Co-autor de Estado de Crise, livro que
escreveu com Zygmunt Bauman, o jornalista e sociólogo Carlo Bordoni destacou,
de modo diverso dele as mudanças em curso. Ele viu um rompimento com a
modernidade, destacou a mudança dos compromissos que o Estado fez com o cidadão
(id., p. 71): “de salvaguardar sua saúde, seu direito ao trabalho, serviços
essenciais, segurança social, aposentadoria e vida na velhice.” Isso entre
outras tantas coisas que se procurava assegurar. Tudo isso foi desmontado: a
segurança no trabalho, sistemas públicos de educação e saúde pública de
qualidade, a aposentadoria sofreu mudanças, vieram as críticas ao subsídio no desemprego,
etc. As expectativas de segurança social foram deixadas de lado. E assim,
nesses novos dias cada qual fica cada vez mais responsável por si, por sua
saúde, provento, educação, segurança, etc. É claro que a redução do Estado
social e de seus compromissos com a população deixa em pior estado aqueles que
são socialmente mais frágeis. E conclui assim (id., p. 75): “a crise não está
atingindo somente a Europa e não é somente econômica. Trata-se de uma crise
profunda de transformação social e econômica, que tem raízes no passado.” Até
aqui não se distanciou da análise de Bauman, mas na sequência sim.
As leituras dos dois autores
são completares. Enquanto Bordoni diz que temos um tempo que rompeu com a
modernidade e avança noutra direção, Bauman avaliou as mudanças mais no sentido
consagrado pelo filósofo francês Lipovetsky de compreender a atualidade como
hipermodernidade, não propriamente como um deixar para traz tudo quanto foi
moderno, mas como uma exacerbação da modernidade. Fica evidente nessa interpretação
a proximidade com as teses do francês autor de “Os tempos hipermodernos”,
livro feito em co-autoria com Sébastien Charles.
Quanto a Bordoni, ele considerou a
pós-modernidade um período de transição para um novo tempo, seria o início de
algo novo, mas que já se concluiu. O que ele denominou propriamente com esse
conceito foram os acontecimentos dos últimos trinta anos do século passado.
Nele viveu-se (id., p. 95): “entusiasmos e ilusões, que se impôs no campo da
arte, orientou a filosofia, revelou a fragilidade das ideologias e pôs o
indivíduo a nu.” Sendo momento de passagem deixou um vazio de valores à espera
da construção de um novo modelo ético. Nesse período ocorre uma mudança no
estilo arquitetônico, onde se busca recuperar elementos e ornamentos
sofisticados, mas não é só uma mudança na arquitetura, ela afetou desde as
práticas econômicas a outros aspectos da cultura. O conceito foi (id., p. 97):
“adotado em outros campos e usado (às vezes de forma imprópria) para
classificar uma mudança nos costumes ou nas práticas quotidianas.” No entanto,
tanto a modernidade como o tempo pós-moderno ficaram para trás nos últimos
anos. Não se trata de um detalhe semântico, mas da presença de características
novas. Assim o que se chamou pós-moderno é a porta de entrada de um novo tempo
que ainda não temos uma palavra exata para descrever. Esses dias mostram a
mudança para uma sociedade que regressou (id., p. 101): “à situação da lei da
sobrevivência do mais apto, do mais esperto, na qual vence o mais ávido; perde-se
nela a certeza dos direitos (...) nela prevalece o consumismo cego, sem levar
em consideração os recursos do planeta.” Temos uma avidez pelo consumo que deve
ser obtido de qualquer forma e gozado sofregamente.
A
leitura de Bordoni considerou o processo de transição e sofrimento causado
pelos ajustes atuais como próprios da transição. Para explicitar esse fato
comparou o que se passa hoje aos incômodos de nossa atual sociedade com o das
gerações que viveram a revolução industrial. Ao chegar para o trabalho na
indústria antigos artesãos e camponeses (id., p. 86): “foram submetidos a
assédio, controles, punições econômicas e culturais, tratados como escravos,
sem nenhuma maneira de escapar do sistema do qual se encontram presos por
necessidade ou ignorância.” Assim ocorre mesmo nas grandes transformações da
história que, quando consolidadas, significam um tempo novo de progresso e
desenvolvimento, mas que durante a transição é sofrido. O incômodo atual é como
o das gerações que fizeram a Revolução Industrial e tiveram o sonho de melhorar
de vida. Esses sonhos se consolidaram na sociedade democrática e ela hoje está
em dificuldades. E isso decorreu da globalização e o afastamento entre a
política e o poder, pois o interesse das empresas multinacionais já não se
fecha dentro dos limites de um Estado nação. Nesse sentido, ele considera que
esse é um momento de sofrimento e passagem, mas que não é necessariamente para
uma realidade desastrada. Nessa leitura o que se vive é mais crise ética, da
recusa de assumir um novo modo de vida (id., p. 91): “a pós-modernidade, antes
de ser uma evolução da própria modernidade, se presta a ser considerada o sinal
de uma profunda crise ética, bem como a tentativa da modernidade de superá-la
sem grande esforço.” Em outras palavras, o mundo moderno não quer passar pelas
mudanças necessárias para um novo tempo que virá por conta das mudanças
culturais.
Não temos como fugir desta realidade, tudo mudou, hoje vivemos outras revoluções.
ResponderExcluirNão podemos reviver os tempos passados, não se encaixam na sociedade atual.
ExcluirÉ saudável o afastamento entre política e poder?
ResponderExcluirO poder torna os políticos submissos ao sistema.
As transformações são rápidas, uma evolução constante, precisamos nos adaptar aos novos tempos.
ExcluirA população aumentou, mas continua pagando altos impostos, os salário mínimo são invisíveis.
ResponderExcluirSaúde, educação e as garantias de bons hospitais são para os que podem pagar, pobreza morre na fila do SUS.
Concordo com você, o mundo quer mudanças, mas não aceita o processo, transformações geram medo do desconhecido.
ResponderExcluirEstamos vivendo uma profunda crise ética, a desconstrução de nossas referências, muito sofrimento.
ResponderExcluirEstamos em crise, em todas as situações.
ResponderExcluirViver e sobreviver é a luta.
Não temos nenhuma segurança do amanhã.