sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ética e relações humanas, lições de Bauman. José Mauricio de Carvalho

 




 

A descrição das relações sociais de nosso tempo feitas por Bauman nos levam para um espaço social em que o outro é pensado como objeto de prazer. Ele é o sujeito/objeto de boas relações, mas fluídas, superficiais e efêmeras. No capítulo terceiro de Amor Líquido, Bauman nos pede para pensar sobre essa realidade. Ele faz uma avaliação dessa realidade numa perspectiva moral, considerando o compromisso com o outro como um fator estruturante da vida civilizada. E o ponto de partida de sua reflexão é um diálogo com Sigmund Freud para quem (id., p. 97): “a invocação de amar o próximo como a si mesmo, dizia ele (em O mal-estar da civilização), é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada.” Assim, um olhar na perspectiva moral nos leva a um lugar diferente do que se encontra nos capítulos iniciais da obra. O ambiente social contemporâneo nos coloca em conflito com o mandamento do amor ao próximo, porque ele, aparentemente, contraria o que a psicanálise e a tradição ocidental, em geral, nos ensinaram a pensar. No entanto, por traz do aparente paradoxo há uma conciliação fundamental que pode ser formulada assim: para além do amor próprio o amor ao outro é decisivo para a sobrevivência da humanidade. Ele faz a vida do homem diferente da dos outros animais.

O amor-próprio nos vincula à vida, nos habilita a defendê-la e nos dá força para realizar a empresa. Bauman acreditou, como judeu fiel, que a vida vale a pena. Porém, ela pode, em algumas circunstâncias, seguir na direção oposta aos propósitos de sobrevivência e avaliar que algumas vidas nem sirvam para ser vividas. O fundamental é que o amor próprio é fruto das relações humanas, já que tem origem no amor do outro. Ele o explica (id., 100): “para termos amor próprio, precisamos ser amados. A recusa do amor – a negação do status de objeto digno de amor – alimenta a auto aversão. O amor-próprio é construído a partir do amor que nos é oferecido pelo outro.”

Uma tal condição torna preciosa a vida de todos os homens. Geralmente se mede o mal de uma ação pela quantidade de pessoas que alcança. Assim, grandes males nascem de um movimento que afeta muita gente, mas uma única pessoa atingida pode significar muito mal. Isso porque ela pode amar e ser decisiva na vida de muitos. Logo a questão não é de quantidade de pessoas atingidas, mas da extensão do mal perpetrado. Nesse assunto Bauman dialogou com outro filósofo judeu genial: Ludwig Wittgenstein. Ele reproduziu uma observação dele de que um ato é imoral não porque atinge muitos, mas porque toca profundamente um só homem (id., p. 102): “nenhum clamor de tormento pode ser maior que o clamor de um homem. Ou, mais uma vez, nenhum tormento pode ser maior do que aquilo que um único homem pode sofrer”. 

A modernidade abriu espaço para a brutalidade ser praticada sem culpa com a tese de algo razoável pode provocar um mal que não se deseja. Embora muitas vezes assim ocorra, a tese foi usada para justificar atos imensamente imorais como deixar crianças morrerem de fome num bloqueio comercial praticado numa guerra. Esta brutalidade, usada como justificação de muitas coisas, foi a que mereceu a reprovação de Wittgenstein (id., p. 102): “

O que Bauman não aprofundou é a origem da indignação de Wittgenstein. O lógico tinha por base uma fé religiosa que sustenta preocupações éticas o que justificou sua preocupação com a aceitação da brutalidade e violência. Uma fé judaico-cristã orienta que todos os valores servem à (id., p. 103): “vida humana e nada mais são que diferentes fichas para a aquisição do único valor que torna a vida digna de ser vivida. 

Este capítulo do livro nos coloca, pois, diretamente face à questão moral e funciona como um contraste ao que vemos ocorrer, mas especialmente aponta para o reconhecimento de que a pessoa humana é o maior e o principal de todos os valores, o que nos vincula à grande tradição dos modelos éticos ocidentais.

7 comentários:

  1. Muito bom, gostei desta leitura.

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  2. O amor ao próximo é um exercício em extinção, nos tornamos seres egoístas.

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    1. Caminhamos para destruição de estruturas arcaicos, o mundo está em transformação, o mal não vencerá.

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  3. Tudo que precisamos é amar, o amor cura, ilumina e nos faz ser melhores.

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    1. Amor é querer o bem do outro.
      Apenas para ve- lo bem e feliz.

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  4. Chegaremos lá, o ser humano tem o valor em si. na sua história e vivências.

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  5. Se tivermos ética estaremos praticando o AMOR, ensinado por Jesus Cristo.

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