sexta-feira, 15 de abril de 2016

A História e seus movimentos. José Mauricio de Carvalho - IPTAN



Giambattista Vico - Corsi i ricorsi

Temos vivido tempos difíceis, a economia mundial caminha lentamente desde 2008 e o Brasil embarcou de vez na crise econômica. Tivemos ano passado uma retração de quase quatro por cento na Economia, o que é um desastre para um país pobre e com tantos problemas. Além disso, assistimos um novo processo de impedimento de Presidente da República, o segundo depois da Nova República do Doutor Tancredo Neves. E o motivo é o mesmo, o envolvimento de altos funcionários do governo com a corrupção. Portanto, tempos de crise política. E há também a contaminação, o SUS está moribundo e elas estão aí: dengue, zika, chikungunya e H1N1. Vive-se, para completar esse quadro uma espécie de esvaziamento da criatividade e morte do talento do qual é exemplo a indignação de Ariano Vilar Suassuna, nosso talentoso romancista e ensaísta, contra a banda Calypso. Indignou-se o velho escritor, morto recentemente em 2014, com uma reportagem que anunciava a banda Calypso como retrato da alma brasileira e se referia a Chimbinha como músico genial.  A palestra com a indignação do poeta Suassuna correu as redes sociais Brasil afora. A banda Calypso representa a alma do valoroso povo brasileiro? E ainda se perguntava o escritor, como trabalhador que foi da língua portuguesa, se usamos o adjetivo genial para qualificar Chimbinha como músico, como vamos nos referir a Ludwig Beethoven ou a Amadeus Mozart? Nem era preciso tanto podia ter perguntado por Tom Jobim e Heitor Villa Lobos. Já era suficiente.
Meio atordoado nesse tempo de dificuldades assisti recentemente um episódio que teria feito nosso paraibano, autor de Auto da Compadecida, o Romance da Pedra do Reino e O príncipe do sangue do vai e volta, viver outro momento de justa indignação. Chegava em Belo Horizonte mês passado quando uma emissora local, exibia uma propaganda de quase um minuto. Em meio a um enorme foguetório parecido com a queima de fogos da passagem do ano em Copacabana, um locutor dizia as seguintes frases intercaladas: Ele vem aí (...), Ele está chegando (...), Ele vai mexer com você (...), prepare-se pois Ele vai abalar Belo Horizonte (...), Ele vai fazer o chão tremer (...). E seguiam-se outras frases semelhantes. Durante aquele minuto em que o locutor continuava com suas frases enigmáticas fiquei imaginando do se tratava. Minha imaginação cogitou inclusive a volta do Senhor Jesus. Com a insistência do locutor convenci-me de que era o fim do mundo. Com tanta desgraça acontecendo Cristo, para não assustar ainda mais as pessoas, havia dado àquela emissora de televisão a tarefa de anunciar seu retorno. Tratava-se de uma atitude generosa do Senhor para não apavorar as pessoas e dar tempo para os últimos arrependimentos. Daí as frases: Ele vem aí, Ele está chegando, Ele vai mexer com você, etc. Era mesmo o Senhor, pensei. No final da propaganda diz o locutor: Wesley Safadão.
Entrei em choque. O que ele queria dizer: Wesley Safadão está chegando, ele vai abalar Belo Horizonte, ele vai mexer com os mineiros? Não pode ser. Volta Suassuna, você precisa permanecer vivo, é preciso ainda indagar: a minha querida capital não, se Wesley Safadão vai abalar a cidade como vamos noticiar a visita da Filarmônica de Berlim ou da Orquestra Sinfônica de Nova York?
Em tempos assim o coração pede que filósofos como Saint Simon e Ortega y Gasset tenham razão. Eles diziam que na história, aos momentos de crise seguem-se tempos de calmaria, quando as coisas se assentam. Fica-se em paz até que surja um novo Safadão cantando a Dama e o Vagabundo. Aí é a certeza de uma nova crise. Eu só penso e sonho um novo tempo de calmaria, que leve embora Safadão e essa crise.


domingo, 3 de abril de 2016

O OCIDENTE PRECISA DE UMA SEGUNDA RENASCENÇA. Selvino Antonio Malfatti.





















Na Renascença do século XIII e XIV  tem lugar na Europa - e por extensão no ocidente - um movimento intelectual denominado de Humanismo. Ele significa a valorização do homem, elevado quase à categoria divina na idade média, senhor de si e do universo. 
Este modelo foi posto ao crivo da razão. Voltou-se, então, às fontes originais. Foi, na verdade, a volta às fontes primeiras na concepção de homem. No entanto, o que encontraram nunca mais poderia ser adotado da mesma natureza que a concepção pagã. Quinze séculos de cristianismo não poderia, de uma hora para outra, serem sepultados. O Cristianismo já havia assimilado tanto o paganismo como o judaísmo e fundidos numa só cultura, embora as duas vertentes anteriores continuassem. Significa que nem judaísmo, e em maior escala o paganismo, haviam sido eliminados. De modo que, os Renascentistas ao se proporem a volta às fontes pagãs não pretendiam sepultar os mil e quinhentos anos de cristianismo. O Cristianismo era uma realidade que havia impregnado toda cultura europeia.
O renascimento,  ao voltar à antiguidade clássica e encontrar  naquelas culturas o que fosse genuinamente seu, não teve intenção de depurar a interferência do cristianismo. Por isso não foi uma negação do cristianismo, mas apenas uma distinção e assimilação. As artes, principalmente demonstram isso. Os “davis”, os “moisés”, os “santos”, as santas”, os “cristos” receberam formas greco-latinas, mas continuaram cristãos. Ao cristianismo enxertou-se o humanismo. E, com o advento da Reforma, cada religião assimilou a seu modo o humanismo cristão, algumas até o condenando.
Após a renascença continuou o aperfeiçoamento ético-moral. 
A igualdade talvez tenha sido a que mais progrediu na Europa e por extensão no ocidente: igualdade de gênero tornou-se plena. Homens e mulheres convivem livremente em clima de respeito. As etnias, embora não tenham chegado ao ideal, têm uma convivência pacífica. Ricos e pobres se fundiram socialmente
A liberdade estendeu a participação política a todos. Há liberdade religioso, cultural, ideológica. 
Agora, no século Vinte e Um, faz-se necessária outra renascença. 
Buscar o quê? O essencial do primeiro renascimento foi o humanismo cristão. Atualmente a sociedade ocidental é cristã sem ser necessariamente religiosa. Ela laicizou-se em que pese mover-se com os valores cristãos. Isto não significa que se deva banir a religião. Cada um individualmente pode seguir sua religião, mas a vivência social é laica, com valores cristãos. Qual o principal valor desta sociedade? O que devemos resgatar da primeira renascença? A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Esta atualmente sofre arranhões, desrespeitos, recaídas, extermínio ao nível da barbárie. Todos têm conhecimento de Auschwitz-Birkenau, Gulag, Praça Vermelha, Holocausto e dezenas de outros para quem a pessoa humana é nada.  
A dignidade do ser humano é nossa meta para a segunda renascença. A pessoa está acima de qualquer preço, não é negociável. É um valor em si, independente de credo, é humana

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Valores cívicos. José Mauricio de Carvalho - Professor do IPTAN





Os eventos de corrupção envolvendo altos funcionários da República e grandes empreiteiros, versão atualizada do patrimonialismo nacional, os primeiros enriquecendo ilicitamente e os segundos brincando de capitalismo, fazendo o discurso da livre iniciativa, mas ganhando dinheiro, sem risco, subornando as autoridades do Estado, que ocupa, há várias semanas, as manchetes do país. É um assunto já bastante comentado e, nessa altura, todos os corruptos e corruptores já deviam estar presos e o dinheiro devolvido ao Tesouro Nacional. Contudo, algumas postagens nas redes sociais, hora queixando-se de que as medidas se direcionam contra um único partido, outras apoiando a intervenção militar e outras ainda defendendo ações não amparadas em lei pelo juiz que conduz o caso, me estimularam a voltar ao tema.
Não quero, contudo, tratar o óbvio, todos os ladrões, de qualquer partido, que tenham se beneficiado dos esquemas de corrupção, que empobrecem o Estado e a Sociedade, devem ser punidos. Não pode haver exceção para aqueles que enriquecem e vivem uma vida de luxo ilicitamente obtida, às custas da maioria dos brasileiros que luta com extrema dificuldade para viver. A investigação precisa atingir e punir todos os corruptos. Porém, isso deve ser feito dentro da lei, tanto a condução da investigação, quanto o respeito ao direito de defesa. Quanto às Forças Armadas, que continuem a cumprir seus deveres constitucionais. Se em nossa história interferiram no processo político, hoje devem se manter no estrito cumprimento das leis, pois é organização fundamental para a segurança do país e das Instituições Republicanas.
São os valores cívicos, ou sua ausência que nos chama atenção. Se a população está entendendo, com grande sofrimento, que não se pode ter um país razoável quando  dirigentes roubam o patrimônio público, isto mostra que o roubo, em qualquer de suas formas e níveis prejudica toda a sociedade. Se os maus empresários escrevem péssima história no capitalismo, que os livres empreendedores cuidem de ser bons empresários, paguem os impostos devidos e assumam o risco das atividades, para as quais são recompensados. Enfim, é no cumprimento dos deveres e na prática dos valores cívicos que se fortalece a nação e se cultiva a esperança.
Muitos séculos antes de Cristo, o filósofo grego Aristóteles, em outro contexto e de outro modo, postulou não valores, que são objetivos e moldados culturalmente, mas virtudes cívicas, que são os hábitos de natureza moral que o cidadão desenvolve e lhe permite cumprir suas obrigações com o Estado. Independente do anacronismo dessa forma de entender virtude, como potência própria do homem de natureza moral, ela considera um fenômeno fundamental: a relação de amor e dedicação do cidadão para com seu Estado. A areté ethiqué de Aristóteles, que tem um sentido distinto do que hoje entendemos por virtude, reflete, contudo, a excelência no cumprimento de suas obrigações, que o tornava bom e fazia de sua Cidade-Estado (Pólis) um lugar ainda melhor. Cidade da qual ele se orgulhava de pertencer e morar. No caso de Atenas, seus habitantes a ela se referiam orgulhosamente como a linda localidade, iluminada pelo sol mais claro do Mediterrâneo, lugar onde a deusa da sabedoria escolheu para habitar.
É um pouco desse amor e carinho pelo Estado que sobrava nos antigos gregos que precisamos cultivar. Não naquela completa identificação do cidadão com a cidade, mas assegurando a liberdade pessoal. Nesse novo contexto, comprometer-se contudo, como os antigos gregos, com os destinos dessa nação, pela qual tantos deram e dão o melhor da vida ou a própria vida.


sábado, 26 de março de 2016

Resurrexit sicut dixit, 

ALELUIA.








1. No primeiro dia da semana, muito cedo, dirigiram-se ao sepulcro com os aromas que haviam preparado.
2. Acharam a pedra removida longe da abertura do sepulcro.
3. Entraram, mas não encontraram o corpo do Senhor Jesus.
4. Não sabiam elas o que pensar, quando apareceram em frente delas dois personagens com vestes resplandecentes.
5. Como estivessem amedrontadas e voltassem o rosto para o chão, disseram-lhes eles: Por que buscais entre os mortos aquele que está vivo?
6. Não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como ele vos disse, quando ainda estava na Galiléia:
7. O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores e crucificado, mas ressuscitará ao terceiro dia.
8. Então elas se lembraram das palavras de Jesus.
9. Voltando do sepulcro, contaram tudo isso aos Onze e a todos os demais.
10. Eram elas Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; as outras suas amigas relataram aos apóstolos a mesma coisa.
11. Mas essas notícias pareciam-lhes como um delírio, e não lhes deram crédito.
12. Contudo, Pedro correu ao sepulcro; inclinando-se para olhar, viu só os panos de linho na terra. Depois, retirou-se para a sua casa, admirado do que acontecera.

https://www.youtube.com/watch?v=IUZEtVbJT5c

quarta-feira, 23 de março de 2016

LEONARDO PROTA: O EDUCADOR DAS HUMANIDADES. Selvino Antonio Malfatti





Coincidentemente no dia de São José, padroeiro do trabalhador, faleceu neste 19 de março de 2016, Leonardo Prota, um exemplo de trabalhador.
Nasceu na Itália em 1930, teve uma permanência no México, fez mestrado nos Estados Unidos, veio para o Brasil e naturalizou-se. Sua atuação sempre esteve ligada à área da educação, quer como docente, como dirigente de institutos de educação e como escritor. Seu maior destaque foi o estudo do Pensamento Brasileiro, as Humanidades e a constatação da existência das filosofias nacionais. Para o primeiro destacam-se os Colóquios Antero de Quintal e Tobias Barreto realizados alternadamente na Universidade de Londrina e Universidade Nova de Lisboa, reunindo professores e pesquisadores de filosofia. Para o segundo, Leonardo Prota, juntamente com Antonio Paim e Ricardo Vélez Rodrigues, é fundador do Instituto de Humanidades. Nele destacou-se na atividade editorial de divulgação de estudos humanísticos. E para o terceiro sua produção acadêmica.
Quando Prota inicia seu trabalho pedagógico, percebe que a educação brasileira se estribava nos princípios da educação americana, qual seja, era só pragmática e objetiva, nos moldes de John Dewey, visando apenas o mercado de trabalho. De humanidades estava completamente vazia. É então que se propõe inserir nela um cunho humanista. Nesta tarefa juntam-se a Antonio Paim e Ricardo Vélez e organizam um curso que contemplava plenamente o patrimônio das humanidades, desviando-se da rota americana e direciona-se para a europeia.
Esta preocupação de Prota com as humanidades deve-se a dois fatos na sua vida. O primeiro que sua formação básica calcou-se sobre a pedagogia da escola de Dom Bosco e em segundo sua tese de mestrado: “Um Modelo de Universidade”. A publicação de seus estados fez com que as teses de uma educação puramente pragmática, de modelo anglo-saxônico, fossem mitigadas recebendo ingredientes humanistas.

Outra contribuição de Prota para a educação foi a necessidade de ênfase nas filosofias nacionais. Havia uma crença generalizada que existia uma filosofia universal e quando não se enquadrasse nesses parâmetros não era considerado saber filosófico. Para Prota a noção de filosofia universal estava atrelada a uma filosofia puramente racional, a adoção do latim como língua oficial da filosofia e a não percepção da filosofia como problema, caminho este desbravado por Hartmann e Mondolfo. A partir do momento que a experiência foi convidada a falar, contrapondo-se ao puramente racional, o latim foi sendo abandonado fazendo-se filosofia com as línguas nacionais e a percepção de que cada país mirava um problema específico, surge a valorização das filosofias nacionais. A experiência foi consagrada no universo científico com os filósofos, Galileu, Newton e Suárez, Scot e Ockham. O abandono do latim foi concomitante ao surgimento das línguas vernáculas, nova forma de comunicação do saber. A questão do problema levou ao pressuposto do elemento subjacente em cada sociedade: a cultura. Como exemplo, Prota menciona a filosofia inglesa dando ênfase à ciência, os franceses preocuparam-se com o racionalismo, a Espanha debruçou-se sobre o raciovitalismo, os italianos preocuparam-se com a realidade espiritual, os alemães com o sistema, Portugal com Deus e o Brasil com a cultura. Disso decorre que o que se acreditava que fosse filosofia universal, na verdade não passava de um problema nacional e, portanto, uma filosofia nacional. O estudo do pensamento brasileiro, o despertar das humanidades e a visualização das filosofias nacionais foram as três grandes contribuições de Prota. 

sexta-feira, 18 de março de 2016

A coluna vertebral de um país. José Mauricio de Carvalho



Quando Max Weber publicou sua obra mais conhecida, A ética protestante e o espírito do capitalismo, ele pôs em evidência uma questão interessante, a relação entre a produção econômica e a crença religiosa. Desde então o assunto mereceu aprofundamento, debates e ampliações. Não se pode deixar de registrar a contribuição de Viana Moog com Bandeirantes e Pioneiros e Richard M. Morse com O espelho de Próspero. Entramos nesse debate, em 1995, com o livro Caminhos da moral moderna a experiência luso-brasileira (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995 - coleção reconquista do Brasil), onde procuramos mostrar que não só a crença religiosa, mas a organização política e jurídica da sociedade são decisivas para seu desenvolvimento e enriquecimento. Comentamos que a proposta pombalina de modernização do Estado português, preservando a monarquia absoluta, o padroado e a adoção, por Melo Freire, do idealismo jurídico na construção do primeiro Código de Direito Civil de Portugal (e também do Brasil por extensão), igualmente explicam as dificuldades que tivemos de entrar no clima da modernidade. Muita coisa ocorreu desde o século XVIII, mas os problemas que daí vieram interferiu por muitas décadas no destino do país, se é que ainda não interfere.
O espírito do capitalismo, para Max Weber, é um código de conduta que se revela na dedicação ao trabalho, na preparação para a profissão, na entrega diária, à excelência profissional. Nesse sentido, o trabalho não seria necessário apenas para assegurar a sobrevivência, mas fundamental como parte da vida humana. Para essa mentalidade contribuiu a ação, embora não intencional, de Lutero que deu ao trabalho um sentido divino ao aproximar a vocação dos homens da missão terrena. Mesmo sem pretender, Lutero estimulou as pessoas a se dedicar, com excelência, ao trabalho e a ter cuidado com o mundo. Um pouco do que o Papa Francisco pede ao falar da preservação do planeta passa pela mesma crença no embelezamento da obra de Deus. Porém, só cuidará do mundo como quer o Papa Francisco quem acreditar que é tarefa do homem torná-lo belo, limpo e agradável com o trabalho dedicado, disciplinado e bem preparado. Não sei como fazer isso quando mesmo sob ameaça de dengue, zika e outras doenças, as pessoas não conseguem organizar a própria casa com capricho e sem deixar água parada. A televisão diariamente o lixo espalhado pelas cidades e casas, que é onde se localizam os principais focos do mosquito. Pobre casa comum do Papa Francisco tão desleixada por tantos.
A questão de Weber pode ser aprofundada se entendemos que nossa relação com o mundo passa pela forma como organizamos a vida e os valores, que Miguel Reale ensinou ser a base da cultura. Como produto do esforço e dedicação do homem, a cultura se afasta do mundo natural. Por outro lado, o homem somente vive e se insere perfeitamente na cultura quando experimenta os bens culturais e incorpora os valores que eles contemplam. Por isso, a cultura é marcada pela objetividade, temporalidade e historicidade. Os valores culturais, por sua vez, constituem a coluna vertebral do povo, pois sem eles não haverá compromisso com a excelência, nem rumo ou esperança. Por isso, nada faz mais mal a nosso povo que lhe quebrar a hierarquia de valores, pois sem os valores em que se acredita, perde-se no que crer e para que viver.
Todos esses episódios tristes da política nacional, se de um lado, nos fazem ter um resto de esperança pela ação reparadora da justiça, mas por outro lado exigem rumos diferentes para que a política, como expressão do destino do povo possa se pautar por valores importantes base da vida social: a verdade, a sinceridade, a honestidade, a correção e a excelência no que se faz.


sexta-feira, 11 de março de 2016

O DESPERTAR DO SENSO DE NUDEZ NO SER HUMANO. Selvino Antonio Malfatti.




A escritora e pensadora Anna Meldolesi, italiana, publica o livro: Il Millenario senso Del Pudore (O Milenar Senso de Pudor), no qual discute os conceitos de tabu, censura e contradições da nudez, fazendo um balanço entre convenções e hipocrisias humanas.
O livro mereceu um comentário de Pierluigi Battista no Jornal Corriere. Conforme Battista a escritora entende que quando o ser humano estava coberto por uma pele natural, mais ou menos há três milhões de anos, um milênio a mais ou a amenos, não faz diferença. Neste período a humanidade não tinha qualquer preocupação com o senso de pudor e, portanto, estava isenta desta tortura causada pela nudez.
Afirma que o pudor é ambíguo, dispersivo e mesmo intimidante. Vejamos: as mulheres vão à praia de biquíni, mas jamais sairiam de casa de roupas íntimas em que pese partes visíveis sejam as mesmas. Com os homens acontece o mesmo. Na praia também usam sungas ínfimas, mas jamais sairiam de casa de cuecas. O livro de Meldolesi analisa precisamente esta dicotomia: como é permitida uma forma de vestir-se num determinado ambiente e em outro a mesma forma é considerado ataque ao pudor? Milhares e milhares de anos se passaram, nos quais a nudez não foi objeto de críticas. Mas ultimamente, desde Eva Herzigova, como uma reencarnação de nossa primeira progenitora juntamente com seu companheiro Adão, a nudez ficou escondida atrás de uma folha de parreira.
O intrigante em Meldolesi é de saltar o arco temporal de milhões de anos para o decênio. Esta mudança ocorreu de repente. Poucos anos faz que o topless era considerado o máximo da afronta e impudência.
Como surgiu o senso de pudor? A escritora explica com argumentos biológicos. Quando as mulheres começaram a preferir homens menos peludos para procriar àqueles cobertos de pelos nasceu também uma cultura de ocultar seu próprio corpo. A partir deste momento nasceu o costume de se fabricarem roupas e sentir vergonha quando fosse desnudado.
O senso de nudez causou nos seres humanos muitas coisas boas, mas também ruins. Entre as primeiras se podem citar a moda, a arte, os tecidos e uma elaboração cultural. Mas criou também coisas ruins como neuroses, angústias e frustrações. Modificou os critérios de beleza e alimentou tabus. Despertou construções de teorias filosóficas, mas fez nascer sistemas repressivos e libertários. A nudez criou a censura. Fez surgir comportamentos narcisistas e, amparada na tecnologia, exasperou o exibicionismo.
A autora Meldolesi enfatiza a velocidade com que o senso de pudor está se modificando não só entre decênios, mas de quinquênio e de ano para ano. Qualquer parte do corpo, de mulher e de homem, pode ser motivo de propaganda comercial ou erótica. O corpo, despojado do pudor, se tornou objeto de exploração em qualquer dimensão da atividade humana. A mudança de senso de pudor modificou a língua, o léxico e riqueza mesma do vocabulário. Em alguns idiomas mais, outros menos. Até mesmo palavras novas surgem como no inglês que distingue “naked” significando nudez natural, inocente, pura. “Nude” é encontrada na arte, na artificialidade, na estilização. “Bare”, por sua vez, quer dizer qualquer coisa descoberta. A transformação do conceito de nudez ocasionou uma mudança cultural vertiginosa que não necessita mais de milhões de anos, mas no máximo de décadas.
Em que pesem os méritos da escritora, comentados por Battista no jornal Corriere, teceria algumas observações a título de colaboração. 
A antropologia não apresenta fatos de mulheres (fêmeas) escolherem seus parceiros (machos). O que se conhece é que os machos dominavam as fêmeas e com elas se acasalavam. 
Também não há indícios de que estes primitivos se acasalavam para procriar. O objetivo era satisfazer o instinto sexual e disso decorria a procriação. Entre os primitivos habitantes da América não havia homens peludos, no entanto, cobriam "suas vergonhas" e o senso de pudor inexistia ou era muito tênue.
Penso que a explicação puramente biológica do pudor de Meldolesi, comentada por Battista, é incompleta e limitada. Não significa que não tenha acontecido. No entanto, parece-me que a inserção de um conteúdo cultural o tornaria mais completo. Por exemplo, de um modo geral em sociedades onde a religião se impôs sobre todos os membros e condenava a nudez havia o senso de pudor. Assim aconteceu com o judaísmo, islamismo e cristianismo, entre outras. Onde a religião se absteve de levar em conta a nudez, como nas mitologias e politeísmo antigos, ou fetichismo dos primitivos habitantes da América o senso de pudor foi secundário e em consequência a nudez deixava de ser problema.
Logo, é preciso levar em conta outras condicionantes que não sejam somente as biológicas.

  

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