sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Lições deixadas pela tragédia de Amatrice e Accumoli. José Mauricio de Carvalho



Acompanhamos pela televisão e pela internet o drama provocado pelo terremoto no centro da Itália. A televisão e a internet nos levaram para dentro do que estava se passando no interior da Itália e mergulhamos no sofrimento da população, do resgate dos corpos aos velórios coletivos. Entre as tristes imagens os antigos casarões despedaçados pela força da natureza. O terremoto destruiu algumas pequenas cidades e casas nas montanhas da região central da Itália, mas em especial devastou as cidades de Amatrice e Accumoli. O terremoto ocorreu às 3 e 30h de quarta feira, ainda 22 e 30h de terça pelo horário de Brasília. O sismo alcançou 6, 2 na escala Richter e provocou quase 300 mortes já confirmadas até o momento da escrita deste artigo, muitos feridos e mais de 2000 pessoas desabrigadas. O grande número de mortos e feridos se explica pelo fato do desastre ter acontecido à noite, quando as pessoas estavam dormindo.
Essa tragédia, que atingiu as cidades italianas, permite introduzirmos questões importantes, pois passamos por tragédias, muitas vezes, sem uma análise mais cuidada. Acontecimentos tão impressionantes como esse suscitam indagações e perplexidade. E tanto mais produzem inconformismo e comoção quando mais próximos estamos dos que sofrem. É claro que tragédias naturais de tamanha proporção são capazes de suscitar solidariedade e perplexidade em todas as partes do mundo, mas ela é mais dolorosa num país como o nosso, que recebeu grande imigração italiana e onde as essas famílias são tão numerosas  no conjunto do população. Pois bem, em qualquer dos casos, mais próximos ou distantes dos fatos, grandes tragédias tocam o homem, pois lhe mostram sua fragilidade e lembram a limitada realidade e falta de segurança de nossa existência.
A limitação e finitude que nos marcam colocam na cena diária da vida as suas consequências, então sofremos quando algo nos acontece e não temos como escapar desse sofrimento, e precisamos sempre enfrentar em nossa existência circunstâncias penosas, dores, mutilações e a morte. E essas realidades extremas nos levam a pensar filosoficamente, pois na hora da tragédia não há como distrair-se, nem iludir-se com a vida. Pois do trágico que toca o humano não nos salva ser mais ou menos rico, mais ou menos jovem, mais ou menos atleta. Todos sofremos, envelhecemos, adoecemos, morremos, nos sentimos perdidos e perturbados pela culpa, todas essas coisas abalam nossas certezas e nos lançam no desafio de enfrentar as situações dolorosas da existência.
As situações trágicas revelam parte da condição humana. Como não há uma forma de esconder a dor que toca, nem se iludir nos folhetins das redes televisivas ou nas luzes dos grandes shoppings, o sofrimento leva ao questionamento e a busca de sentido. Essa procura do homem pelo significado ganha força na objetivação dos produtos culturais onde a alma coloca para fora o que de mais humano se dispõe, de fazer o belo, de realizar o bem e de viver a verdade. E, nesse sentido, produzir cultura, refazer o destruído, refazer-se da dor e seguir vivendo é nossa forma de ir além do trágico e descobrir o lado mais generoso da existência. E estamos certos de que os italianos saberão reerguer essas cidades, como fizeram recentemente com Assis, reconstruirão os casarões e monumentos históricos como eles sempre foram.
A vida é assim, mistura dores e realizações, o choro e o riso, e nos cobra  um sentido pessoal e a realização cultural dos melhores valores que temos.

sábado, 3 de setembro de 2016

A Universidade deve preparar empregadores ou empregados? Selvino Antonio Malfatti



A redemocratização já estava feita mas a ideologia afim estava no poder. A oposição forçava furiosamente a divisória para chegar ao poder. Era um verdadeiro jogo, não de futebol, mas de política ideológica. Neste ambiente, não sei se por coragem ou ingenuidade, numa aula de Ciência Política, no curso de Direito, afirmei:
    - A universidade deve preparar empregadores e não empregados. Deve ser um fator de multiplicação de empregos e não de ocupação de vagas.
Foi um "Deus nos acuda." Quase me tiraram o escalpo.
Mas qual minha surpresa nesta semana quando um professor - Carlinhos Costa Beber - do curso de administração da mesma UFSM praticamente abordou o mesmo tema em sala de aula. Vejam o texto publicado num jornal local.

1º EMPREGO: AS TRÊS BARREIRAS

Carlos Costabeber
Na semana passada conversei com alunos da Administração (UFSM), sobre empreendedorismo e mercado de trabalho.Confesso que fui muito duro com a gurizada, pois via que eles precisavam de “uma sacudida”. Usei palavras amargas, fugindo ao meu estilo habitual, mas precisava dar um alerta. Depois da palestra, resolvi escrever de forma sucinta sobre o tema abordado: as 3 barreiras que terão de ser vencidas, para quem sonha com a 1ª. oportunidade de trabalho.
1º. Atualmente, a recessão está fazendo com que as empresas estejam demitindo, ao invés de contratar pessoal. E por mais que a economia melhore no médio prazo, as oportunidades de emprego virão muito lentamente e serão bem seletivas.
2º. Muita gente experiente está desempregada. Foi o caso de um taxista que conheci em São Paulo. O cara era engenheiro responsável por uma obra numa grande construtora. Com a paralisação do mercado, ele e milhares de outros profissionais qualificados tiveram que buscar a sobrevivência onde fosse possível.
Com isso, atualmente as empresas podem garimpar profissionais de ponta, com experiência e que podem assumir de forma imediata. A meu ver, essa é “a maior concorrência” para os jovens em busca de emprego.
3º. A falta de experiência (e também do conhecimento da língua inglesa), é fatal nos dias de hoje. As empresas não querem perder tempo treinando e correndo o risco do candidato não dar certo. Daí a pergunta: se essas empresas não abrem suas portas para estagiários, como eles ganharão experiência ? Uma maior aproximação escola-empresa seria o melhor dos caminhos para essa questão.
Infelizmente esse é o pior momento em muitos anos, para quem busca emprego. Nossos governantes são os responsáveis por essa situação, mas a culpa também é de quem não se preparou adequadamente. Mas atenção: quem é bom, bom mesmo, sempre encontrará uma oportunidade, tanto como empregado, como empreendedor. Pela sua importância, voltarei a esse tema em outras oportunidades.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Ortega y Gasset e viver como atividade desportiva. José Mauricio de Carvalho






Os jogos olímpicos nasceram na Antiga Grécia. As primeiras disputas, realizadas em homenagem a Zeus, o Deus dos deuses do Monte Olimpo, datam de 2500 a. C. Entretanto, as primeiras olimpíadas, com participação das principais cidades-estados do mundo grego (Atenas, Esparta, Delfos, Ítaca, Tebas Eleusis, Samos, Lesbos, Pérgamo, Éfeso, Mileto) datam do ano 776 a. C. As olimpíadas eram, naquele momento, uma celebração importante, elas davam notoriedade aos atletas vencedores e projetava suas cidades.
Vencer as olimpíadas era demonstração de vigor físico e destreza, qualidades fundamentais entre os gregos. Por isso os vencedores dos jogos eram homenageados com a coroa de louros e o reconhecimento público de que eram agraciados e favorecidos pelos deuses. Os gregos se identificam com a polis a que pertenciam e como representantes delas, entregavam-se completamente, de corpo e alma, até o limite extremo de suas forças, às disputas e na preparação para os jogos. Vencendo eles se tornavam reconhecidos em suas cidades e pouco coisa contava mais que isso para o grego.
Os jogos eram tão importantes que guerras eram interrompidas, rivalidades esquecidas e tréguas estabelecidas no período de sua realização. As Olimpíadas celebravam a vida, os deuses, a beleza física e a inteligência gregas.
Com a invasão da Grécia por Roma, por volta do século II a. C., os jogos, associados ao culto dos deuses gregos foram proibidos. Eles somente foram retomados, muitos séculos depois, já na era moderna, em 1896, organizados por Pierre de Frey, Barão de Cobertin.
Os jogos do Rio de Janeiro estão permitindo aos brasileiros acompanhar mais de perto as disputas olímpicas e a dedicação dos atletas. As disputas, guardadas as diferenças dos tempos, continuam a assegurar aos vencedores o prestígio em suas nações e aos países vencedores o reconhecimento internacional. Os atletas olímpicos que ganham medalhas são cumprimentados e referenciados pelos seus governos. E, aproveitando a imagem do atleta olímpico, recuperamos a metáfora utilizada pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset para dizer de que modo devemos viver desportivamente.
O que a vida mostra? Primeiro ela é o encontrar-se, é o ser transparente para si próprio. O viver não é distante para quem vive, ao contrário, é próximo. E o que é mesmo a vida? Vida é o que fazer, ou o que escolher, é traçar o rumo do existir entre as inúmeras possibilidades delineadas pelos limites. Limite é o filósofo traduz por circunstância, que é outra categoria fundamental para entender a vida, como ele diz em O que é Filosofia? (1971, 184): “Não se vive num mundo vago, já que o mundo vital é constitutivamente circunstância, é este mundo, aqui, agora”. Minha vida é um encontro com a situação concreta onde estou e a partir da qual tenho que fazer algo para continuar vivendo. Estando mergulhados nela, nosso olhar se lança para o futuro, ele direciona para o que buscamos. Estou, pois, mergulhado na circunstância, mas isso não significa que ela seja o ponto de chegada. Viver é o desafio de alterar a circunstância, de modificá-la para dar sentido à minha vida. E Ortega queria que a essa tarefa os homens se entregassem inteiramente, como fazem os atletas olímpicos quando disputam as provas. Do contrário, a vida parece sem graça e insatisfatória.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

PAIS ÓRFÃOS DOS PRÓPRIOS FILHOS. Selvino Antonio Malfatti.



Nós seres humanos somos de tal natureza que representamos dois atores: num determinado ciclo um faz o papel de cuidador e o outro protegido. Em seguida se invertem os papéis: o cuidador se torna protegido.  No primeiro, os pais assistem seus filhos jovens crescerem, ficarem adultos e terem autonomia. E seus pais pouco a pouco envelhecem e se tornam anciãos.
Os anciãos nas civilizações antigas foram um estrato social sempre valorizado. Podem ser citadas as culturas hebraicas, egípcia, mesopotâmicas, gregas e romanas. Inclusive na Bíblia se fala em Anciãos do Povo. Nessas sociedades os anciãos eram revestidos de autoridade política, moral e religiosa por causa de sua experiência e sabedoria para dirigirem os negócios públicos do povo.
No ambiente familiar, até pouco, os anciãos eram amparados pelos filhos que cresciam junto ou próximos aos pais. Havia o ciclo de pais protetores dos filhos e filhos amparadores dos pais. As duas categorias sociais, anciãos e jovens, se completavam cada uma no seu tempo.
Atualmente, devido a diversos fatores, rompeu-se o ciclo natural. Pais chegam à velhice e não têm mais os filhos para ampará-los. Os filhos, uns por motivos profissionais, outros por problemas familiares, outros por dificuldades financeiras abandonam os pais. E há alguns que não têm nada disso e assim mesmo abandonam os pais. Basta visitar alguns “Lar dos Idosos”, “Lar dos Vovôs”, “Asilos”, e ouvir as histórias de vida dos internos. Contam história da vida olhando para longe, no horizonte, curtindo a dor, a saudade e remoendo lembranças.
E quando a tudo isso se junta a doença? Com toda experiência que os idosos acumularam sabem que não têm mais volta. Estão num túnel sem luz no final.
O que acontece com a velhice? Não é somente um estágio estritamente biológico que chega cronologicamente. Se não fosse agregar o que acompanha seria suportável. No entanto, com a velhice chega a vulnerabilidade perante o mundo, o sentir-se inseguro para enfrentar a realidade. Entender os novos tempos, a outra época que não a sua. Ter dificuldade de atualizar-se, acompanhar a nova tecnologia ou as novas ideias (a reação é: no meu tempo era assim...).  Mas uma das maiores dificuldades são as novas amizades. As de seu tempo, a maioria desapareceu. A reação é a clausura, o bloqueio – mental e físico. As limitações começam com a lentidão nos movimentos físicos e reflexos. Com isso ficam excluídos para certas atividades, pela inacessibilidade de certos lugares, em consequência, por exemplo, as companhias turísticas rejeitam idosos em excursões.
Em alguns países, como o Brasil, os idosos são considerados mentalmente ultrapassados, desatualizados e profissionalmente desqualificados. Quando deveria ser a melhor idade de se aproveitar pelos conhecimentos, experiência e maturidade jogam-se no ralo do desperdício. A maioria das universidades europeias e de países desenvolvidos possuem programas de aproveitamento de seus intelectuais. E o resultado todos constatam. Aqui os idosos são classificados simplesmente como “inativos aposentados”, isto é, não fazem nada e estão nos seus aposentos.
Sem falar na pouca consideração dos jovens. Tudo isso configura um quadro de isolamento e de desespero e o ancião se sente entre a bigorna e o martelo.
Na relação entre pais e idosos, é diferente a situação dos anciãos que tem filhos que assistem ou podem contratar profissionais. Conheço uma idosa de 92 anos cuja filha cuida da mãe. Não são ricos, classe média. A idosa aposentada pelo INSS e a filha professora aposentada. Esta providencia alimentação, medicação, higiene corporal, com a escova de dentes, banho externo até o íntimo. Cuida da saúde com consultas geriátricas. A idosa sente-se segura, amparada e demonstra alegria em viver. A comida com os ingredientes picados ou ralados. Evitam que faça coisas perigosas, pois na mente do idoso pode fazer tudo o que antes fazia só que a estrutura física não mais comporta. Mas, sobretudo, sobretudo mesmo, muito carinho.

Mas nem tudo é fácil. Existem idosos dóceis e outros raivosos, os violentos, teimosos e mesmo maus. Os que em vez de demonstrarem reconhecimento e segurança para seus filhos, os xingam, insultam e destratam. Neste caso, se pergunta: como pode um filho retribuir carinho aos maus tratos?  Evidentemente tal filho não se sentirá à vontade para assistir a seus pais. Neste caso, o melhor é apelar para uma terceira pessoa, como os cuidadores. Esta, uma profissão nova, que está se disseminando rapidamente para preencher o hiato formado entre pais idosos e filhos provedores, evitando que pais sejam órfãos de seus próprios filhos.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Notícia do lançamento do livro: Ortega y Gasset e nosso tempo


O Professor José Mauricio de Carvalho, Professor do IPTAN de São João del-Rei, com uma palestra no auditório do Instituto Cervantes de São Paulo, apresentou no 3 do mês corrente, o seu novo livro intitulado Ortega y Gasset e nosso tempo. A palestra foi assistida pela comunidade espanhola da cidade, alunos e estudiosos de filosofia presentes ao evento. A palestra foi precedida por uma síntese do pensamento orteguiano feita pelo Professor Juan Carlos Vidal, Diretor do Instituto Cervantes e estudioso de Ortega y Gasset. Juan Carlos lembrou da importância do filósofo madrilenho como intérprete de nosso tempo e ao mesmo tempo um homem vivamente envolvido com as questões de sua pátria. Em seguida, passou a palavra ao Professor José Mauricio. Este afirmou que o livro pretende ajudar a pensar os nossos dias e suas dificuldades, refletindo sobre questões fundamentais, entre as quais: como viver em nosso tempo? Como tratar dos espaços existenciais e nossas relações? Por que viver parece tão difícil hoje em dia? Como o homem lida com as limitações e a morte, e também com as incertezas, esperanças, crenças, descobertas e perdas que pontuam a existência? Como dar um sentido à vida?
Na continuação, José Mauricio explicou que Ortega y Gasset define viver como o que fazer na circunstância, principalmente diante do novo. É nessas situações que é mais necessário achar o sentido do que se faz, pois não basta se esforçar para viver, sem sentido o esforço vira melancolia, marca do Dom Quixote na famosa novela de Miguel de Cervantes. Em seguida, lembrou como a questão do sentido aparece em nossa literatura, afirmando que para Ortega y Gasset a vida é sempre perigosa naquele sentido que Guimarães Rosa mencionou em Grande Sertão: Veredas. Ao lembrar o escritor brasileiro fez uma homenagem a esse clássico de nossa literatura, que comemora, este ano, sessenta de publicação e é uma das mais importantes peças literárias do país. Publicado em 1956, um ano após a morte de Ortega y Gasset, o livro de Guimarães Rosa menciona os caminhos e descaminhos da alma humana no esforço do sentido.
José Mauricio recordou ainda que desde a publicação do seu primeiro livro sobre o filósofo espanhol em 2002, dezenas de teses de doutoramento foram defendidas sobre ele, surgiu a revista de Estúdios Orteguianos, dirigida por Javier Zamora Bonilla que estuda exclusivamente a obra do filósofo espanhol, e lembrou ainda que foi reeditada suas Obras Completas pela Taurus. Disse que no Centro dos Estudos Orteguianos, em Madri, se sucedem debates e exposições que permitem entender o filósofo cada vez mais profundamente e que tudo isso renovou a compreensão da sua filosofia. Esclareceu que o livro quer trazer ao público brasileiro as novidades mais importantes resultado dessas iniciativas, além de mostrar a atualidade do pensamento orteguiano para entender o nosso tempo.

Concluiu que, em nossos dias, refletir sobre a vida, tema essencial de Ortega, é exigência para a superação da rotina de trivialidades e do esforço vazio de sentido. Rotina de trabalhos superficiais e esgotantes, da muito árdua luta pela sobrevivência, tanto mais dura quanto mais dificuldades a vida traz. E terminou dizendo que pesquisas recentes mostram que o estudo da Filosofia melhoram a inteligência das crianças e torna melhor a vida do adulto.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A comunidade nacional. José Mauricio de Carvalho




O afastamento da Presidente Dilma e os fatos políticos que se seguiram, apesar de seguir o rito constitucional, com respeito as leis e às instituições da República, mostrou fragilidades da comunidade nacional. De um lado, divisão irracional entorno a propostas políticas e de outro divisão institucional, com pessoas propondo a quebra da ordem constitucional por um golpe militar. Não se entra, a seguir, nas razões do impedimento para não  tocar nessas diferenças, decerto importantes, mas fora do objetivo  de pensar as bases de uma comunidade nacional. É evidente que essa comunidade não pode se limitar a torcer pela seleção brasileira ou pelos atletas olímpicos do país.
A compreensão do que seja uma comunidade nacional é fundamental para os membros de um grupo social, pois só quando esse grupo reconhece e cultiva os elementos de sua unidade consegue vencer os desafios que precisa enfrentar. Todos os grupos nacionais têm problemas, embora diferentes. A vida com sua dinâmica providencia novos desafios, muitas vezes sem que exista na história desse povo experiência para enfrentar as novas dificuldades.
Nascido no início do processo de globalização, o Brasil é uma continuação da Europa, como de resto toda a América. Isso significa que somos ocidentais, ainda que de modo próprio. Temos por base civilizacional o valor da pessoa, sua liberdade e dignidade, justificado no cristianismo e temos igualmente uma tradição jurídica que nos liga a Roma e ao modo de pensar grego, consideradas essas três pilastras os fundamentos do mundo ocidental.
Como país que se formou pela mistura das tribos indígenas presentes no território com portugueses e africanos, não foram laços familiares, mas a pertença o Império Português a base dessa unidade. Também não foi uma experiência de fé primitiva como fizeram os israelitas. Em outras palavras não foi o sangue, nem uma fé primitiva que une os brasileiros, mas um projeto político de unidade constituído com base numa língua e valores comuns de humanidade.
A diferença de interesses entre os portugueses aqui residentes e os que habitavam a metrópole foi, a partir de certo tempo, fator fundamental de desagregação desse grupo. Esse fator cresceu quando os habitantes daqui passaram a ter um projeto de vida mais amplo que enriquecer ou ganhar a vida, voltando, depois, para Portugal. Por isso, é lamentável que, ao lado da baixa escolarização, hoje em dia,  não estudemos, de forma séria, as bases da nossa comunidade nacional. Independente das circunstâncias históricas atuais que sugerem uma reaproximação estratégica com Portugal, e com outras nações comprometidas com valores ocidentais, o país precisa conhecer o esforço inicial para construir a nação. Inclui-se, nesse esforço, fatos diversos como a inconfidência mineira e a adesão de parte da família real portuguesa que conduziu à emancipação política do país.
A liderança de D. Pedro I permitiu que os portugueses de cá buscassem seu caminho político sem romper com as raízes daquele projeto de portugalidade que levou Chico Buarque no Fado Tropical a sintetizar em estrofe genial: "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai se tornar um imenso Portugal".
Esse grande Portugal se realiza num grande território, habitado por uma comunidade de valores judaico-cristãos, num território indiviso, com a convivência pacífica de etnias diversas, com ordem política, com as leis legitimamente construídas, com o uso da língua portuguesa, comprometida com o futuro de prosperidade. Isso exige solidariedade dos membros, portanto uma espécie de fraternidade laica, inspirada no liberalismo democrático que se desenvolveu no ocidente. Essa comunidade seria aberta ao diálogo e inserção na comunidade humana.
Essa comunidade experimenta hoje dificuldades porque não fez experiência de uma moral social consensual, como os países de língua inglesa, cristãos mas com diferentes religiões. Além disso, ficou, em razão, de reunir tanta gente diferente, perdida nos laços de solidariedade familiar, necessária, mas insuficiente para sua realidade grupal.
Nesse sentido, italianos, alemães, poloneses, judeus, árabes, japoneses e outros grupos minoritários que para aqui vieram depois da independência política, nunca foram excluídos e discriminados por questões de sangue ou fé. Foram aceitos como brasileiros. Ficaram pois, igualmente comprometidos com o projeto político de prosperidade material, liberdade e dignidade pessoal, unidade territorial, linguística e solidariedade grupal que une essas pessoas a um destino ou projeto comum.


sexta-feira, 29 de julho de 2016

A CELEUMA DAS 80 HORAS SEMANAIS. Selvino Antonio Malfatti.




Quando Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria, em reunião com o Presidente Michel Temer, no dia 8 de julho, sugeriu 80 horas semanais para os trabalhadores, causou, em alguns, revoltas, em outros, deboche, provocando piadas de toda sorte e ironias.
Acontece que Robson não só estava falando sério como demonstrou ser um  líder com visão dos novos cenários econômicos que se vislumbram para o século XXI. Senão, vejamos.
Ainda como movimentos esparsos, em todo planeta assistimos a emergência de um tipo novo de consumidor, um novo padrão. Estes novos consumideres exigem dos governantes que levem em consideração nas políticas públicas, durabilidade do desenvolvimento, sua sustentabilidade, a preservação da biodiversidade, a saúde pública, a proteção do patrimônio vegetal e animal, tendo presente os interesses das futuras gerações. Por isso condenam a delapidação dos recursos naturais e sua exploração desenfreada. Na esteira desta tendência reivindicam uma produção de qualidade e mais barato. Para tanto se organizam em grupos de pressão, posicionando-se um contra o poder. Querem uma melhor qualidade de bens e serviços, mas sempre levando em consideração a natureza do trabalho e o tipo de energia utilizada no processo produtivo.
Esta nova atitude só foi possível graças à democracia mais ampliada, fora dos moldes da estritamente representativa. A sociedade se organiza pela base, através de grupos, associações, ONGs. O governo não é mais aquele que fala à sociedade, mas o inverso: é a sociedade organizada que fala ao governo o que quer e como quer. E o que quer? Uma economia de qualidade e sustentável.
Concomitante a este fato novo sócio-político, a economia pós-industrial do século XXI está apta a engendrar novas formas de organização das atividades econômicas e mobilização do trabalho. Com efeito, as inovações tecnológicas, impulsionadas pela revolução numérica dos negócios e, é claro, pelas economias já capacitadas em produzir mais, melhor, durável e mais barato. O custo será de sempre menos mãos de obra, exigindo sempre mais qualificação.
Deste fato o assalariado do século XX está prestes a se extinguir e ceder lugar a novas formas de organização do trabalho. Assim, os modelos de emprego consagrados por salário fixo, um emprego vitalício, empregos estáveis prevendo uma carreira dentro deles, de tempo integral, fornecendo a maior parte da renda familiar, dependendo de um só empregador, exercido num lugar específico, atribuído individualmente, estão em fase de serem substituídos por outras relações profissionais. Há, inclusive, economistas e pensadores que preveem o fim do assalariado típico, com local e horário como Jeremy Rifkin, (La Fin du Travail, Editions Dalloz, Paris, 2006)
Agora, as novas relações serão substituídas pelo autoemprego, pelo trabalho autônomo, pela atividade múltipla, trabalho domiciliar, trabalhado online, emprego com tempo parcial, regidos por contratos temporários ou por tarefas. Poder-se-ia fazer uma analogia com uma propriedade rural média na qual o proprietário trabalha e gerencia ao mesmo tempo. As atividades do dia ou da semana são determinadas pelo proprietário. O que plantar e quando colher fica a critério dele mesmo. O tempo e as horas de trabalho, o descanso, sono e lazer são escolhidos por ele.  Na prática as pessoas trabalham vinte quatro horas por dia, mas também podem ter lazer de vinte quatro horas. Elas mesmas optam.
A primeira consequência deste fato é da impossibilidade de realizar concomitantemente o pleno emprego e o crescimento. De outro lado, haverá a dissociação de seus locais de trabalho. Diante disso, extingue-se a relação automática de crescimento com volume de empregos. Ambos poderão dar-se independentemente um do outro.
Neste cenário evolutivo- ou por que não revolucionário? – a luta contra a falta de trabalho se tornará mais complexa. Esta atingirá regiões com maior explosão demográfica e menor naquelas com menos aumento populacional. De um modo geral se poderia prever que será menor ao norte do planeta que no sul até 2050.
Diante disso se vislumbra diversas situações: crescimento sem criação de empregos, um crescimento com a destruição de empregos e de outro um crescimento com geração de empregos.

Diante disso, as novas gerações devem estar preparadas para esta nova estrutura econômica que, bem ou mal, inexoravelmente vem aí. E por isso é de se perguntar: oitenta ou cento e sessenta e oito horas semanais? É a pergunta.

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