para as profissões alvo de substituições.[i]



[i]

“1. Atendimento ao Cliente e Suporte Técnico

Chatbots e assistentes virtuais já estão substituindo atendentes humanos em diversas empresas.

2. Caixa de Supermercado e Bancário

Com autoatendimento e pagamentos digitais, a necessidade de caixas humanos está diminuindo.

3. Telemarketing

Bots de voz e IA conversacional tornam as chamadas automatizadas mais eficazes.

4. Digitadores e Operadores de Entrada de Dados

Softwares de OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) e automação de processos eliminam a necessidade desse trabalho manual.

5. Revisores de Texto e Tradutores

Ferramentas como DeepL e Google Translate estão melhorando e reduzindo a demanda por profissionais humanos.

6. Analistas de Crédito e Corretoras de Seguros

Algoritmos de IA já avaliam crédito e sugerem seguros com base em grandes volumes de dados.

7. Motoristas de Táxi e Caminhoneiros.Carros autônomos ameaçam essas profissões no futuro.

8. Trabalhadores de Fábrica e Operadores de Máquinas

A automação industrial e robôs já estão substituindo operários em fábricas.

9. Repórteres de Notícias Simples

A IA generativa pode criar artigos básicos sem intervenção humana.

10. Analistas de Dados e Contadores Tradicionais

Algoritmos são capazes de processar grandes volumes de informações e gerar relatórios financeiros automaticamente.

Profissões Menos Ameaçadas

As carreiras mais seguras envolvem criatividade, empatia e resolução de problemas complexos, como médicos, psicólogos, professores e engenheiros especializados. “(IA - ChatGPT Plus)


“1. Atendimento ao Cliente e Suporte Técnico

Chatbots e assistentes virtuais já estão substituindo atendentes humanos em diversas empresas.

2. Caixa de Supermercado e Bancário

Com autoatendimento e pagamentos digitais, a necessidade de caixas humanos está diminuindo.

3. Telemarketing

Bots de voz e IA conversacional tornam as chamadas automatizadas mais eficazes.

4. Digitadores e Operadores de Entrada de Dados

Softwares de OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) e automação de processos eliminam a necessidade desse trabalho manual.

5. Revisores de Texto e Tradutores

Ferramentas como DeepL e Google Translate estão melhorando e reduzindo a demanda por profissionais humanos.

6. Analistas de Crédito e Corretoras de Seguros

Algoritmos de IA já avaliam crédito e sugerem seguros com base em grandes volumes de dados.

7. Motoristas de Táxi e Caminhoneiros

Carros autônomos ameaçam essas profissões no futuro.

8. Trabalhadores de Fábrica e Operadores de Máquinas

A automação industrial e robôs já estão substituindo operários em fábricas.

9. Repórteres de Notícias Simples

A IA generativa pode criar artigos básicos sem intervenção humana.

10. Analistas de Dados e Contadores Tradicionais

Algoritmos são capazes de processar grandes volumes de informações e gerar relatórios financeiros automaticamentes.

Profissões Menos Ameaçadas

As carreiras mais seguras envolvem criatividade, empatia e resolução de problemas complexos, como médicos, psicólogos, professores e engenheiros especializados. “(IA - ChatGPT Plus)

 


 

sexta-feira, 21 de março de 2025

Refletindo sobre a pós-modernidade. José Mauricio de Carvalho

 



Co-autor de Estado de Crise, livro que escreveu com Zygmunt Bauman, o jornalista e sociólogo Carlo Bordoni destacou, de modo diverso dele as mudanças em curso. Ele viu um rompimento com a modernidade, destacou a mudança dos compromissos que o Estado fez com o cidadão (id., p. 71): “de salvaguardar sua saúde, seu direito ao trabalho, serviços essenciais, segurança social, aposentadoria e vida na velhice.” Isso entre outras tantas coisas que se procurava assegurar. Tudo isso foi desmontado: a segurança no trabalho, sistemas públicos de educação e saúde pública de qualidade, a aposentadoria sofreu mudanças, vieram as críticas ao subsídio no desemprego, etc. As expectativas de segurança social foram deixadas de lado. E assim, nesses novos dias cada qual fica cada vez mais responsável por si, por sua saúde, provento, educação, segurança, etc. É claro que a redução do Estado social e de seus compromissos com a população deixa em pior estado aqueles que são socialmente mais frágeis. E conclui assim (id., p. 75): “a crise não está atingindo somente a Europa e não é somente econômica. Trata-se de uma crise profunda de transformação social e econômica, que tem raízes no passado.” Até aqui não se distanciou da análise de Bauman, mas na sequência sim.

As leituras dos dois autores são completares. Enquanto Bordoni diz que temos um tempo que rompeu com a modernidade e avança noutra direção, Bauman avaliou as mudanças mais no sentido consagrado pelo filósofo francês Lipovetsky de compreender a atualidade como hipermodernidade, não propriamente como um deixar para traz tudo quanto foi moderno, mas como uma exacerbação da modernidade. Fica evidente nessa interpretação a proximidade com as teses do francês autor de “Os tempos hipermodernos”, livro feito em co-autoria com Sébastien Charles.

Quanto a Bordoni, ele considerou a pós-modernidade um período de transição para um novo tempo, seria o início de algo novo, mas que já se concluiu. O que ele denominou propriamente com esse conceito foram os acontecimentos dos últimos trinta anos do século passado. Nele viveu-se (id., p. 95): “entusiasmos e ilusões, que se impôs no campo da arte, orientou a filosofia, revelou a fragilidade das ideologias e pôs o indivíduo a nu.” Sendo momento de passagem deixou um vazio de valores à espera da construção de um novo modelo ético. Nesse período ocorre uma mudança no estilo arquitetônico, onde se busca recuperar elementos e ornamentos sofisticados, mas não é só uma mudança na arquitetura, ela afetou desde as práticas econômicas a outros aspectos da cultura. O conceito foi (id., p. 97): “adotado em outros campos e usado (às vezes de forma imprópria) para classificar uma mudança nos costumes ou nas práticas quotidianas.” No entanto, tanto a modernidade como o tempo pós-moderno ficaram para trás nos últimos anos. Não se trata de um detalhe semântico, mas da presença de características novas. Assim o que se chamou pós-moderno é a porta de entrada de um novo tempo que ainda não temos uma palavra exata para descrever. Esses dias mostram a mudança para uma sociedade que regressou (id., p. 101): “à situação da lei da sobrevivência do mais apto, do mais esperto, na qual vence o mais ávido; perde-se nela a certeza dos direitos (...) nela prevalece o consumismo cego, sem levar em consideração os recursos do planeta.” Temos uma avidez pelo consumo que deve ser obtido de qualquer forma e gozado sofregamente. 

A leitura de Bordoni considerou o processo de transição e sofrimento causado pelos ajustes atuais como próprios da transição. Para explicitar esse fato comparou o que se passa hoje aos incômodos de nossa atual sociedade com o das gerações que viveram a revolução industrial. Ao chegar para o trabalho na indústria antigos artesãos e camponeses (id., p. 86): “foram submetidos a assédio, controles, punições econômicas e culturais, tratados como escravos, sem nenhuma maneira de escapar do sistema do qual se encontram presos por necessidade ou ignorância.” Assim ocorre mesmo nas grandes transformações da história que, quando consolidadas, significam um tempo novo de progresso e desenvolvimento, mas que durante a transição é sofrido. O incômodo atual é como o das gerações que fizeram a Revolução Industrial e tiveram o sonho de melhorar de vida. Esses sonhos se consolidaram na sociedade democrática e ela hoje está em dificuldades. E isso decorreu da globalização e o afastamento entre a política e o poder, pois o interesse das empresas multinacionais já não se fecha dentro dos limites de um Estado nação. Nesse sentido, ele considera que esse é um momento de sofrimento e passagem, mas que não é necessariamente para uma realidade desastrada. Nessa leitura o que se vive é mais crise ética, da recusa de assumir um novo modo de vida (id., p. 91): “a pós-modernidade, antes de ser uma evolução da própria modernidade, se presta a ser considerada o sinal de uma profunda crise ética, bem como a tentativa da modernidade de superá-la sem grande esforço.” Em outras palavras, o mundo moderno não quer passar pelas mudanças necessárias para um novo tempo que virá por conta das mudanças culturais.

 


sexta-feira, 14 de março de 2025

SECULARISMO, CULTURA E RELIGIÃO. Selvino Antonio Malfatti

 




 

A questão do secularismo ganhou proporções notáveis hoje em dia. Por qualquer coisa, inclusive as axiológicas, torna-se motivo para gritaria em nome da liberdade secular. Alguns clamam ao judiciário. Até mesmo, em alguns lugares, tornou-se motivo para fanatismo e atentados. E o tolerado tornou-se intolerante lançando mão da violência em nome da religião.  Vejamos alguns fatos.

Por causa de uma charge o cartunista Charlie Hebdo e jornalistas foram assassinados na França. O motivo? Uma caricatura de Maomé. A justificativa? Em nome do secularismo da parte do cartunista e a ofensa ao maometismo por parte dos assassinos. Não foi um caso isolado de fanatismo religioso. Samuel Paty, professor de história e Dominique Bernard, professor de francês foram assassinados futilmente, um por desenho e outro por um texto. A justificativa: o secularismo!

No Brasil algo próximo aconteceu com a polêmica do crucifixo em Sala de Justiça e de “intervalos bíblicos” em Pernambuco bem como outros incidentes confessio-seculares. Na questão do crucifixo invocou-se o secularismo para defender a retirada, o mesmo incidente nos “intervalos  bíblicos”.

Na França a questão vem de longe. Começou em 1989 com a questão do véu islâmico nas escolas. O ingresso de um aluno muçulmano numa sala de aula argumentou-se de que não se podia constranger o novo aluno e por isso se devia retirar o crucifixo da sala de aula por que o Estado era secular. O direito de tolerância avançou até o ponto de agredir o que antes era tolerante. Progrediu tanto que atualmente qualquer crítica tornou-se uma infração crime contra a liberdade de expressão. No caso o próprio estado francês criou a gaiola para se encerrar.

Foi pura imprudência e populismo o líder da esquerda Jean-Luc Mélenchon assumir a bandeira do secularismo para atrair jovens e muçulmanos denunciando “islamofobia”. Sem se aperceber caiu na armadilha do islamofilia renunciando os valores universais sempre defendidos pela França desde a Revolução Francesa.  Poderia se pensar que foi em vão que Carlos Martel lutou e derrotou os muçulmanos na Batalha de Poitiers livrando a Europa do domínio islâmico? E o que dizer do título que ostenta de “Filha Predileta da Igreja”? Atualmente é só filha.

Pensamos que três ingredientes deverão ser levados em conta e serem distinguidos um do outro: instituições públicas, religião e cultura. O conjunto de instituições políticas é o estado, religião é uma crença no sobrenatural e cultura uma sedimentação social de valores sociais. Como destaca o sociólogo Max Weber as crenças religiosas tendem a se tornarem laicas, constituindo-se a cultura uma esfera autônoma em relação à religião de origem. Alguns símbolos deixam de serem religiosos para constituírem uma cultura específica. O crucifixo representa a cultura cristã e além da religião. Este símbolo em sala de aula é a representação da cultura cristã, assim como a estrela de Davi da cultura hebraica e o minarete a cultura islâmica. A Basílica de Notre Dame atualmente é um símbolo da França antes que um templo católico. Por isso, alguns símbolos podem ser culturais e não religiosos. Diante disso, crucifixos, intervalos bíblicos, bíblias, catedrais são apenas símbolos culturais e não religiões e, portanto, nada a ver com o secularismo.

Não podemos esquecer que o secularismo simplesmente quer separar a religião das instituições públicas para que estas tenham uma atuação neutra em relação à religião. Não prega a eliminação da religião e muito menos dá prioridade a uma religião. Simplesmente dar liberdade de exercício a ambas.

O secularismo pretende garantir a liberdade religiosa e de crença. Com isso, quando algo for espontaneamente praticado e aceito não justifica medidas contrárias. Não é porque um imigrante chega  com outras práticas que se deve mudar o que até então é praticado. A moral é algo que a sociedade pela prática aprova como boa. Pois, nem todo substrato cultural ou moral social pode ser considerado alvo de secularismo. A moral social não é religião, como a cultura cristã não se identifica com o catolicismo. 

Qualquer dúvida consulte na Constituição1

.


sexta-feira, 7 de março de 2025

Estado de Crise. José Mauricio de Carvalho

 


As questões apresentadas no livro Babel foram expandidas em Estado de crise (2016 b) por Bauman e Bordoni. Nesse outro livro, o que chama atenção é a ideia de que a crise cultural e econômica atuais não são rápidas ou passageiras como outras, pois elas revelam uma mudança extensa e profunda que envolve todo o sistema. Bardoni entrou no assunto vinculando as dificuldades atuais com as experimentadas na modernidade, enquanto Bauman mostrou essas dificuldades e ofereceu pistas para superá-la.

Um aspecto importante dessa análise é a avaliação de que a crise, sendo fruto de intensas mudanças, representa dificuldades, mas também oportunidades. Dizem (BAUMAN e BORDONI, 2016 b, p. 11): “a crise é fator que predispõe à mudança, que prepara para futuros ajustes sobre novas bases.”  No entanto, a descrição do atual estado de coisas, indica mais dificuldades que oportunidades.

O aspecto central da crise atual é sua dimensão global, devido a interligação dos interesses econômicos de modo que (id., p. 12): “uma queda da bolsa de Tóquio tem repercussões imediatas em Londres ou Milão.” Embora as questões sejam globais, nações e cidades é que enfrentam suas consequências, quase sempre com pouca chance de sucesso. Dito assim (id., p. 34): “cada unidade territorial formalmente soberana pode hoje servir como depósito de lixo para problemas originados muito além do alcance de seus instrumentos de controle político.”

As dificuldades atuais, experimentadas num outro contexto, mostraram que as soluções adotadas na crise de 1929 não podem ser repetidas e a razão mais forte é a fragilidade do Estado decorrente de problemas de caixa por conta da desterritorialização das corporações financeiras, o interesse global delas. Isso produz uma separação entre poder econômico e político. Esclarece o sociólogo (id., p. 22): “a separação entre poder e política é uma das razões decisivas para a incapacidade do Estado de fazer as escolhas apropriadas para enfrentar as dificuldades.”

Olhado desde dentro a crise econômica consome crescentemente recursos com bens básicos para aqueles que têm emprego, estimula a parte menos afetada da população a aumentar os gastos com o consumo de bens e serviços para aproveitar o momento, reduzindo sua capacidade de investimento e de atuar na produção. Na outra ponta, a queda no consumo produz a elevação dos preços para assegurar a lucratividade e isso também piora o quadro geral. Entra-se na estagnação e na carestia.

O resultado de momentos assim é o aumento da inflação, sendo ela (id., p. 14): “a pior consequência de qualquer crise econômica porque engole as economias de toda a vida e reduz as pessoas à fome num período curto, o dinheiro já não pode comprar nada e instala-se o desespero.” Daí resultam dificuldades crescentes e o desencanto com os políticos, a desilusão dos eleitores, favorecendo a expansão das propostas da extrema direita.

A compreensão da evolução histórica de outras crises, principalmente a de 1929, ajuda a entender o que se passou recentemente, depois do desenvolvimento inicial, sucesso do Estado Social e sua desidratação nos anos 70. No início os (id., p. 19): “gloriosos anos trinta e os opulentos 30 foram resultado da evolução do Estado de bem-estar social e de uma confiança limitada na sua capacidade de assegurar bem estar e segurança para todos os lados.” O Estado Social, depois de enorme êxito no final da guerra, começou a perder fôlego, quer pelo aumento das demandas sociais, quer pela perda de arrecadação resultante de processos como a desindustrialização, quer pelo distanciamento das grandes corporações dos interesses locais, quer pela perda da capacidade das pessoas de poupar para o futuro.

Da fragilidade do Estado vieram a propaganda da privatização, da terceirização, etc. e a confiança absoluta no poder do mercado de promover os ajustes necessários. Governos fizeram a redução da presença do Estado na vida social, deixando o cidadão na obrigação de resolver suas dificuldades por conta própria. Daí resumindo o que se passa, a crise atual difere das outras na (id., p. 21/2): “medida que é vivida numa situação de divórcio entre o poder e a política. Esse divórcio resulta na ausência de agências capazes de fazer o que toda crise por definição exige: escolher de que modo proceder e aplicar a terapia reclamada por essa escolha.”

Em meios a essas dificuldades o caminho possível para as sociedades é a construção de sólidas democracias onde o povo discute os problemas e suas soluções.

sábado, 1 de março de 2025

TRUMP E O EXPANSIONISMO. Selvino Antonio Malfatti

 

 



Na posse, Donald Trump edita os principais pontos de seu programa de governo[i]. Todas as medidas afetam mais aos estrangeiros que seu próprio país. Quer não só a América para os americanos, mas o mundo para os americanos ou domínio do mundo.

De imediato ergue um “muro” que se estende do Golfo do México (da América conforme Trump) ao oceano pacífico como fronteira da América. A justificativa é proteger seu país de “traficantes de drogas e criminosos e estupradores” que corrompem a pureza do sangue de seu país. Abole as antigas alianças abrindo caminho para o expansionismo, tal como o Canal do Panamá, cedido por Jimmy Carter o qual acreditava na equidade nas relações entre as nações. Como Príncipe, Trump crê apenas no vantajoso e quando uma aliança deixa de ter as razões de quando foi criada pode ser rompida. Quão longe estamos da Aliança para o Progresso!

O apetite de Trump pela expansão do domínio exterior é ilimitado e insaciável. Até mesmo em assuntos estranhos. É o caso do questionamento da soberania no canal do Panamá. Em que pese a promessa de acabar com as guerras nada justifica sua ingerência em estados autônomos como a Groenlândia dinamarquesa que, qual o Panamá, reivindica interesse estratégico. Às vezes assume um ar profético como um Moisés apontando para a Terra Prometida. Para tanto conclama os cristãos, mormente os evangélicos, para que votem nele e tudo está resolvido.[ii] Outra bravata é querer solucionar a questão de Gaza expulsando os palestinos e criando um resort.

A aproximação de Trump com os bilionários como ele e não com políticos de seu país antevê a inauguração de uma república oligarca econômico-científico-tecnológico. A presença de Elon Musk lhe garante este objetivo. É mais tranquilo aliar-se a donos das redes sociais X e Space X que nada objetam em questões de transgênero que enfrentar os debates na câmara e no Senado. O expansionismo obedece a uma lógica maquiavélica com a ausência de regras ou abolição das existentes abre o caminho para o dono da lei e das regras. Oxalá as demais nações democráticas não sigam seu exemplo. Estra a aproximação com Putin em vez da União Europeia. Ficou evidente o móvel de sua política externa: "Não seremos conquistados, não seremos intimidados". Pelo visto nada detém sua tirania do Príncipe. Para chegar a seus objetivos vale tudo: armas, taxas, deportações, protecionismo.



[i]   Emergência nos limites entre Usa e México, deportação em massa e imediata de imigrantes ilegais, fica abolido o “ius soli” da  cidadania americana, o golfo do México passa a denominar-se Golfo da América, saída do acordo do clima de Paris, saída da Organização Mundial da Saúde, fim do incentivo para automóveis elétricos, fim da proibição de perfuração no Alasca, fim dos limites de concessões de licenças para o petróleo e atividade mineral, fim dos investimentos na energia renovável, a administração federal reconhece só dois sexos: masculino e feminino, os cartéis de drogas passam para a categoria do “organizações terroristas estrangeiras”

[ii] E mais uma vez, queridos cristãos, saiam de suas casas e vão votar; só desta vez; você não precisará mais fazer isso. Vocês não precisarão votar novamente no futuro, meus lindos amigos cristãos. Eu te amo, eu sou um cristão, eu te amo; Saia de sua casa e vote. Em quatro anos, você não terá que votar novamente. Teremos organizado tudo, para que você não precise mais votar.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Quem a extrema direita representa . José Mauricio de Carvalho

 



Á perda de referências culturais e valores que eram caros até poucas décadas, a ausência de confiança no bem, as brutais mudanças no mundo do trabalho, os conflitos regionais, a emergência climática são desafios atuais abordados por vários estudiosos. De algum modo eles encontram no novo nacionalismo de inspiração nazifascista uma proposta para enfrentá-los. De modo diverso do antigo nazifascismo esse novo modelo político-econômico rearranjou a combinação liberdade econômica e autoritarismo político. Nesse caso, não há propriamente um casamento do Estado com o empresariado nacional como no século passado, mas a aproximação dos dirigentes do Estado com as grandes corporações multinacionais e com o capitalismo financeiro.

Esse fenômeno foi examinado e descrito por Bauman e Mauro no livro Babel. Nesse modelo político-econômico, que é uma nova forma de nazifascismo, seus representantes apostaram na fragilização do discurso político e dos partidos, o que ficou facilitado pela incapacidade de reação de liberais históricos, principalmente os moderados e da falta de compreensão dos fatos pela social democracia. Vamos considerar que radicais de esquerda ou de direita, não possuem as melhores respostas para a grande maioria da população. Radicais viram as costas para a lei, para a democracia, para o estado eficiente e a moralidade. Liberais consequentes e respeitosos do estado de direito, sejam eles mais ou menos conservadores, emudeceram e deixaram o combate da extrema direita para a social-democracia. Essa realidade criou um ambiente propício à emergência de uma nova extrema-direita, com líderes populistas e uma pauta moral conservadora. Em resumo, o centro democrático encontra-se fragilizado. Esse contexto entregou aos partidos mais à esquerda a tarefa de preservar o estado de direito, as políticas sociais e a democracia. Apesar da fragilidade desses partidos são eles que procuram preservar a democracia e as políticas sociais, valorizar a ciência, proteger o trabalhador e assumir a responsabilidade pela pauta ambiental.

Enfim, não temos mais um estado social como no século passado, o mundo do trabalho ficou precarizado, mas apesar disso, seu projeto político é dessemelhante das posições assumidas pela extrema-direita. O estado do bem-estar social encontra-se em grande dificuldade, bem como o próprio funcionamento do Estado-nação em função da desterritorialização do capital. Assim, com o motor da economia nas mãos das grandes corporações, inclusive de narrativas criadas nas redes sociais recheadas de fakes, trabalhadores, profissionais liberais e mesmo o capital que tem interesses localmente situados encontram-se fora do protagonismo econômico. À parte de que radicais de qualquer orientação não ajudam o jogo político, o fenômeno mais curioso é a desorientação dos liberais históricos, eles deixaram de ocupar o campo político. Eles não se sentem representados pelos sociais democratas, acabam se aproximando da extrema direita, mas ela não está alinhada com seus interesses.

Os autores de Babel que estudaram esse fenômeno, entenderam que a fragilização do estado do bem-estar social, que notamos hoje em dia, teve origem na mudança do capitalismo industrial para o financeiro. Na nova realidade, o capital já não necessitava conviver com o trabalho num certo local, o que é uma boa explicação para a destruição das políticas sociais e de investimento dos Estados nacionais. Assim, como não lhe é imprescindível a democracia política para negociar interesses contraditórios de uma sociedade, pois o importante é que o Estado passe a funcionar como uma delegacia de polícia para conter consumidores falhos, expulsar estrangeiros indesejáveis, perseguir minorias e quaisquer contestadores da nova ordem. E muitos empregados, boa parte da classe média, o empresariado local passou a apoiar políticos de extrema direita porque temem se tornarem eles próprios consumidores falhos. Ao fazer isso passam a defender um projeto político que, em suas grandes linhas, não lhes favorece e que foi resumido no conceito de pobres de direita.

Assim, embora não seja possível prever o sucesso da solidariedade social nas democracias sobreviventes, essa forma de governo parece ser a que melhor atende os interesses da cidadania, do cidadão comum, incluído o empresário localmente instalado. Não se pode reunir, pelo menos atualmente, a esquerda e a direita na tendência antidemocrática e não é à toa que a ultradireita emergente retomou, como no século passado, um viés nitidamente antidemocrático. Essa ultradireita defende a liberdade, mas o conceito apenas traduza a possibilidade de o capital ir e vir sem dificuldades, desregulamentando o mundo do trabalho, deixando de considerar os interesses locais, mesmo os dos empresários localmente situados. Assim, esse novo mundo favorece o enriquecimento dos super ricos, promovendo uma concentração de riqueza sem precedentes na história humana. Assim, os dois autores nos oferecem uma síntese da face política e econômica da atual crise de cultura.

 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

GUERRA EUROPA X ESTADOS UNIDOS - IA. SELVINO ANTONIO MALFATTI

 





Depois do anúncio de Donald Trump que investir no Stargate 500 milhões de dólares (quase 3 trilhões de reais) e o presidente francês prometer investir 109 bilhões de euros (650 bilhões de reais) em pesquisas sobre Inteligência Artificial estava declarada a guerra entre Europa e Estados Unidos.

Para tanto convoca uma cúpula patrocinada pela França e Índia em Paris nos dias 10 e 11 para discutir a IA na Europa, mas que outros países aderiram como o vice-presidente dos Estados Unidos e o primeiro ministro da China, além dos 1500 convidados do mundo tecnológico como CEO da OpenAI, Sam Altman, criador do revolucionário ChatGPT e o CEO do Google, Sundar Pichai.

O resultado e as conclusões da cúpula que reuniu 61 países e assinaram  um compromisso de uma IA "aberta", "inclusiva" e "ética. O próprio Vaticano compareceu na cúpula e leu um documento pedindo uma IA humanizada. Conforme o Papa que se inspire mais no coração que na razão.  

Como sempre Estados Unidos e Reino Unido não aderiram. Parece que estes dois países, mormente a Inglaterra, é “diferente”. Não adota o sistema métrico, temperaturas, volumes, unidades de área, unidades, volantes e até mesmo sede religiosa. A Inglaterra primeiro entra na União Europeia e depois sai.

A Europa chega tarde nos investimentos para IA, inclusive os109 bilhões de euros destinados por Macron, na verdade não são próprios, mas de Emirados Árabes, americanos e canadenses. Nos Estados unidos só uma empresa, a Amazon, destinou 100 bilhões de dólares.


O desenvolvimento da IA é crucial para a economia mundial. O que no passado se media por armamentos, atualmente se compara pelo avanço na IA. A modelo chinesa, DeepSeek, sozinha investiu 5 milhões de dólares gastando muito menos energia que seus concorrentes. A estratégia dos governos e empresas atuais procura manter sob seu controle os centros de processamento de dados para estar na ponta dos melhores modelos de IA.

“A Europa está atrasada e precisa ter iniciativas, para retomar o controle, afirma Sylvain Duranton, do Boston Consulting Group”.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou 10 supercomputadores públicos à disposição de pesquisadores de IA.

Em resumo a cúpula chegou aos principais resultados:

> Ficou clara a divisão entre Europa (França, Alemanha, Espanha, Canadá e Japão) de um lado e Estados Unidos e Inglaterra de outro. Inclusive os dois últimos não quiseram assinar a Declaração final argumentando que feriam seus interesses.

> O presidente francês, Emmanuel Macron anunciou m investimento de 109 bilhões de euros em IA justificando que a Europa não poderia ficar atrás dos Estados Unidos.

> O ministro das relações exteriores do Brasil, Mauro Vieira, alertou para o peróodo para as democracias ao se deixar o desenvolvimento da IA nas mãos de poucos atores como está acontecendo com Europa e Estados Unidos. 

> As maiores divergências incidiram sobre a governança da IA, no que se refere a segurança, ética e inovação.

A cúpula evidenciou a falta de consenso global sobre a governança da inteligência artificial, com debates contínuos entre segurança, ética e inovação.

Como se vê está aberta a guerra da IA, tendo inicialmente dois lados aos quais se alinharão outros.

N. DO AUTOR: Gostaríamos de apresentar o original do texto original da Declaração, mas até o momento não foi disponibilizado publicamente.

 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Medos de nossos dias. José Mauricio de Carvalho

 



 

A consciência da finitude tornou-se tema privilegiado da filosofia existencialista. Essa passou a retratar a alma contemporânea. Nela a morte se tornou representativa das limitações humanas, exemplo do que é a vida. Filósofos como Karl Jaspers deram destaque a ela como representação de outras limitações da existência, base de nosso pensar sobre a existência.

O mundo moderno foi terra de estabilidade, nele o que tinha força era a participação pessoal nas instituições e se requeria uma personalidade estável e a participação em instituições igualmente seguras. Bauman entrou nessa discussão lembrando em Vida em fragmentos que (BAUMAN, 2011, p. 151): “nem o trabalho, nem o serviço militar são hoje muito demandados.” Isso porque o emprego industrial perdeu relevância e passou a ter um peso menor nas economias nacionais e as guerras tecnológicas não demandam numerosos combatentes nem um vasto número de reservistas. Por outro lado, a redução do peso do trabalho industrial e da vida militar retirou de governos e sociedade a responsabilidade maior com o cuidado com a saúde.

Com a transformação do cuidado com o corpo, o homem de hoje perdeu o controle rígido sobre as porções alimentares da modernidade quando (id., 157): “o alimento precisava ser ingerido nas quantidades medidas para manter o fornecimento de energia muscular nos padrões exigidos pelo trabalho civil e serviço militar.” Essa despreocupação com o planejamento alimentar levou ao sobrepeso e à doenças associadas ao consumo de alimentos calóricos. Manter o corpo em forma, atualmente, significa colocá-lo em condições de obter máxima estimulação.

A transformação no objetivo do cuidado corporal provocou outra alteração na vida social. Se já não são mais os médicos ou a exigência de saúde que controlam o que a pessoa deve ou não fazer e comer para ter boa saúde, o critério tornou-se obter prazer. O indivíduo é responsável pelas escolhas que faz (id., p. 160): “o corpo coletor de sensações é uma criação do tipo faça você mesmo, e seus defeitos são percalços auto infligidos.” Isso significa que eventuais falhas nesse processo estão na conta exclusiva do indivíduo. Os objetivos são o prazer alimentar, mas é preciso atenção com a estética corporal.

O homem de hoje ansioso por prazer não olha o outro com responsabilidade. Ele não tem nada a ganhar (id., p. 168/9): “com o ser-para o outro.” No caso do coletor de sensações em especial, manter a responsabilidade e independência do outro é estratégico. É necessário que o outro seja visto assim e essa alteridade dá a cada um a responsabilidade de sua vida, de modo que cada um cuide de obter o maior prazer, o outro que se lasque.

O medo da finitude, núcleo da filosofia da existência, foi correlacionado a outros receios hodiernos por Zygmunt Bauman no livro Vida Líquida. O primeiro medo examinado pelo sociólogo é o de tornar-se consumidor falho, medo de perder a atual condição de consumidor. Isso pode ser resumido assim (BAUMAN, 2009, p. 90): “em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o progresso evoca uma insônia repleta de pesadelos de ser deixado para trás, perder o trem ou cair da janela do veículo em rápida aceleração.” Esse é o tormento da classe média que acha que apoiar a extrema direita o livrará dos riscos representados pelos consumidores falhos, embora os riscos que o ameaçam tenham outra origem, que eles desconhecem.

Um segundo receio de nossos dias que foi mencionado por Bauman foi tratado em Estranhos à nossa porta (2017). Ele representa a indisposição com o estrangeiro, o diferente, o pobre, enfim o marginal, as minorias, o consumidor falho. Para o cidadão de classe média (id., p. 92): “a segurança pessoal tornou-se um dos principais pontos de venda, talvez o principal, em toda espécie de estratégias de marketing.” O diferente é apresentado como criminoso, mesmo que de fato não o seja. O propósito desse cidadão é cercar o próprio espaço de modo a se sentir seguro, pois a globalização exige cada vez menos mão de obra para os trabalhos e há cada vez mais desocupados. Um bom exemplo é a produção agrícola, realizada com tecnologia crescente, produzindo grandes excedentes de mão de obra. O resultado é uma grande migração para as cidades, embora (id., p. 95): “o crescimento do capital em sua área urbana é muito pequeno para acomodá-los.”

Essa busca por segurança transformou casas em fortalezas, bem como bairros inteiros em ambientes fechados. E a classe média tenta se proteger do diferente. O medo também alcançou a construção do espaço público, cada vez menos valorizado e ocupado pelos consumidores. Assistimos uma transformação urbana (id., p. 99): “o espaço público foi a primeira baixa de uma cidade que está perdendo a árdua luta para deter ou pelo menos reduzir o avanço inexorável da força avassaladora da globalização.”

A deterioração do espaço público veio junto com o desprestígio da democracia e a emergência do neonazismo mundo afora, já que é em espaços públicos que a democracia se fortalece. Essa deterioração atinge principalmente aqueles espaços que pretendem superar as diferenças entre cidadãos. O desprestígio é parte da atual falta de compromisso com a democracia pelas grandes corporações e o capital financeiro e pelos medos que atingem a classe média.

 

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

O DEUS DE NOSSOS PAIS. Selvino Antonio Malfatti

 





Será que estamos diante de outro fenômeno literário como “O Nome da Rosa”? Trata-se do livro de Aldo Cazzullo que em 4 meses distribuiu 360 mil exemplares. O título do livro é "Il Dio Dei Nostri Padri" (O Deus de Nossos Pais). O que há de extraordinário no livro? Nada, o conteúdo é conhecido por todos e é o mais lido de todos os tempos. O espetacular está na forma como é apresentado. Num linguajar simples, familiar, quase coloquial, contado pelo autor faz da Bíblia uma romance da História do Homem com Deus. Cada palavra, cada frase parece que saiu de nossa boca. Todos sabem o seu final, mas o jeito de abordar cativa tanto que não se quer parar de ler. É um romance que se conhece o enredo e a última cena está em aberto, pois sugere que cada um escolherá.

A História é tão simples que segue a ordem cronológica bíblica, mas associando à atualidade à vida pessoal, a grandes acontecimentos da História, à obras de arte. Tudo isso como se estivesse acontecendo agora. Tudo num estilo simples, alegre, como se pode ver na citação no final do artigo[i] 

O livro O Deus de Nossos Pais de Cazzullo planta a cultura cristã como o elemento chave que conduz a história. O povo italiano principalmente fica de pano de fundo, como o povo hebreu, simbolicamente escolhido como povo de Deus pelo qual a mão de Deus guia a Humanidade. A escolha do italiano poderia ser o francês, alemão ou qualquer povo cristão. Destacamos alguns conteúdos presentes na narrativa do autor através de alusões como Dante, Shakespeare, Cervantes e muitos outros

Sem dúvida o alicerce da cultura cristã reside no período antigo envolvendo a base principal que é a herança hebraica, seguidos pela civilização greco-latina. Esta incorporou ao cristianismo sua filosofia, língua e arte.

Com o advento do cristianismo Roma passa o ocupar o centro do cristianismo devido as pregações e martírios de Pedro e Paulo. A partir do Imperador Constantino a Igreja Católica manteve Roma como capital.

O tronco romano do cristianismo lançou seus ramos pelo resto do mundo tornando-se protótipo da arte, arquitetura, catedrais ainda existentes. O cristianismo concebeu em si mesmo uma renovação dando origem ao Renascimento com sua escultura, literatura, músicas, bem retratadas pelo Gênio do Cristianismo de François-René de Chateaubriand.

O autor dá ênfase na espiritualidade nas obras de arte e literatura universais no período medieval ao mesmo tempo em que os monges salvaram obras importantes que teriam sido destruídas nas invasões europeias como o mosteiro de Monte Cassino na Itália. Isto salvou a continuidade da educação cristã para toda a Europa.

Outro detalhe importante foram os santos místicos como São Francisco de Assis e Santa Clara que garantiram os valores cristãos e a espiritualidade num período de grande decadência religiosa.

Por último a influencia do cristianismo que exerceu um papel moderador nas guerras entre si de príncipes europeus. Por isso o Deus de Nossos Pais é um romance que conhecemos, mas sempre gostamos de ouvir.


[i] I nostri padri erano convinti di vivere sotto l’occhio di Dio: la sua esistenza era certa come quella del sole che sorge e tramonta. Oggi abbiamo smesso di crederci, o anche solo di pensarci. E la Bibbia nessuno la legge più. Invece la Bibbia è un libro meraviglioso. Che si può leggere anche come un grande romanzo. L’autobiografia di Dio. (Os nossos pais estavam convencidos de que viviam sob o olhar de Deus: a sua existência era tão certa como a do sol nascente e poente. Hoje deixamos de acreditar, ou mesmo de pensar nisso. E ninguém mais lê a Bíblia. Em vez disso, a Bíblia é um livro maravilhoso. Que também pode ser lido como um grande romance. A autobiografia de Deus.)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Uma face da crise atual . José Mauricio de Carvalho

 



O sociólogo Zygmunt Bauman examinou esse assunto em A sociedade individualizada; vidas contadas e histórias vividas. No livro aprofundou temas tratados em outras obras aprofundando explicações e posicionamentos. Para o sociólogo, o que cada um considera como vida boa pode possuir variações, mas tem os contornos estabelecidos pela sociedade. Nela (BAUMAN, 2008, p. 8): “o veneno do absurdo é retirado, pelo costume, o hábito e a rotina, do ferrão da finalidade da vida.” É a sociedade que reconhece sentidos válidos e é ela que exclui aqueles indivíduos cujos significados não são adequadamente compartilhados. Por isso (ibidem): “todas as sociedades são fábricas de significado. Até mais do que isso: são sementeiras da vida com sentido.” O tema das buscas existenciais, fundamentais na filosofia e na psicologia fenomenológica ganham aqui um novo contorno, embora possamos considerá-lo responsabilidade individual, sem submetê-lo aos contornos sociais.

O sociólogo avaliou que o homem procura a transcendência, que o conceito representa o propósito da imortalidade, mas isso não lhe parece que se faça, pelo menos atualmente, pelo acolhimento de aspectos da natureza ou da cultura como em outros tempos. De todo modo, ele avalia, esse desejo humano alimenta a necessidade de realizar coisas que se estendam além da morte, como foi ao longo de muitos séculos. Um bom exemplo foram os faraós e imperadores que (id., p. 303): “ordenavam que seus restos mortais fossem colocados em pirâmides que resistiriam ao tempo e que ninguém poderia deixar de notar; as histórias de seus feitos deveriam ser gravadas em pedras indestrutíveis ou esculpidas em colunas e nos arcos.” Essas figuras notáveis tornaram-se personagens de livros de História ou de outras formas de registros. Uma outra forma de imortalidade é a família, cujo patrimônio genético se estende de geração em geração, dando continuidade à vida dos seus componentes. Comentou o sociólogo (id., p. 306): “de todas as entidades supra-individuais conhecidas pelos seres humanos por sua experiência diária, as nações e as famílias são as que chegam mais perto da ideia de eternidade”.

Um grande problema de nossos dias, provavelmente uma das fases mais duras de nossa crise de cultura, é que esse significado da imortalidade não mais se encontra no Estado e na família. O primeiro perdeu força devidos aos rumos do capitalismo financeiro e a segunda se diluiu em nossos dias devido a relações efêmeras de cada vez mais curta duração. Assim, as formas tradicionais de chegar próximo à imortalidade ou permanência se esfumaçaram. Era um caminho difícil e demandava esforço. Hoje há um número grande dos que querem alcançar a glória, mas não pelo esforço ou dedicação ao longo da vida. A imortalidade buscada por essa massa é pela notoriedade, passageira. Isso tem para o sociólogo relação direta com a forma atual do capitalismo (id., 308/9): “uma sociedade de consumidores sobressalentes e materiais descartáveis, na qual a arte de reparar e preservar é redundante e já foi esquecida. A notoriedade é descartável e instantânea, assim como a experiência da imortalidade.” Trata-se daquela máxima de que o importa são os quinze minutos de fama ou o máximo impacto antes do esquecimento imediato. Isso significa que a imortalidade agora se obtém pela fama instantânea e os benefícios. O que importa é a quantidade de prazer vivido e o lucro obtido.

Logo, como o que importa é tirar da vida o maior prazer enquanto se vive, o objetivo de viver é conseguir uma vida longa e prazerosa. A atenção está concentrada no que está acontecendo, deixando de lado o futuro, importa o happening. Para o sociólogo, a sociedade se beneficia de ambas as formas de como esse desejo de permanência se manifesta. No caso da busca atual, ela controla para que o significado da vida seja realizado dentro de (id., p. 9): “objetos verossímeis de satisfação, sedutores e dignos de confiança para instigar esforços que façam sentido e dêem sentido à vida.” Assim, a procura pelo prazer é estimulado se puder ser buscado pelos indivíduos dos diversos grupos, cada qual conforme suas possibilidades e interesses.

Esse olhar para a imortalidade sugere ao sociólogo que o propósito da atividade econômica, além de gerenciar a escassez de recursos, é evitar que as pessoas se coloquem diante da morte como algo real. Mesmo sem obter sucesso completo, a atividade econômica espera adiar, ao máximo, a preocupação dos cidadãos com a morte. Por outro lado, a economia oferece significados de vida como uma mercadoria valiosa para todos que queiram viver e não se ocupar tanto de nosso destino real. E tem um propósito adicional que é (id., p. 11): “acolher essa energia de transcendência que mantém a formidável atividade chamada ordem social em movimento; ela a torna necessária e possível.” Para Bauman, as culturas oferecem significados e manipulam o desejo de transcendência das pessoas, que beneficiam mais uns que outros. Quando um sentido já não é mais realizável por qualquer motivo, a sociedade dirige a atenção das pessoas noutra direção. Como a ânsia de transcendência é enorme, ela sempre precisa ser dirigida e acolhida socialmente.

Um aspecto destacado por Bauman é que as culturas reescrevem conteúdos e revisam fatos e que isso significa um necessário desvirtuamento da compreensão original do fato ou da explicação que tiveram. Isso foi apresentado com o conceito de articulação (id., p. 16): “a articulação é a construção de um conjunto de relações a partir de outro, e com frequência envolve desvincular ou desarticular conexões para vincular ou rearticular outras.” E como a História é recontada conforme as experiências das gerações ela vai sendo permanentemente desvirtuada. Isso se tornou um fato frequente, embora para o sociólogo (id., p. 18): “explicações alternativas foram buscadas, sendo encontradas em abundância na cultura de massa; com a mídia especializada em lavagem cerebral e em diversões baratas." Porém, pode não estar havendo propriamente um desvirtuamento, mas uma compreensão mais ampla ou elaborada dos acontecimentos. O desvirtuamento é uma possibilidade.

O problema nuclear do livro e, talvez de boa parte da obra de Bauman, seja entender porque a sociedade está se tornando um lugar de individualidades, onde o sentido da vida e outros significados ficam sob a responsabilidade, cada vez maior, dos indivíduos isolados. E estando sós isso é difícil de ter uma vida com sentido e adicionalmente todo o fracasso recai no próprio sujeito. Essa realidade também está invadindo os espaços públicos, que vêm se convertendo em lugar de interesses privados onde dificilmente se estabelecem laços sociais.

 

Postagens mais vistas