sexta-feira, 19 de julho de 2019

Reforma da previdência: erros de perspectiva. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei




A previdência pública passa por revisão em muitos países do mundo e isso é fácil de entender. Experimentamos dois fenômenos demográficos importantes que mudaram o perfil da população: o alongamento da vida ou aumento da velhice e a redução da natalidade. Em resumo, temos sociedades com um número crescente de idosos e um número menor de jovens, portanto com mais velhos e menos crianças. E se as pessoas vivem mais, as sociedades precisarão que elas trabalhem mais tempo e se aposentem mais tarde. Disso não há como escapar.
Em países como o Brasil essa mudança demográfica foi muito significativa porque foi rápida. A população brasileira não apenas se urbanizou velozmente como aumentou muito a expectativa de vida que era de 45 anos e cinco meses em 1940 e passou a 76 anos e dois meses ano passado, segundo dados do IBGE, observando-se que os homens vivem, em média, menos seis anos que as mulheres. Assim, aposentar-se por volta dos cinquenta anos com uma média de vida de 45 e uma população jovem era realidade muito diversa da atual. Por isso ninguém discute a necessidade de atualizar as regras de aposentadoria.
No entanto, se a necessidade de se aposentar mais tarde é um fato inquestionável. A forma de a realizar é um problema de difícil solução. Apesar da complexidade do assunto existem problemas graves na atual proposta do governo em votação no Congresso.
O primeiro é a mistura do sistema de aposentadoria com o de apoio social. Por exemplo, uma criança doente e incapaz de trabalhar deve receber um salário? Um trabalhador que pouco contribuiu para o sistema porque era pobre e vivia no limite da sobrevivência deve receber um salário mínimo numa determinada idade? E outros casos parecidos de pessoas que não podem trabalhar? Creio que é justo ajudar essas pessoas. Temos, por pano de fundo desse reconhecimento, o conceito de previdência social desenvolvido na Inglaterra por ocasião da discussão sobre a pobreza. Naqueles dias se diferenciou o pobre daquele outro que não tinha condição de trabalhar. Porém esse direito, uma vez estabelecido, precisa ter fonte própria de financiamento e ser diferente do sistema que sustenta a aposentadoria dos trabalhadores.
Outro problema é o teto da previdência pública que vem caindo assustadoramente tendo sido vinte salários até pouco tempo e hoje anda entorno a seis. Isso somado a uma política que dificulta ao contribuinte alcançar esse teto. Isso fez com que a classe média passasse a contribuir com valores muito abaixo do que deveria, porque não tem expectativa de receber um salário que mantenha seu padrão de vida e os ricos, por sua vez, a não se preocuparem com aposentadoria de três ou quatro mil reais. Ambos os grupos estão transformando a previdência privada, que devia ser complementar ao sistema público, na escolha principal. Ambos os grupos deixando de contribuir ou contribuindo menos do que podem prejudicam o sistema.
Outro problema é não diferenciar funcionários públicos da população em geral. Não se trata de estabelecer privilégios, acúmulos de aposentadorias, etc. Isso não deve ser permitido. Funcionários públicos, boa parte deles, para realizar bem sua função, precisam se dedicar, de forma específica ou exclusiva, durante toda a vida, a atividades que os impedem de realizar outras funções ou buscar ganhos complementares.
Enfim, embora critérios econômicos sejam importantes quando se pensa o sistema previdenciário porque ele precisa ser sustentável, quando eles são o propósito e o objetivo das reformas, sem outras variáveis, o resultado é injusto e desfavorável ao trabalhador que passa a vida contribuindo para um sistema na expectativa de receber uma aposentadoria capaz manter seu nível de vida.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

O MODO DE SER EUROPEU ATRAVÉS DA PALAVRA-CHAVE. Selvino Antonio Malfatti


                                  Corriere della Sera -15 maggio 2019

Já que pelo Acordo entre o Mercosul e União Europeia nós brasileiros somos um pouco também europeus, vou apresentar uma pesquisa interessante, levada adiante pela Itália, através de seu jornal Corriere della Sera, sobre cidades e países europeus. 
Viajando pela Europa, pode-se surpreender a característica de cada cidade, e por tabela do país, através da incidência de uma palavra-chave. Ela se manifesta nas conversas, na comida, bebida, diversões, música, enfim é uma palavra recorrente do dia a dia da cidade.

Comecemos com a cidade de Berlim ou Estrasburgo na Alemanha. A palavra chave é “Abertura”. Pode-se identificá-la na arte, comida, música. Esta está subjacente em todas as aspirações populares. Tanto da parte da antiga oriental, como na ocidental. A abertura de Berlim é para unificar-se a outra parte e a abertura de Bonn é para acolher a parte separada e integrarem-se novamente.

Viajemos para a capital da Letônia, cidade Riga. A palavra mais ouvida é “independência”.  Isso se pode constatar no quotidiano como no ciclismo, golfe, peças teatrais, filmes, exposições, concertos, passeios e no ambiente familiar. Depois de terem se livrado dos russos, o que mais os letões querem é independência para serem eles mesmos, isto é, usufruírem do seu país, agora deles mesmos.

Deste país passemos para a Espanha. Tomemos como modelo a cidade de Sevilha. A esta cidade chegam imigrantes de toda a Europa, mormente italianos. A palavra chave é “limite”. O que mais se ouve é que: “eu quero, mas não posso”. Há limites de idade, pecuniários, familiares, políticos entre outros.

Já na Holanda, desponta a palavra “talento”. Exemplo disso é a cidade de Dublin. O talento constitui-se na rampa de propulsão, pela qual os jovens se projetam para o futuro, através do conhecimento digital.

Na Dinamarca encontramos a palavra “felicidade” cujo protótipo é a cidade de Copenhague. Nesta, parece que tudo funciona conforme os desejos pessoais: segurança no trânsito, rede social, liberdade pessoal, equilíbrio entre a vida privada e o trabalho.

Os gregos, vistos através de Atenas, externam o desejo de “mudança”, pois ainda está atravessada na garganta a vertigem do quase colapso, e a humilhação política. A mudança almeja é a vingança por tudo o que teve que suportar num passado recente.

Na República Checa, o termo que se sobressai é “contando”, haja vista a cidade de Praga. Apesar de exibir a mais baixa taxa de desemprego da União Europeia, é tudo virtual: empregos, rendimentos e perspectivas. Por isso, a palavra identificadora é contando que...
Na Polônia, Varsóvia, surpreende-se o termo compartilhar, mais como desejo que realidade. A dicotomia entre as políticas liberais e os desejos autárquicos e esforços em prol da Europa.

Em Estocolmo, Suécia, a confiança dos jovens é atribuída a “tech”, pois todos querem criar algo novo.

A ideia central dos jovens europeus com menos de trinta e cinco anos é: o futuro é a Europa.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Pelo Estado e suas estradas. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Re


Uma das dificuldades atuais da sociedade brasileira está na crise do Estado. Isso pouco tem a ver com ideologias de direita ou esquerda, com esse ou aquele governo, mas com a importância do Estado e do seu papel. Também não é resultado da atual crise econômica, atribuída à Previdência Social. Não, a desidratação do Estado é antiga. Há décadas não vemos uma ação efetiva do Estado em qualquer área ou observamos bom resultado de sua atuação.
Parte dessa crise está no seu afastamento da sociedade. Isso não é só produto da mentalidade neoliberal dos últimos anos. Desde algumas décadas o Estado está sendo desidratado, ele não presta bons serviços em saúde, ele não faz segurança efetiva, ele não promove educação de qualidade. Ao ficar nesses três aspectos elenquei aqueles que foram, até recentemente, a pauta dos liberais, mais ou menos conservadores. Em outras palavras, fazer um pouco mais ou menos, mas atuar de forma efetiva pelo menos nesses três segmentos.
Hoje temos crescente falta de resultado nesses campos e vemos a proposta de armar a sociedade. Já temos quadrilhas de bandidos explodindo bancos, em breve teremos cidadãos com revolver na cintura, duelos ao pôr do sol, num verdadeiro retorno aos tempos do bang-bang americano. Fantasias da infância prestes a virar pesadelo.
Um capítulo desastroso dessa desidratação do Estado é a privatização das rodovias. Pelo menos das mineiras. Mantendo traçado antigo de, pelo menos seis décadas, pouco ou quase nada foi feito em mais de meio século para mudar a rede viária de Minas. Enquanto isso o padrão dos automóveis mudou e o desenvolvimento tecnológico avançou muitíssimo. Um dos mais tristes exemplos dessa realidade foi a privatização da Rodovia 040 (JF-Brasília).
A privatização da estrada exigia que fosse feito um importante investimento antes de se cobrar pedágio. Menos de 10 por cento do valor previsto foi investido e a empresa começou a cobrar pedágio. Pior, nada de realmente importante foi realizado na via, pouco mais que tampar buracos, construir uma ponte e colocar uma ambulância aqui e outra acolá. Quase nada de importante foi feito. Por que a empresa que assumiu esse empreendimento fez tão pouco? Por que os órgãos de controle não revisaram a concessão? Enquanto tudo continua como está, vidas são quotidianamente ceifadas, acidentes se multiplicam, enquanto a providência é multiplicar o número de radares para reduzir a velocidade de carros feitos para andar a duzentos por hora, obrigando-os a trafegar a 40 ou 60 km por hora.
Agora quando se começa a discutir a privatização da BR 265 esperemos que o absurdo da via 040 não se repita. Essa outra rodovia federal precisa passar por rápida duplicação e receber outras melhorias. Para a sociedade nada adiantará privatizar essa outra rodovia federal se ela continuar a ser o que é, uma rodovia pequena, subdimensionada, com traçado inadequado, de pista simples, um corredor de acidentes e um canteiro de mortes. Se o Estado privatiza rodovias deve cuidar que o dinheiro arrecadado seja empregado na efetiva melhoria da via.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

OS OVOS DA BESTA - REGIMES DESPÓTICOS E DITATORIAIS. Selvino Antonio Malfatti.




Ultimamente nas redes sociais, mídia e outros órgãos de divulgação, ocuparam-se em debater regimes totalitários como fascismo, nazismo e comunismo. São regimes políticos extremamente fortes, os quais não só esmagam os indivíduos, como sufocam a consciência. Há, no entanto, outros regimes, fortes, mas que não chegam a ter a intensidade dos supracitados. São os regimes ditatoriais e os despóticos. São também ovos da besta Leviatã, que oram germinam aqui, ora acolá.

São conhecidos na atualidade vários ditadores e déspotas. Um dos exemplos mais típicos foi o Coronel Gaddafi. Com certeza nunca procurou ser exemplo de democracia, ao contrário, esmerou-se em patentear sua estratégia terrorista para conseguir seus objetivos. A mentalidade difusa, como externa seu filho Saif al-Islam (Espada do Islã) é de que transplantar a democracia para tais lugares, como a Líbia, com centenas de clãs, e não menos grupos armados, é impensável. Disso decorre que somente um homem como Gaddafi, poderia garantir certa estabilidade. As várias “Primaveras Árabes”, que só despertaram desejos sem os realizar, como do herdeiro do trono Saudita, Mohammed Bin Salman, culpado de crimes hediondos, mas protegido pelo autodenominado Protetor da Democracia, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Os Sauditas compram armas por bilhões de dólares e tem a proteção do democrata.  Sabe-se que, “pecunia non olet”: dinheiro não tem cheiro.

Dirigindo-se ao oriente, antes da Queda do Muro de Berlim, encontramos a figura do romeno Nicolae Ceausescu, com fama de reformador, mas também de tirano. Vendia judeus para o estado de Israel ao preço de 3.000 dólares, aumentando conforme se casado ou com filhos.
Continuando o desfile, encontramos a figura do presidente ditador Todor Zhivkov. Em seguida pode ser citado Ruhollah Musav Khomeini, mandou executar todos os que tivessem abandonado o Islã. O número de vítimas chegou a 30.000 conforme estimativas.

Na América do Sul, mormente Argentina, sabe-se que abrigou incontáveis fugitivos nazistas, como aconteceu com Erich Priebke, executor do Fosse Ardeatine. Mais recentemente, Chile e Argentina se caracterizaram por ditaduras vergonhosas, como exemplo a ferocidade de Pinochet não conhecia limites e Videla jogava vivos no oceano seus adversários. No mesmo período, com menos truculência, mas com muitos senões, o regime militar brasileiro torturou e mesmo matou adversários ao governos.
O adágio atribuído a Júlio Cesar dizendo que se queres paz prepara-te para a guerra (si vis pax para bellum) vale também para a democracia. Sob as cinzas, a chama das ditaduras e totalitarismos continua a arder. O maior perigo é a indiferença e a não preocupação dos sinais de avanço dos inimigos da democracia. É o que chama a atenção Thomas Jefferson: O preço da liberdade é a eterna vigilância (Eternal vigilance is the price of liberty).
Listamos a seguir os principais líderes totalitários e ditatoriais de nosso século e anterior:

1.    Muammar Kadafi – o feroz, da Líbia.
2.    Adolf Hitler – o genocida, da Alemanha.
3.    Josef Stalin – o homem de ferro.
4.    François Duvalier – de “papa doc” para “touton macoute”.
5.    Pol Pot – exterminador de seu próprio povo.
6.    Augusto Pinochet – Chile, sanguinário ditador.
7.    Kim Jong-II – os campos de concentração de trabalhos forçados para crianças.
8.    Omar al-Bashir – perseguição étnica e religiosa.
9.    Robert Mugabe – expoente de corrupção e perseguição.
10. Bashar al-Assad - Síria, mais de dois mil opositores mortos.

Como se vê, os ovos da Besta ainda existem e estão em gestaçao. Por isso:

ALERTA!

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Vitor Frankl e a psicologia do sentido. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei


Viktor E. Frankl viveu o século XX e suas dores, quer quando foi prisioneiro nos campos de concentração nazista, quer quando fez clínicaComo outros psiquiatras daquele tempo se aproximou de Max Scheler, Martin Heidegger e Martin Buber e trouxe as lições da filosofia existencial para a psiquiatria. Ele se tornou então um dos representantes da chamada psiquiatria existencial. Sua proposta psicoterapêutica o tornou conhecido em todo o mundo como o criador da terceira escola de Viena, depois da de Freud e Adler. Voltada para o enfrentamento dos problemas de uma sociedade de massas sua psicoterapia é especialmente ajustada para tratar questões fundamentais de nossos dias: a depressão, o suicídio, a drogadicção, a violência, associadas ao que ele denominou neurose noogênica.  
Diante das dificuldades do homem de hoje ele se indaga se seria possível “dar um sentido ao homem de hoje, existencialmente frustrado” (p.23)Seus estudos mostraram que o sentido não pode ser criado nem dado, ele está no sujeito precisa ser descoberto por eleO sentido é singular, cada pessoa tem o seu. 
 No livro “O sofrimento de uma vida sem sentido: caminhos para encontrar a razão de viver”, Frankl examina as neuroses atuais e o sentimento de vazio existencial que está na raiz delasEssa forma se sofrimento generalizou-se, porque o homem perdeu referências tradicionais que o orientavam e não vive apenas guiado por seus instintos. Então o homem contemporâneo desenvolveu aquela atitude comum na sociedade de massas: ele fará o que os outros querem que ele faça ou se comportará como todo mundo. Nos dois casos estará propício a desenvolver uma nova neurose. Frankl a denominou neurose noogênica, situando sua origem nos “conflitos de consciência, colisão de valores e frustação existencial” (p.11). Frankl comenta nessa obra os detalhes de uma psicoterapia do sentido.  
Na final dessa obraFrankl diz que toda psicoterapia é fundamentada numa antropologia e por isso, critica a psicanálise que não enxerga o homem como construtor de valoresEle observa que uma teoria que trata a cultura como sublimação de instintos, nega ao homem o irreprimível direito de significar a vida. Assim, explica que ao psicoterapeuta cabe, em algumas situações, “desmascarar e desvendar”, mas isso cessa diante do autêntico ou o sentido, pois “a última coisa que a psicoterapia pode permitir-se é ignorar a vontade de sentido” (p. 97). 
A leitura da obra ajuda a entender a principal contribuição de Frankl para a psicoterapia, a importância de se ter um sentido na vida, sentido, buscado no dia a dia de forma concreta, mas que se abre para questões de espiritualidade ou de um super sentido. Dessa forma, Frankl não apenas revisa a tese freudiana de que a religião era um comportamento neurótico, como antecipa conclusões de pesquisas contemporâneas sobre a relação entre espiritualidade e saúde, estudos que demonstraram que professar uma religião, está associado a menor prevalência da depressão, de tentativas de suicídio, drogadicção e a baixos índices de estresse e ansiedade. E ainda mais, que se abrir a assuntos ligados ao espírito, incluindo os valores produz benefícios de bem estar, como saber lidar com o sofrimento, aumento da autoestima, esperança, felicidade e otimismo. 

sábado, 15 de junho de 2019

PROGRESSO SINCRÔNICO DA HUMANIDADE. Selvino Antonio Malfatti.




Quem contempla a História humana, vista de cima, de forma teórica (sentido grego-paisagem) constata que somos unos tanto nos acertos como nos erros. A colaboração das conquistas científicas e filosóficas é compartilhada entre os povos. As descobertas orientais dos chineses, da antiguidade, por exemplo, passaram para o ocidente europeu. Podem ser citadas a bússola, a pólvora, o papel e impressão.
Por sua vez, o ocidente faz também importantes descobertas, as quais os orientais incorporam à sua cultura. Podemos citar; tamanho da Terra e sua distância em relação ao Sol e à Lua, o modelo geocêntrico do sistema solar, a química. Um dos fatos mais curiosos foi com o pensamento de Aristóteles. Primeiramente animou o ocidente e foi esquecido. Os árabes o levaram para oriente e posteriormente Averróis o traz novamente para a Europa. O comércio entre oriente e ocidente sempre existiu desde os mais remotos tempos, como atestam as Rotas Comerciais.
Uma reflexão da mitologia greco-romana até as divindades célticas e africanas, da sociedade egípcia à inca, da escrita suméria ao sânscrito dos Vedas e o mistério da língua etrusca, das guerras pela posse do mediterrâneo às cruzadas, de Cleópatra aos Templários, de Constantino a Solimão, o Magnífico, da Esfinge de Gisé ao Parthenon, do Coliseu às Muralhas chinesas, dão um magnífico testemunho do intercâmbio entre oriente e ocidente.
Salta aos olhos a seguinte observação: o olhar dirigido ao firmamento dos povos antigos, tanto orientais como ocidentais da antiguidade. A observação do movimento dos corpos celestes, a disposição das estrelas e constelações, a dinâmica dos astros. Os antigos procuram deduzir disto as consequências sobre nosso planeta, as tempestades solares, eclipses, ciclos lunares. Nos traçados urbanos, nas disposições arquitetônicas e outras manifestações nos levam a crer que os antigos, tanto no oriente como no ocidente, conheciam os segredos da frequência e da energia. As disposições das pirâmides e outras construções megalíticas revelam o uso dos recursos naturais. Se ocorrem, entrementes, outros elementos imiscuídos, como liturgias religiosas, é somente para despistar curiosidade populares.
Em que pese o pensamento oficial atestar que civilizações antigas nunca tiveram contatos entre si, como egípcios e maias, no entanto há sinais evidentes de que tiveram uma origem comum. Tomemos somente um caso: os Diálogos entre Timeu e Crísia, de Platão, transparece o mito de uma civilização Mãe, insinuando a existência de Atlântida, uma ilha legendária situada além das Colunas de Hércules, que possibilitou o contado entre terras distantes entre si. As provas disto estão nas artes, arquitetura, organizações estatais, mitologia, religião entre outras. Através da Atlântida teriam ocorrido intercâmbios ocultos de novos conhecimentos, embora distantes uns dos outros.
Corroboram, sobretudo, numerosas analogias que nos levam a refletir a diversidade e unicidade cultural. A teoria evolucionista, pela qual quando um determinado grupo social chega a um estágio passaria para outro patamar cultural, não consegue explicar a propagação cultural. A teoria do difusionismo apresenta-se como a mais apta atualmente para explicar o fenômeno. Embora de maneira diversa, praticamente todos os povos creem numa vida pós-morte, mumificando os corpos na esperança de uma futura união novamente. Adornavam os cadáveres com máscaras de ouro como sinal da eternidade. Construíram portais, erigiram obeliscos, alçaram torres em lugares mais inóspitos, tudo isso para externar uma vida vindoura.
O Sol , divindade que aparece em primeiro lugar, figurando como símbolo de equilíbrio entre as estações. Povos houve que evocavam o Terceiro Olho, interior, imagem da glândula pineal na testa, lugar central do Eu imanente e transcendente.
Estes e outros testemunhos atestam a veracidade do pari passu cultural da humanidade, sem perder de vista a heterocidade. 
Mas,  se ainda assim preferirmos insistir mais na diversidade do que na unidade, então, a RAZÃO COMUM, ninguém pode negá-la.




domingo, 9 de junho de 2019

A EDUCAÇÃO INTEGRAL DO HOMEM NA FILOSOFIA DE MANUEL ANTUNES. Samuel Dimas, Professor auxiliar da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.


Este artigo procura explicitar o sentido integral da educação apresentado na obra do Padre Manuel Antunes, que não visa apenas a instrução técnico-científica, mas sim a formação humana nas suas dimensões ética, estética, filosófica e religiosa. O teólogo e filósofo jesuíta recusa, por um lado, uma perspetiva puramente pragmática e utilitarista da ação humana, centrada no progresso da técnica, e recusa, por outro lado, uma perspetiva puramente fixista da vida humana, centrada nos hábitos e nos dogmas filosóficos, ideológicos e religiosos. Dessa maneira, considera que o objetivo da educação humana não é o homo mechanicus nem o homo romanticus, mas sim o homo misericors que se rege pelos valores universais de um humanismo moral e metafísico que identifique o ser do homem (antropologia) e proporcione o seu fazer ser (pedagogia). O homem misericordioso faz uma experiência sofredora da vida, no reconhecimento da ignorância, da finitude e da morte, pelo que encontra na renúncia e na compaixão as formas mais valiosas de educação e humanização. Palavras chave: educação, pedagogia, humanismo, misericórdia. 1.Introdução: para uma educação integral do homem O desenvolvimento cultural que todos desejamos nos planos ético, estético, filosófico, religioso e científico, para que o homem realize o seu projeto humanizador de forma integral, não é possível sem a educação e esta não se pode concretizar sem uma pedagogia. Consciente desta necessidade, o professor e mestre português Padre Manuel Antunes propõe uma educação que dê primazia à formação sobre a informação e que não reduza o sentido da vida humana ao desempenho econômico-científico e à eficácia da técnica. O homem realiza-se enquanto homem pela educação, mas que dimensões inclui esta humanização e de que saber precisa o homem para a concretizar no dinamismo do devir histórico? 

A arte da educação na unidade indissolúvel entre pensar, sentir e fazer Educar é fazer tomar o hábito ou o costume de alguma coisa, ou seja é edificar e formar nos valores culturais da comunidade em que se habita, sejam eles no plano da eficácia produtiva, sejam eles no plano estético, moral e religioso. O saber que humaniza não é apenas o da instrução utilitarista e pragmática, mas é o saber dos valores que traduz a realidade vital e essencial do homem. Como nos diz Manuel Ferreira Patrício, em diálogo como seu mestre Manuel Antunes, o saber que educa o homem e que o faz ser aquilo que é e deve ser não é apenas lógico-ontológico (ser), nem apenas axiológico ou normativo (dever ser), mas é também realizativo (fazer e transformar), no sentido de um saber 175 pragmático e realista de uma atitude responsável que exige firmeza e objetividade na decisão (gravitas), da piedade, no sentido de um vínculo interior ao divino e aos outros membros da comunidade familiar e social (pietas), da simplicidade, no sentido do reconhecimento do valor autêntico de cada pessoa e de cada coisa e do rigor normativo ajustado de acordo com a medida exata exigido por cada realidade (simplicitas) (ANTUNES, 2005, p. 105-106). Assim, considera Manuel Antunes que uma educação ou é integral ou não é educação, pelo que tem de ter em conta todas as aspirações do homem, incluindo as morais e as metafísicas. Em diálogo com Blondel, considera que a educação é a ação promotora e instauradora de valores, suscitando e conservando atos e formas, ideias e sentimentos, conteúdos e estruturas de humanização através de uma relação livre e intersubjetiva entre consciências. Sendo o homem modificável, a educação deve ser ativa para que o homem saiba construir o seu meio criando valores e assumindo responsabilidade perante os mesmos, promovendo não apenas o surgimento de grandes cientistas e técnicos, mas também de sábios e santos. Só mediante uma visão global do ser do homem se poderá escolher o método adequado para a sua educação (ANTUNES, 2005, p. 175-178). Se a ciência aponta para o saber, a arte aponta para o fazer, e a educação reside, pois, nessa arte de saber fazer bem o projeto de humanizar o homem, socorrendo-se, para tal, da pedagogia que operacionaliza estratégias e técnicas para concretizar esse objetivo. Mas Manuel Ferreira Patrício prefere usar o termo antropagogia para caraterizar esta arte teórica e prática de educar o homem na unidade de pensar aquilo que se faz e de fazer aquilo que se pensa: «(…) a antropagogia é a teoria e prática da educação do homem no horizonte de plenitude de sua humanidade» (PATRÍCIO, 2000, p. 76). 3.Educar para o homo misericors Que tipo de homem procura esta antropagogia? Manuel Antunes considera que o objetivo da educação é o homo misericors que se compadece, escuta e renuncia. Uma renúncia no sentido do amor cristão, que, que como nos diz Afonso Botelho, não significa a perspetiva pessimista gnóstica de abdicar do mundo que Deus criou e viu que era bom, mas a perspetiva otimista de uma aceitação livre e responsável da nossa experiência dramática da existência, que implica uma relativização dos bens materiais transitórios e uma adesão total aos bens definitivos de ordem ética e metafísica que têm na relação com a interioridade dos outros e com a transcendência divina o seu valor supremo (BOTELHO, 1951, p. 5). O homem da bondade e do serviço, da reconciliação e da indulgência, da aceitação e da compreensão, da escuta e da paciência, que se compadece com o sofrimento e dificuldade do outro, realiza-se na sua verdadeira humanidade e acede à via da transcendência divina em que essa humanização se plenifica (ANTUNES, 2005, p. 87). O caráter absoluto e divino da misericórdia está no facto de a sua essência não se alterar com as diferentes culturas e épocas, embora possa diferir na forma de se exteriorizar e concretizar: Aqui, manifesta-se distribuindo os ricos os seus bens pelos pobres; revela-se ali como o escudo do fraco e do oprimido; mais 176 além, surge como piedade universal pelos homens e pelas coisas; mais perto de nós, misericórdia pode ser sinónimo, no despojo pessoal, da promoção da justiça e da fraternidade entre os homens e entre os povos (ANTUNES, 2005, p. 87). O padre Manuel Antunes recorda que a misericórdia, a compaixão e a caridade têm a sua raiz no movimento do coração, que é símbolo da afetividade, suscitado pela miséria ou adversidade do outro. Assim, Deus é por excelência o sujeito de mi 177 alegados artificialismos da cultura e do progresso. O autor adverte para o perigo desta atualização das ideias de Rosseau e para a substituição da imagem fragmentada de um mundo mecânico e técnico em permanente dispersão pela imagem idílica e fascinante de um mundo natural orgânico e belo sem injustiças e sem constrangimentos, que tem como consequência a difusão de ideologias e utopias irrealistas e desajustadas à realidade. A tentação de regressar ao mito antiquíssimo da idade de ouro e à alegada pureza originária da ordem social e da organização religiosa de instituições, como o Cristianismo, ignora as dificuldades, turbulências e desordens dessas épocas e desconhece que vivemos num movimento de progressivo desenvolvimento cultural tendendo para uma vida mais harmoniosa que não se encontra no passado, mas sim no futuro, e cuja plenitude só será atingível na realidade escatológica trans-histórica. Reconhecemos nesta posição de Manuel Antunes uma recusa das configurações gnósticas e neoplatónicas da realidade que concebem a existência mundana como o resultado de uma queda e degradação de uma vida pré-existente perfeita que é preciso restaurar. O regresso à origem da história amanhecente deve servir apenas para renovar o compromisso atual com a energia desse espírito dinâmico e simples da juventude, pelo que o importante não é a reconstituição do passado, mas a descoberta da intuição originária fundante ainda despojada dos assessórios de usos e costumes que o tempo acrescentou. Apesar do abuso da técnica e do excesso de intelectualismo, o caminho não é o de regresso, mas sim de progresso para a criação de um novo estilo de vida e de pensamento assente na complementaridade entre a racionalidade, a imaginação e a emoção que evite alienação e promova a humanização (ANTUNES, 2005, p. 60-68). No seu entender, é a misericórdia que poderá restabelecer a unidade perdida da intuição auroral do projeto da criação, representada pelo mito de origem, elevando-nos para além da alienação e esvaziamento do império da técnica e da exploração irracional dos recursos pelo homo mechanicus (ANTUNES, 2005, p. 90). O regresso utópico e escatológico a uma atitude mística e contemplativa da beleza das criaturas e da instauração da justiça, na distribuição equitativa dos bens, já não pode ser feito sem a aliança da misericórdia com a técnica, da ecologia com a economia, da solidariedade com a política. Mesmo que isso signifique uma perda da eficácia na produtividade, encerra um ganho em valores mais importantes como a comunhão, a qualidade de vida e a limitação da violência, na reunião daquilo que o economicismo dispersou, o tecnicismo endureceu e o sociologismo massificou. Este encontro de sentido na História humana só é possível porque a misericórdia é, ao mesmo tempo, ideia e ação, pensamento e sentimento. 4.Uma Educação fundada na filosofia da Vida e da História que promova o espírito crítico Em contraposição com a filosofia platônica que firmava a verdade na realidade imutável e abstrata das ideias por distinção com a verdade aparente e ilusória da existência sensível, Manuel Antunes empreende uma filosofia da Vida e da História que defende uma evolução no dinamismo natural de crescimento e transformação cultural e recusa as seguintes perspetivas instaladas na tradição: a) recusa a mentalidade parmenidiana do esquematismo fixista e repetitivo das 178 ideologias e correntes alheias à mudança e ao progresso; b) recusa a mentalidade heraclitiana do esquematismo fluxionista e instável dos anarquismos sem leis e valores em ansiosa procura de permanente novidade e mutação científica e tecnológica que gera insegurança e desorientação; c) recusa a mentalidade revolucionária do esquematismo libertarista e voluntarista de certos movimentos, como o iluminismo e o racionalismo modernos, que defendem o niilismo e o relativismo; d) recusa a mentalidade revolucionária do esquematismo igualitarista e totalitarista de certos movimentos socialistas que de forma utópica imanentizam valores escatológicos apenas plenamente realizáveis no tempo supra-histórico; e) e recusa a mentalidade fanática e intolerante do esquematismo dogmatista, alheia à valorização da pluralidade e da diferença que se traduz pela imposição sentenciosa e pela justificação sofística com a estrita finalidade da eficácia (ANTUNES, 2005, p. 93-10). Como tal, Manuel Antunes defende a necessidade de uma educação que supere estes esquematismos, mitologias e ideologias provocados pela angústia e pelo medo e que desenvolva o espírito crítico, no reconhecimento de que estes esquematismos são categorias vazias e construções a priori sem conteúdo. Perante a diferença e a ameaça do desconhecido e do estrangeiro, o homem constrói esquemas conceptuais que o oriente e lhe dê segurança individual e coletiva, daí resultando práticas como o terrorismo ou o fixismo. Recordemos a destruição do patrimônio religioso e cultural por parte de fanáticos como os talibans. Cabe à educação a tarefa de superação da estreiteza destes esquematismos entregues ao capricho e ao desejo irracional, construindo uma nova mentalidade mais aberta, justa, compreensiva e misericordiosa (ANTUNES, 2005, p. 102) que atenda à necessidade vital e autêntica de cada pessoa em saber encontrar uma resposta de sentido para as suas inquietações mais profundas. Como refere Ortega y Gasset, só é homem aquele que se realiza autenticamente por íntima necessidade. Ora, o homem faz metafísica na procura de uma orientação radical para a sua situação dramática de desorientação e perdição existencial, procurando pelo sentido originário do ser e do saber acerca do ser e dos seres (GASSET, 2008, p. 564-565). Como afirma Manuel Antunes num diálogo implícito com o pensador espanhol, o sistema de educação deve abranger o conhecimento fatual empírico e experimental da ciência e o conhecimento valorativo da sabedoria filosófica e religiosa, não apenas pela aquisição extrínseca de informação, mas pela compreensão em profundidade da sua origem. Sem modelos e valores que o guiem no sentido e destino, o homem fica sujeito à anarquia e à desorientação: «Para agir e, principalmente, para agir de forma construtiva e criadora, é indispensável ao homem um mínimo de certeza e de confiança, de sentido do próprio destino e do destino da humanidade em geral» (ANTUNES, 2005, p. 157). 5. Para uma conciliação entre a ciência dos factos e a sabedoria dos valores e do sentido do destino do mundo e do homem Em consonância com a reflexão epistemológica contemporânea, o pensador português reconhece que nem a ciência, nem a filosofia nem a religião podem oferecer ao homem a verdade total porque esta só a Deus pertence. Nesse sentido, critica as posições de um certo infantilismo metafísico que, sob a 179 influência da exigência de verificação experimental e da exigência do dogmatismo ideológico, constituem um obstáculo ao educador que procura ser testemunho da sabedoria. Para que este trabalho seja facilitado perante as exigências da presente conjuntura cultural, é importante que tenha uma informação ampla da História e se deixe guiar por uma criatividade e audácia que não o intimide perante o futuro: «Conjugar o passado e o presente, a sabedoria e a ciência, as culturas e a cultura, a história e a prospectiva, o rigor e a compreensão, eis algumas dessas exigências» (ANTUNES, 2005, p. 159). A nossa cultura industrial, tecnológica e digital, concebida num espaço homogêneo e dinâmico sempre em expansão, exige uma educação melhor que não obedeça apenas ao princípio da eficácia, mas também ao princípio do dever ser, e que acompanhe a permanente inovação dos diversos quadros sociais num dinamismo ascensional de secularidade e de cultura renovadora e inventiva que supere a aceitação do passado e da tradição. Vivemos numa sociedade de relativa paz e de abundância, sob o magistério das Luzes e do Progresso da Ciência e da Técnica que procura minimizar o sofrimento e procura instaurar a justiça social, pela obediência aos valores da liberdade e da fraternidade, em que a educação é um fato, uma necessidade e um dever. A educação é um fato, porque sem educação o homem é apenas uma possibilidade, constituindo-se como uma das criaturas mais desprovidas da escala zoológica, tal como poderemos comprovar através da análise do caso das crianças que não foram educadas humanamente e adquiriram as caraterísticas da sua circunstância animal com grande atraso no desenvolvimento mental. É o meio humano, através de uma linguagem, que oferece os gestos, imagens, ideias e emoções, possibilitando a elevação a um nível superior da simples animalidade. A educação é uma necessidade, porque a humanidade não surge como um dado, mas sim como uma conquista e uma construção. A educação é um dever pessoal e social, porque sem ela a cultura torna-se desumanizadora, numa desordem intelectual e moral, que viola a dignidade da vida humana e o instaura na barbárie. Mas num mundo em que proliferam as ciências e as técnicas, os fatos e os dados, as teorias, as ideias e as emoções, parece que os sistemas tradicionais de educação já não dão resposta. Para quê educar? A educação não pode servir apenas para se ser um excelente profissional, mas tem de ter como objetivo o homem integral na particular atenção ao bem comum e à realização pessoal, não em conformismo e servidão, mas na realização de atos livres capazes de fazer surgir novas formas de cultura e novos sentidos da realidade que está em progressivo e inventivo desenvolvimento (ANTUNES, 2005, p. 178-180). 

Postagens mais vistas