sexta-feira, 10 de novembro de 2017

A UTILIDADE DO INÚTIL. Selvino Antonio Malfatti


O professor de literatura Nuccio Ordine, da universidade da Calábria, concluiu um tour pela América Latina, inclusive no Brasil. Os temas recorrentes que aborda são: instrução, cultura, pesquisa científica e utilitarismo. Insurge-se contra a desgraça generalizada mundialmente de tudo submeter ao critério da utilidade. Contrapõe-se apresentando seu livro: A Utilidade do Inútil.
Nuccio Ordine tem fama internacional pelas pesquisas sobre o Renascimento e sua tese de doutoramento que versa sobre Giordano Bruno. É conhecido pelo paradoxo por ele descoberto, a utilidade do inútil. Com este título seu livro foi vendido aos milhares em todo mundo. Sua revolta baseia-se na decadência da sociedade atual para a qual cada coisa tem seu preço e por isso o predomínio da quantidade sobre a qualidade. Conforme ele, a cultura, refratária ao preço,  não escapou de ser enquadrada num valor material.
Quando se ingressa numa faculdade os primeiro termos que se aprende são crédito/débito, palavras da área econômica, estranhas ao mundo da academia. Na Europa a situação é calamitosa. As instituições escolásticas estão perdendo sua função primordial, qual seja, a educativa. O desastre foi causado por considerar que a universidade deve ser administrada como uma empresa. Empresa e universidade são contraditórias, pois cada uma delas têm objetivos diversos. A empresa visa o lucro, a universidade tem em vista a cultura. A primeira quer ter vantagem sobre o outro, a universidade, ao contrário, é um compartilhamento de conhecimentos que enriquecem a todos.
O processo de deterioração tem início com a Declaração de Bolonha na Itália, em 1999, no qual, 29 responsáveis pelo ensino de seus países, firmaram a Declaração. A partir daí, em cima desta Declaração, cada país fez suas próprias leis imprimindo na educação um caráter eminentemente empresarial.
Se perguntarmos aos calouros por que vieram estudar na universidade? A maioria deles responderá que é para obter um diploma, arrumar emprego e poder sustentar sua própria vida. Como se pode verificar o fundo é sempre econômico: obter um diploma (comprá-lo), conseguir emprego (leia-se ganhar dinheiro) sustentar, (entenda-se pagar). A culpa não é dos estudantes mas da tendência da sociedade que coloca valor econômico em tudo. Parece que a humanidade sente atualmente um único faro: o dinheiro.
Quanto à questão da pesquisa científica parece que segue o mesmo caminho: o lucro. O que não dá retorno econômico mundial imediato é descartado. O pior desses reflexos está na saúde: se uma pesquisa, embora seja proveitosa para a humanidade, mas não der retorno econômico, é abandonada. O perverso é o inverso, uma pesquisa, embora seja prejudicial à saúde, mas dá retorno econômico tem os maiores incentivos. Hoje em dia os estados estão dispostos a investir, em conjunto com as multinacionais, somente as pesquisas que dão resultado imediato e preveem retornos imediatos de novos produtos no mercado.
Parece que até mesmo os Estados Unidos, um país tradicionalmente utilitarista e pragmático se deu conta. O criador da universidade Minerva, Ben Nelson, diz que educar é adquirir a capacidade de transferir ou aplicar conhecimentos e habilidades em áreas múltiplas. Isso só é possível se o aluno receber estes conhecimentos e habilidades.
Muito se fala em ensino ou educação crítica. Mas a maioria confunde educação crítica com educação para criticar. Esta última consiste em munir-se de uma ferramenta mental e a partir daí, criticar tudo o que não for seu modo de pensar. A educação crítica, ao invés, tem por base o sentido etimológico de “critico”, que significa discernir. Por exemplo, mostrar ao aluno que se ele partir desta afirmação chegará a tal conclusão. Mas se adotar outra posição chegará a outra conclusão. Portanto, em vez de passar o tempo todo se lamentando e criticando tudo, se deveria assumir uma postura construtiva. Está errado? Vamos corrigir e seguir adiante.
Esta é a educação integral. Abrange todas as dimensões do ser humano. Lembro-me de um professor de astronomia, Sinfrônio, da Holanda, de meu tempo de colegial, que, nas horas vagas nos convidava a ouvirmos música clássica. Ele nos explicava o sentido das melodias, dos ritmos, das escalas, dos maiores, menores, dos tons etc. Era professor de astronomia!
Muitos dizem que não há verba para isso por causa da crise. Conforme Nuccio Ordine, a questão da crise é uma balela. A verdadeira crise está na corrupção. Se os investimentos na educação, saúde e outros setores fossem iguais à corrupção cada país seria uma potência.

O utilitarismo e o egoísmo, pelo que se constata, contaminaram todas as relações humanas. Há como sair? A resposta vem de um cientista, Albert Einstein: somente uma vida vivida para os outros é uma vida que faz sentido vivê-la. É este o sentido da utilidade do inútil.

6 comentários:

  1. Tudo isto é incrível.
    Muito interessante.

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  2. Educação crítica,
    Não se aprende para conhecer, só para ganhar dinheiro, procura de ostentação

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  3. Quanto mais o tempo passa, mais distante ficamos do que era valorizado, a vocação.

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  4. Tudo tem realmente explicação, egoísmo e falta de humanidade.

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  5. O inútil para gerações passadas foi o útil, manteve e transmitiu valores e famílias unidas.

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  6. Sempre mais longe do real sentido da vida, assim caminhamos para a perda total do sentido da vida.
    As pessoas que estão para morrer, perguntadas o que lamentam, falam de pessoas, dos abraços, dos amigos.
    Lamentam o tempo que perderam correndo atrás do dinheiro, perderam amores.

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