sexta-feira, 30 de outubro de 2015

ÉTICA CRISTÃ. José Mauricio de Carvalho (organização)




A ética é uma disciplina filosófica e sua origem histórica remonta à Grécia, sendo ali a contribuição mais clara o livro “Ética a Nicômaco”, de Aristóteles. Este fez uma análise racional dos costumes das cidades - estados da antiga Grécia e assim, a ética consolidou-se na tradição ocidental, como reflexão racional sobre os costumes aceitos, considerados adequados e justos para promover a felicidade. O modelo ético aristotélico consolida-se dissociando se da política, o que não fora feito na filosofia platônica. Aristóteles valoriza a virtude para ser feliz, o que equivalia, para ele, ser bom cidadão na polis. A tradição ética, herdada dos gregos, estabeleceu um diálogo com a judaico-cristã, que no início da Idade Média já se tomara referência para o homem europeu. A moralidade judaica nasceu associada à religião e foi delineada no Pentateuco, no Velho Testamento. Sua base é o decálogo mosaico cujo registro remonta ao século VI ou V a. C. depois da volta do exílio na Babilônia.
Conforme lembra Jaspers na Introdução ao pensamento filosófico, o Decálogo é "maravilha de simplicidade para todos os tempos [...] pois, é de uma vez só revelado e capaz de convencer o homem enquanto homem" .
Conta a Bíblia Judaica que um pouco antes de 1200 a. C., um judeu criado na corte do faraó, de nome Moisés, liderou um grupo de escravos na fuga do Egito. O grupo de libertos entrou no deserto em busca de uma nova terra, para viver e a eles outras tribos nômades associaram-se nessa fé e esperança comum. Acreditavam que o Deus que os tirara do Egito lhes daria uma terra livre de dominação. Esse era Um Deus diferente dos encontrados na região, um DEUS vivo e poderoso que caminhava junto com o povo e ouvia seu clamor.
Propunha-lhes, em contrapartida, uma forma de viver sem a qual seria impossível sobreviver no deserto, e menos ainda organizar-se como povo na terra da esperança.
Ao conceder-lhes a liberdade política e lhes oferecer uma nova vida, DEUS deu-lhes regras capazes de assegurar a liberdade íntima e uma vida socialmente organizada. Independente de compartilhar a fé desse grupo, a caminhada pelo deserto e a instalação na nova terra somente foi possível porque os se submeteram à autoridade de Moisés e as regras que ele lhes deu em nome de Deus. E Moisés apresentou a regra para viver em grupo, uma regra em mandamentos também encontrados entre outros povos da região, mas não de forma tão simples e completa. Como não acreditar que aquela síntese proviesse diretamente do Deus poderoso que estava realizando o extraordinário prodígio de libertar o povo de um reino poderoso e levá-Io a salvo pelo deserto?
Assim entenderam os que seguiam Moisés. Eles tomaram a sério o código mosaico embora as regras pudessem parecer um código banal ou uma síntese
superficial. A história revelou que as regras não eram banais, o seu uso mostrou-se uma orientação maravilhosa para viver em sociedade. Em nossa cultura, distinguimos, portanto, duas tradições, a grega e a judaico-cristã, cada qual com seu propósito, mas que se entrecruzaram na formação da cultura ocidental. O cristianismo foi quem primeiro aproximou a herança grega da tradição judaica e abriu espaço para um diálogo entre a vida religiosa e filosófica. Contudo, não podemos entender que enquanto disciplina filosófica a ética esteja na dependência da religião, pois seu desenvolvimento seguirá caminho autônomo. O que se quer dizer é que os valores cristãos influíram na ética filosófica e na base da cultura ocidental, embora a tradição filosófica tenha se mantido autônoma.
O que foi dito no parágrafo anterior nos coloca diante de dois
aspectos fundamentais presentes nesse livro. De um lado, a ética filosófica, tem tradição própria e tem objetivos diversos da ética judaico-cristã. De outro, a última também possui história própria, mas elementos das duas tradições
se juntam na formação da chamada cultura ocidental. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CORRUPÇÃO POLÍTICA NO BRASIL E ITÁLIA. Selvino Antonio Malfatti


Sempre me convenço mais que há uma similaridade entre a corrupção política italiana, exposta a partir de 1990, e a corrupção política brasileira, esta, vindo a público a partir das denúncias de Roberto Jefferson, em 2005. Na Itália a ação foi deflagrada após a prisão de Mario Chiesa. Ambas têm muitos pontos em comum e, claro, outros divergentes. Comuns é o sistema multipartidário e diverso o sistema de governo. Na Itália, parlamentarismo; no Brasil, presidencialismo. Uma das características mais marcantes nos dois casos é o envolvimento de membros de quase todos os partidos. Vejamos.

1.    O sistema de poder italiano até a década de Noventa era multipartidário.  Um partido com maioria simples, coligado com outros partidos formava o governo. Faziam-se as eleições, o partido conquistava a maioria relativa, o Presidente da República nomeava o Presidente do Conselho e este deveria fazer as coligações para apresentar um ministério com a confiança das duas câmaras. O eixo da política italiana girava em torno do partido, que até então compunha um governo num sistema de coligações. O partido de liderança, na Itália, era a Democracia Cristã.

2. O sistema político brasileiro também é multipartidário, com um partido de maioria simples que necessita coligar-se com outros partidos para conseguir maioria no Parlamento. O eixo da política brasileira gira em torno de um partido com suas coligações. Até aí nada demais. O problema começa a emergir tanto lá como cá com adoção do critério das coligações. Isto é, quando o critério passa a ser pecuniário que pode ser em espécie ou benefícios como ministérios, cargos, sinecuras e outros. O partido governo governista, no Brasil, é o Partido dos Trabalhadores.

3. A partir de Noventa na Itália emergem denúncias de corrupções. As tentativas para sanar eram sistematicamente neutralizadas pelos parlamentares. No Brasil ocorreu a mesma coisa. Até se ensaiou Comissões Parlamentares de Inquérito, mas a maioria deu em nada.

4. Na Itália o volume de denúncias foi colossal. Os crimes de Tangentopoli ou Mani Pulite podem ser classificados sob vários critérios. Seguimos o critério de Luca Ricolfi . Conforme este autor, as acusações de crimes podiam ser classificados em a) abuso de poder, b) econômico-fiscais e patrimônio, c) potencialmente de mera transgressão, d) Comportamentos violentos ( atentados, homicídios, seqüestro de pessoas),  e) associações ( mafioso, delinqüente, subversiva, militar, partido fascista), f) Opinião e informação ( revelações de segredos de ofício, instigação a desobediência às leis, difamação, vilipêndio de instituições, apologia ao fascismo, e outros),  g) Rixa e conflito, h) outros ( danos efetivos, comportamentos dolosos, atos provocativos).   Um sintético inventário dos inquéritos judiciais nos levaria a nada menos que 914 processos, envolvendo 179 tipos de crimes. Dentre estes, os mais citados foram corrupção inerente ao cargo ( 165), extorsão ( 167), divulgação de notícias falsas ou tendenciosas ( 170), falsidade ideológica, de informação e escrita  ( somadas as três:  511), Inobservância de ordens de autoridades ( 179), ameaças obrigando a cometer crime ( 169), acordo entre contribuintes para o não pagamento de impostos ( 162), atentados ( 156), homicídios ( 75),  enfim uma infinidade de acusações.   

5. No Brasil a situação é praticamente idêntica. Os partidos, uns mais outros menos, engalfinhara-se na luta por verbas O estopim tem início quando um funcionário dos Correios é flagrado recebendo propina. Desde então, até o presente, veio a público uma dezena de casos semelhantes. Os de maior repercussão foram acusações de crimes envolvendo parentes do Presidente Luís Inácio Lula da Silva - os denominados casos Lulinha e caso Vavá -, o saque de Roberto Marques - assessor e amigo do ministro José Dirceu -, Paulo Okamotto - pagador de contas do Presidente .- as movimentações milionárias em paraísos fiscais do publicitário Duda Mendonça, a violação de privacidade e gestão fraudulenta do ministro Antonio Palocci, as ações de Henrique Meirelles tentando liquidar os bancos Mercantil e Econômico, a duvidosa intervenção do Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos na tentativa de encobrir a violação do sigilo bancário por parte do ministro Antonio Palocci, a concordância da nacionalização dos bens da Petrobrás na Bolívia por parte do executivo brasileiro, as propinas recebidas através do Dossiê Dantas, as Comissões Parlamentares de Inquérito, sem falar no assassinato ainda não elucidado do prefeito de Sento André, Celso Daniel, e na renúncia do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu (Carneiro, 2006). Comissões Parlamentares de Inquérito se multiplicam, atualmente já passam de uma dezena. Tiveram início com as dos Bingos, depois dos Correios, em seguida com a do Mensalão e continuaram com a da Imigração Ilegal, da Terra, das Armas, da 8iopirataria e do Extermínio do Nordeste. E novas estão surgindo, como a da Anatel e das Empresas de Telecomunicações, a do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, a que trata do Registro Nacional de Veículos Automotores - Renavam, CPI das Sanguessugas e outras. Atualmente a maior ação na justiça é o Lava-Jato que envolve o núcleo do poder, como o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e atual presidente Dilma Rousseff, além de deputados, senadores e políticos de primeiro escalão.

6. Tanto na Itália como no Brasil as tentativas para estancar a sangria da corrupção eram neutralizadas pelos próprios parlamentares. O efetivo julgamento e condenação dos acusados somente ocorrem quando se iniciam os processos judiciais processando políticos de liderança nacional de envolvimento com o mundo da criminalidade, da corrupção, do tráfico de influência e do crime organizado levando-os à prisão.

7. A situação atual, na Itália, praticamente o processo está concluído e no Brasil está em andamento.


sábado, 17 de outubro de 2015

Relacionando. José Maurício de Carfvalho




Aprendemos a lidar com o mundo a partir da experiência que formamos dele. O modo como o mundo aparece para mim é a forma que ele parece verdadeiramente ter. Nós, modernos ocidentais, aprendemos a tratar as coisas dessa forma ou a acreditar que assim é. O mundo parece ser algo para mim. Acabamos convencidos de que nossa forma de entender o mundo o representa bem. Acreditamos nisso. Uma forma que vai além da percepção individual e tem elementos objetivos e compartilhados. Esse modo de pensar foi uma construção histórica.
Os historiadores do pensamento ocidental encontram a raiz da formação da consciência subjetiva ou subjetividade no final da Renascença. O filósofo francês René Descartes foi quem conseguiu expressar o que o homem do seu tempo vislumbrava, tudo quando via, tudo quanto sentia, tudo aquilo que ouvia e que chegava a sujeito não era simples exterioridade, como se pensou durante séculos. De fato, muitas gerações que se sucederam na história, desde os tempos antigos até o século XVII imaginavam que assim era. Parecia-lhes que  as coisas existiam fora de nós e de alguma forma vinham para dentro de nós. Descartes mostrou que era problemático ter alguma certeza se ficássemos em tal entendimento. O processo podia não acabar bem e o mundo não se mostrar adequadamente. Então Descartes fez da consciência pessoal o lugar da certeza. Enquanto o homem antigo estava voltado para fora, Descartes passa a tratar da pura intimidade como o espaço da certeza. Penso, e, no mais íntimo de mim, descubro-me como ser no mundo. E como ser no mundo posso me relacionar com as coisas e com as outras consciências.
Essa descoberta extraordinária reorganizou o modo como tratamos as coisas e os outros. Porém, essa descoberta maravilhosa, esse ponto de transformação na compreensão da realidade, que não pode ser desconsiderada depois de descoberta, acabou levando a  exageros pelas gerações que seguiram Descartes. O próprio corpo já não era algo que podia ser pensado como outro, o que se sabe dele é uma ideia, uma representação do que ele verdadeiramente é. Saber como essa consciência forma a compreensão de si e das coisas e o modo como lida com o mundo ocupou gerações de pensadores. E pelo processo de exageração do que encanta porque é nos mostra o que é maravilhoso, a própria vida e tudo o que nos rodeia se reduziu-se a pensamento. Descartes não entende que o mundo pode enriquecer a consciência, ao contrário, ela fica isolada. E o resultado do isolamento é a solidão, adquire-se consciência da singularidade ontológica, isto é, de sermos únicos e diferentes de tudo.
Se essa descoberta nos legou grandes coisas, se aprendemos que nosso saber do mundo refere-se ao nosso próprio modo de conhecê-lo e lidar com ele, se a experiência da solidão ontológica de alguma forma parece válida hoje em dia, o homem moderno também aprendeu que não podia reduzir o mundo aos conteúdos da consciência. E esse processo e as relações que ele contém tem muitas implicações e capítulos. Não é preciso descrevê-lo detalhadamente. Basta registrar que, de todos os modos, esse grande eu que tanto cresceu até se tornar Absoluto, no idealismo de Hegel, teve que ser reduzido a sua real dimensão pelos filósofos que o sucederam. Somos um mundo, experimentamos o entorno e o colocamos na borda do eu. Vamos nos abrindo e descobrindo que aquilo que existe não cabe no que pensamos. Contudo, isso que está além da consciência subjetiva nunca se revela integralmente a ela, porque tem aspectos que a ultrapassam, embora apareçam como parte da consciência.
Estamos aprendendo a conviver com isso, o mundo parece algo para nós e somente o entendemos assim, mas ele tem aspectos que não se limitam à fenomenalidade da consciência, tem algo que vai além dela.
E entre muitas coisas que ultrapassam o que pensamos, que está além do que imaginamos, está o outro. Este outro que é mais do que somos capazes de pensar, que nunca se enquadra no que esperamos. Contudo, esse outro sujeito não é um absolutamente outro, como é a matéria em sua composição íntima. A matéria  escapa a nossa apreensão, embora possamos dela ter uma representação. Esse outro que não sou eu, mas que tem algo comum comigo pode me ensinar muitas coisas.
Quando viemos ao mundo integramos uma comunidade, nascemos numa família, pertencemos a uma sociedade, isto é, nascemos nos relacionando. Logo na infância muitos de nós experimentam o desagradável aperto nas bochechas, especialmente se são vermelhas e redondinhas. É nossa entrada na sociedade, o aperto na bochecha é a forma moderna de iniciação social. É o outro que emerge para apertá-la como sinal de nosso reconhecimento com membros de um grupo. É o outro que também presenteia, que sorri, que afaga, que se alegra com nossas peraltices.
À medida que crescemos os relacionamentos ganham significado. Os outros deixam de ser fonte de satisfação ou insatisfação, classificados conforme aliviem nossas necessidades, nos distraiam ou aborreçam. Os outros têm nome, estabelecem relações e ensinam a lidar com o entorno. Aprendemos a nomear as coisas, aprendemos a pensar com o grupo, aprendemos a usar as referências linguísticas da sociedade para descrever o que se passa conosco e a nossa volta.
A descoberta do outro é momento fundamental da nossa relação com o mundo. Descobrimos que ele nem sempre responde nossas expectativas, nem sempre faz o que esperamos e muitas vezes faz o que não entendemos. O outro é liberdade e ação, ele é diferente das coisas que funcionam com regularidade. Se ligamos um computador ele oferece os programas instalados, os relógios marcam as horas, a lâmpada se acende quando apertamos o interruptor e o filtro purifica a água. Se essas coisas não funcionam como delas se espera é porque seu mecanismo se corrompeu. No entanto, o outro não é assim, ele pode fazer algo diferente de nossas expectativas sem se ter corrompido. Quão difícil é lidar com isso que somos no outro, como é difícil aprender que os outros também têm um roteiro singular de existência. Aprendemos a chamar isso de liberdade, uma experiência que também vivo.
E assim, quando nos distanciamos da relação simbiótica com os pais e adquirimos autonomia, descobrimos que esse outro não atrapalha nossa existência com sua liberdade, ao contrário, ele ajuda a me conhecer. Ele me ensina a ter paciência, pede que supere o meu egoísmo e permite que eu construa minha singularidade nesses relacionamentos.
Esse outro é sexuado, ele é homem e mulher. Refiro-me apenas ao modo como ele se sente e se apresenta para não entrar na desnecessária polêmica da homossexualidade, que nada muda no que aqui falamos. É que homens e mulheres, embora tenham papéis sociais que se definiram no desenvolvimento das sociedades, adquiriram comportamentos singulares que lhes parecem naturais. Assim é o capricho feminino na ornamentação do corpo e do lar, a dedicação da mulher aos filhos, ou o esforço masculino de desenvolvimento da técnica e controle do mundo. Pois bem, não interessa tratar dessas relações como subordinação ou exploração, que ocorreram em períodos históricos definidos, mas realçar que no encontro com esse  outro vive-se a maravilhosa experiência do amor. Essa é uma das mais importantes dimensões do relacionamento, a descoberta do outro como objeto de amor.
Com o amado ou amada surge uma comunidade de afetos, desejos, projetos e sonhos, com ele ou ela a vida ganha gosto e alegria. Nos últimos anos esse núcleo central de amor social vem mudando de perfil, mas não importa as transformações pelas quais passa a família. Ela pode ter menor número de filhos, os parceiros podem muito se preocupar com o desenvolvimento pessoal e profissional, eles podem ter filhos de outras relações, se viverem uma comunidade de amor, o amado ou amada oferecerá as mais importantes experiências humanas de tolerância, dedicação e entrega. E há ainda a alegria dos filhos que surgem desse amor, esses outros que não são extensão de nós, nem de nossos projetos, mas que não deixam de ser uma parte de nós diferente de nós. Os filhos ensinam melhor que todas as outras lições da vida, que os relacionamentos humanos não são completamente estranhos, embora não se limitem ao que pensamos que sejam. O amor aos filhos é um bom começo do amor que podemos desenvolver para com os outros homens. Jesus disse que mesmo quem pratica o mal consegue dar boas coisas aos filhos. E assim é, com os filhos é possível fazer boa experiência de amor.
E as relações familiares trazem a presença desse outro. Se seus desejos podem entrar em conflito com os meus, é esse outro o que mais profundamente muda a minha existência e o rumo dos meus instintos. Ele não é só quem integra minha família, ele forma comigo uma comunidade de destino. Ele constrói páginas de futuro quando juntos escolhemos o devir do nosso grupo. Ele permite viver a experiência da transcendência, só possível porque partilhamos uma humanidade comum. Podemos construir relacionamentos concretos, pessoais e diretos que nos mantenham em nosso sentido pessoal, sem nos fechar egoisticamente em nós mesmos.
E entre os outros que existem no mundo pode-se descobrir um Outro extraordinário. Aprendemos como sociedade a chamá-lo Deus (não importa a forma de entendê-lo) porque Ele não é como os homens e mulheres que conhecemos. Contudo, a experiência bíblica e nossa razão mostra que somente chegamos a esse grande Outro, através dos homens e mulheres que encontramos.Talvez Deus seja, como a matéria, um verdadeiramente Outro, porque nossas semelhanças são insignificantes dada a sua transcendência.
Os relacionamentos humanos possuem muitas dimensões, a jurídica, a política e a esportiva, por exemplo. Contudo, é a experiência de amor que dá às relações pessoais sua realidade mais alta. Porque o amor rompe com as regras escritas e acordadas para facilitar a vida, o amor revoluciona os relacionamentos como revoluciona as regras. Por isso, Jesus de Nazaré foi rejeitado na sua sociedade porque seu amor aos outros não cabia nas regras que os homens criaram para viver e se sentir confortáveis.




sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A ética teológica e o mundo contemporâneo. José Mauricio de Carvalho - Professor do IPTAN




Introdução à ética teológica de Inês Millen, Ronaldo Zacarias e José A. Trasferetti representa o esforço inovador dos autores para tratar os problemas da moral teológica. Constituído de abordagens independentes têm seu nexo num paradigma distinto da casuística.
E qual a novidade dessa perspectiva? O capítulo inicial trata, como referência do novo paradigma, a autonomia da vontade, afirmação semelhante à que faz Karl Jaspers no capítulo X da Introdução ao pensamento filosófico (9. ed., São Paulo: Cultrix). Naquele livro, ainda que se limitando ao decálogo mosaico, o filósofo alemão afirmou que os ensinamentos bíblicos (1993): "falam à conveniência, através da razão. Levantando-se por sobre a paixão, a violência, o instinto, o capricho. Dando-lhes obediência, o homem concretiza sua liberdade existencial" (p. 108). Jaspers destaca que a autonomia da vontade é aspecto fundamental na limitação do instinto, acompanhando o que ensinara Emmanuel Kant na Métaphysique des moeurs (In. Ouvres Philosophiques, v. II, Paris, Gallimard). Naquela obra escreveu Kant (1985):  "L´autonomie de la volunté est cette proprieté qu'a la volunté d´être à elle même sa loi (independamment de toute proprieté des objects du vouloir)" (p. 308). Isso significa que, para Kant, as máximas escolhidas o deviam ser por imposição da vontade do sujeito e não vir de fora, como diz Inês Millen no capítulo inicial. Outro aspecto que ela destaca é a fonte deste novo paradigma nos documentos do Concílio Vaticano II, vinculando-o às renovações promovidas pelo Concílio.
No capítulo seguinte, ao tratar da libertação que Cristo trouxe ao homem, a mesma teóloga associa liberdade e dignidade, considerando-as pontos inflexíveis da moral contemporânea. Há desdobramentos desses elementos, como explicamos em Ética (São João del-Rei: UFSJ, 2010): "a dignidade da pessoa humana, o amor como ideal de vida, a vida pessoal como um que fazer em liberdade, a construção da liberdade política e do estado de direito" (p. 160).
No outro capítulo, ao considerar a opção fundamental que preside a vida do homem, José A. Trasferetti trata de assunto caro a filosofia orteguiana e existencialista. Apresenta a opção fundamental, que o filósofo espanhol ensinou ser a fidelidade ao núcleo mais íntimo de si mesmo, como escolha que desemboca em Deus. 
O capítulo seguinte, que considera a consciência, trabalha a noção de subjetividade moderna e seus elementos marcantes, a consciência de si, do mundo e seu caráter intersubjetivo. Dito de outro modo, contempla os diversos aspectos "da subjetividade como reflexão sobre o eu mesmo" (CARVALHO, José Mauricio de. Subjetividade corporalidade na Filosofia e na Psicologia. São Paulo: Filoczar, 2014, p. 160). Quando o autor examina a consciência de si não explicita a distinção entre consciência psicológica e corporal, mas as distingue bem da consciência moral e explica o sentido preciso de uma ética teológica para o estudo da subjetividade. Ele coloca na consciência o selo essencial da presença de Deus no homem. O capítulo de Traferetti sobre o projeto de vida incorpora os aspectos fundamentais do que o raciovitalismo orteguiano ou existencialista indicam como aspectos fundamentais da existência humana, historicidade, situação, circunstância, direção existencial como um teólogo moralista enxerga o problema, isto é, com a questão do sentido vivida na direção para Deus, em tensão permanente com as exigências do quotidiano.
O capítulo de Ronaldo Zacarias sobre valores e normas morais é um texto de Axiologia. Sua abordagem se aproxima de Max Scheler (cf. o capítulo sobre Max Scheler em Problemas e teorias de ética contemporânea. Porto Alegre: Edipucrs, 2004), trazendo a axiologia para o diálogo com a teologia moral que não era a pretensão do filósofo alemão. Também é notável sua aproximação das reflexões de Miguel Reale sobre Axiologia.
O capítulo sétimo considera a importância de ter um sentido ético como guia para a vida. Por outro lado, ao preconizar a positivação em leis de ideais corre o risco promover o idealismo jurídico com todos os males que dele deriva, como se explica em Caminhos da moral moderna. (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995). As razões o próprio autor percebe, a busca de realizar ideais é sempre feita em meio a contradições e nunca se efetiva de modo pleno.
O penúltimo capítulo há uma novidade interessante, a leitura do pecado na vida considerada como projeto e foi tratado como fruto da irreflexão contemporânea. Esse mal foi tema de outros filósofos além de Hannah Arendt. Eles atribuíram os males contemporâneos à incultura, como  fez, por exemplo, Ortega y Gasset ao considerar nosso tempo como a era das massas incultas. O capítulo final aborda a dificílima missão da Igreja de interpretar a vontade de Deus e examina os cuidados que é preciso ter quando se trata dos assuntos de moralidade. O pano de fundo é sempre entender o que desejaria o Senhor Jesus se estivesse aqui e agora, em sua existência terrena.
O livro enfim é esforço de três teólogos moralistas para tratar de assuntos contemporâneos e importantes para a vida da Igreja em nossos dias.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

MUÇULMANOS MODERADOS MOBILIZAM-SE CONTRA OS RADICAIS. ANTÔNIO PAIM.



Devido à visibilidade da violência praticada e incentivada no mundo árabe, trazemos hoje um estudo do eminente Professor Antonio Paim sobre o questão. Esta existe também no seio da cultura cristã, mas a religião não é invocada. Ao contrário, na cultura árabe uma parcela fundamenta sua ação em motivos religiosos e nisso consiste a especificidade.  

Diz Antonio Paim:

 "Na França, o Ministro do Interior acumula a função de Ministro dos Cultos. Quando ocupou o cargo (entre maio de 2002 e março de 2004)), Nicolas Sarkozy constatou que --ao contrário do que ocorria em relação a judeus e cristãos-- os muçulmanos careciam de órgão representativo com o qual se entendesse o governo nas questões jurídicas e administrativas relacionadas aos respectivos grupos sociais. À vista disto, criou o Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM).
       Presentemente, na França, estima-se (o Censo não registra a religião dos recenseados) que os muçulmanos correspondam aproximadamente a seis milhões de pessoas, equivalentes a cerca de 10% da população (66 milhões). Assinale-se que parcela substancial desse contingente é constituída de emigrantes das antigas colônias  situadas no Norte da África (Marrocos, Tunísia, Mali e Argélia) que, na maioria dos casos adotam a cultura francesa e criam os descendentes tratando de integrá-los.. Nessa circunstância, o CFCM segue uma linha que o distancia do islamismo fundamentalista e radical, sem embargo de que marquem presença no país e cometam atentados terroristas hediondos, a exemplo do assassinato dos jornalistas do periódico humorista Charlô. Por sua vez, o governo força essa integração, revestindo-se do poder de cassar cidadania e expulsar radicais tão logo sejam identificados. Emblemático da política de integração é a proibição de sinais exteriores que distingam os muçulmanos do comum da pessoas, a exemplo do uso da burka.
      Le Figaro (edição de 2/06/2015) dá grande destaque a livro do reitor da Grande Mesquita de Paris, Dalil Boubakeur --Letre ouverte aux Français (Editions Kero)-- que vem de exercer o mandato de Presidente do mencionado Conselho (CFCM). De certa forma, pareceu-nos que complementa a interpretação de Ayaan Hirtsi Ali, que tivemos oportunidade de comentar, de que já dispomos de tradução brasileira, a cargo da Companhia das Letras.
      Dalil Boubakeur responsabiliza diretamente a Arábia Saudita pela difusão do islamismo radical. Diz expressamente que “impõe sua visão graças a seu petróleo”. Na França, é identificado comosalafismo. A linha que preconiza consiste em não deixar apenas nas mãos do Estado a incumbência de combatê-los.
      De forma prática, o Conselho Francês do Culto Muçulmano estimula a criação de órgãos regionais aptos a assumir essa linha do mesmo modo que mesquitas mais representativas. Na edição que estamos seguindo são apontados vários exemplos, que em síntese referimos a seguir.
      Na visão do imã de Alfortvisse, Abdelali Mamoun, “não se trata de fechar as mesquitas mas de desembaraçar as associações mantenedoras de malfeitores que se incumbem de difundir o ódio.” O reitor da grande mesquita de Lyon, Kamel Kabtane, por sua vez, ao comentar a reação contrária aos acontecimentos do mês de janeiro (assassinato dos jornalistas antes referido), adverte: não se deve  condenar as comunidades em seu conjunto, cabendo reconhecer que, dada a enormidade da tarefa, “não podemos agir sozinhos. Temos necessidade do Estado.”
      O Presidente do Conselho Regional do Culto Muçulmano de Rhones-Alpes, Abdelikader Laid Bendidi destaca a importância da vitória jurídica alcançada pela Mesquita de Oullins, apoiada pela CRCM, contra iman auto proclamado, ao mesmo tempo em que chama a atenção para a necessidade de manter-se vigilantes contra os salafistas.
         Le Figaro registra a opinião do padre Christophe Roucou,  que considera “bom conhecedor do assunto”, encarregado das relações da Igreja Católica com as entidades islamitas: “O problema é o contraste entre a lentidão institucional das instâncias muçulmanas e a urgência dos acontecimentos. As jovens gerações, sensíveis a esse distanciamento, perdem a confiança. Quanto aos radicais, afastam-se das mesquitas. Será necessário esperar uma geração para superar esses distanciamentos.”

         Por fim, o jornal destaca a atuação do Ministro do Interior e dos Cultos, Bernard Cazeneuve. Este enfatiza que o Estado é inflexível contra os pregadores do ódio religioso. Declara: “os incitadores do ódio não são tolerados”. Indica que, desde 2012, quarenta imans foram expulsos e vinte deles são objeto de instrução que terminará por expulsá-los."

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

JA verdade política. José Mauricio de Carvalho





Uma das queixas mais repetidas nas redes sociais sobre o último processo eleitoral que levou à Presidência a Sra. Dilma Rousseuff foi a falta de objetividade na apresentação dos problemas nacionais e na condução no debate político. Queixa-se que a atual Presidente não expôs claramente os problemas e a forma de enfrentá-los. E isso é uma amarga verdade, embora também exista junto à queixa legítima muito golpismo e recusa do resultado eleitoral por um grupo da elite política e social do país de índole não democrática.
O problema é grave não porque a atual Presidente fez isso. Esse hábito ruim tornou-se prática corrente em nosso tempo, para todos os cargos e para quase todos os processos eleitorais que assisti nos últimos 30 anos. Tancredo Neves e Itamar Franco, à parte as excentricidades deste último, foram os únicos Presidentes que falaram antes as dificuldades que o país precisava enfrentar e a forma como precisava ser feito antes de assumir os cargos. Resumamos o problema. Nos últimos processos eleitorais o marketing televisivo e a propaganda fantasiosa substituiu ou eclipsou o debate político e a apresentação dos programas partidários. Espantou-se a verdade política para o reino da fantasia e da mentira. Essa situação se agrava pela multidão de partidos presentes no cenário nacional, sem definição ideológica, boa parte deles legenda de aluguel ou espelho de vaidade para dirigentes.  
Para não ficarmos em teoria não custa refrescar a memória da campanha eleitoral que levou a Presidência o Sr. Fernando Henrique Cardoso. Entre outras coisas não ditas ou anunciadas, ele quase acabou com a gratuidade do ensino público universitário e por um triz não acabou também com a Universidade Pública. Foi assessorado pelo Ministro da Educação que escolheu, o Sr. Paulo Renato de Souza, um político banqueiro que se fantasiou de educador. Esse senhor que, de fato nunca foi educador, não escreveu um único trabalho sério sobre o assunto, não deixou nenhuma contribuição notável na área, tornou-se ministro da educação e secretário da educação dos governos de São Paulo. Pergunto: depois de sua morte alguém leu alguma obra que ele deixou sobre educação? Foi defendida alguma tese universitária sobre sua pedagogia? É pena, mas tornou-se prática colocar um político e não um especialista para ocupar a pasta da área. Pior que esse mal costume foi vê-lo apresentado, pela imprensa sectária e ignorante como grande educador, um notável especialista que estava fazendo revolução pedagógica. Na verdade, isso não é fazer política de  forma séria. Isso é esconder a verdade na política, uma prática que tem se repetido desde então.
Espero que as atuais críticas não fiquem no episódio do dia e levem a superação do erro que o alimenta, que se exija qualidade no debate político. É o que se espera daqueles que se preocupam não com as próximas eleições, ou com benefícios pouco confessáveis, mas com o futuro do país. É preciso partidos políticos ideologicamente definidos, em um número razoável (o atual é fora de propósito), é necessário tornar hábito o esclarecimento dos problemas políticos, é necessário substituir o marketing fantasioso, por uma avaliação objetiva dos problemas, é preciso nos associar ao melhor do mundo civilizado: defender a liberdade, o estado de direito e a pessoa humana.
O propósito da política é conduzir o destino do país, edificar uma sociedade melhor, mais justa, menos desigual, sabendo que isso não virá com as práticas correntes do idealismo jurídico (ou por lei e decreto), medidas populistas, marketing fantasioso se sobrepondo ao debate político, fantasia sobre a realidade, com partidos políticos sem ideologia e programas claros, sem trabalho, sem esforço sério,enfim, sem verdade política.



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Mudanças Político-sociais. Selvino Antonio Malfatti




Há duas formas de se promover as mudanças político sociais: separar o joio do trigo ou lavrar joio e trigo juntos. No primeiro caso se vai buscar o que está  errado, o que é obsoleto, o que não funciona. É a reestruturação. No segundo caso, se faz terra rasa e depois se promove tudo novo. É a desestruturação.
Na Antiguidade, pode-se dizer que os primeiros a proporem a restruturação foram Platão e Aristóteles, ao estabelecerem como norte para a política a PRUDÊNCIA.  Era preciso cautela, verificar somente o que fosse um estorvo, removê-lo e manter o que estivesse bem.
Já na Idade Média, temos Santo Agostinho e Santo Tomás, que  pregaram  o bom senso, o meio termo, o costume, a lei natural. Aqui também se agia com cautela, prudência para não cometer injustiças ou deixar a sociedade perdida.
continuando a evolução histórica, na transição do antigo regime medieval para o novo, moderno, confrontam-se  os dois modelos encarnados na revolução britânica e na revolução francesa. A primeira extirpou o que já não correspondia aos novos tempos da idade moderna. No entanto, aproveitou o que havia de bom.  A monarquia foi mantida, mas dotada do sistema representativo, os novos capitalistas foram incorporados à representação e introduziu-se o voto, em quer pese, ainda censitário, e a religião também mereceu reformas, mas mantida.
A França também faz sua revolução,  mas abole tudo para erigir um edifício novo. O rei primeiramente despojado de seus poderes, depois decapitado, Os estados gerais abolidos. Os parlamentos fechados, os conselhos destituídos, a religião laicizada. O poder foi entregue aos representantes, os quais, populisticamente, aliaram-se ao povo e instauraram um democratismo, uma democracia totalitária.
Três aspectos foram introduzidos que acabaram de pôr por terra todas as tradições francesas: o sistema eleitoral, a divisão do poder e a publicidade dos atos governamentais. O sistema eleitoral privilegiava o número, na divisão do poder o executivo e o judiciário ficaram submetidos à Assembleia a qual vai anulando uma a uma as tradições do reino. Na divisão do poder, submeteram todos à Assembleia e a publicidade dos Atos governamentais tinha ou um controle interno, “a se”, ou o povo era chamado à toda hora para externar sua vontade, c omo aconteceu com os líderes Marat e Robespierre. A consequência: tudo ruiu. O povo não sabia mais a quem obedecer.
 É neste contexto que surge o livro de Edmund Burke – Reflexões sobre a Revolução em França - denunciando as arbitrariedades cometidas pelos revolucionários franceses ou libertários.
Poderão dizer alguns que no fundo é uma crítica conservadora à revolução francesa. Com certeza. Mas, analogicamente, veja-se o que acontece com a ciência. Nesta nada se cria do nada, ao contrário se “descobre” o que já existe. Aquilo que não corresponde com isso, é afastado. Então, faz-se uma nova reestruturação do conhecimento.
Pode-se dizer que foi Burke que primeiro teorizou o modelo de reestruturação, no sentido de que estabeleceu como critério da mudança, uma REFLEXÃO sobre a realidade fazendo a devida crítica. É um modo de pensar, digamos prudente, que posteriormente foi seguido por vários outros,  como Tocqueville. Atualmente, um dos mais destacados é Russell Kirk. Como age a política da reestruturação  ou conservadorismo?
1º As instituições político-sociais não são somente uma preferência, ou objeto da preferência própria, mas o preferível, o desejável, o objeto de uma antecipação da direção normativa da ação humana.
2º Não é um mero ideal que se possa prescindir, mas o guia das próprias escolhas apresentadas a cada um individualmente e à sociedade como um todo. É o próprio critério de juízo.

3º É uma possibilidade de escolhas, uma disciplina racional antecipada das preferências podendo acolher umas e eliminar outras. É uma autêntica possibilidade do exercício do livre arbítrio, acreditando na universalidade e permanência dos valores.

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