sábado, 17 de dezembro de 2016

Natal e esperança. José Mauricio de Carvalho



Vivemos dias de violência no interior das sociedades nacionais, sem tantas ameaças e guerras entre Estados, mas com crescente desrespeito à dignidade humana no interior dos Estados. Isso se mostra tanto em guerras abertas como se vê na Síria e Iraque, como nas disputas entre bandos rivais de traficantes e entre eles e a polícia no Brasil. Essa mesma violência se mostra em países da África como no conflito envolvendo a Nigéria, o Benin, Chade, Camarões e Níger e o grupo islâmico Boko Haram. E onde a violência não é aberta, como na corrupção política, também não se vive os tempos de paz da fraternidade universal do Sinai. E não custa lembrar nesses dias de explícita corrupção, que é uma forma de violência roubar o dinheiro da sociedade para custear o luxo suntuoso e ilegal.
E o que estrutura a fraternidade universal? Tivemos oportunidade de comentar no livro Ética (2010, p. 29-31). Uma das fontes da moral ocidental é a tradição judaico-cristã, ou melhor, os mandamentos da lei mosaica. O que há neste Código? Ele resume as regras morais que desde muitos séculos antes de Cristo servem de guia de conduta para o povo judeu. Os judeus as reconhecem como sagradas porque acreditam que foram entregues diretamente por Deus a Moisés. Elas se destinam a servir de orientação para uma vida plena, conforme o plano traçado pelo Criador. Os hebreus foram escravos no Egito e para orientar os tempos de liberdade que se seguiram à fuga liderada por Moisés através do deserto, Deus lhes ofereceu regras para bem viver em liberdade, assegurando também com elas uma disciplina interna. Os judeus acreditam que o cumprimento do Código será cobrado quando a pessoa se apresentar diante de Deus depois da passagem pela vida terrena. O Código mosaico orienta a relação do homem com Deus do seguinte modo: “Não terás outros deuses, não farás imagens divinas e nem as adorará”. As regras também disciplinam o convívio social: “Honrarás pai e mãe, não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não darás falso testemunho contra o próximo”. O cumprimento das normas, à parte do destino religioso do crente, era também cobrada na vida social.
Essas regras formam a base do convívio humano e fornecem o ideal de vida do homem ocidental, mesmo do não religioso. E assim é porque esse humanismo hebreu foi fundido e aprimorado nos evangelhos de Jesus e daí se tornaram a base da moral ocidental. E não é difícil perceber que nesses nossos dias onde se está distante da fraternidade universal, as regras de moralidade andam pouco cuidadas e a crença religiosa também tem pouco impacto na vida diária. Mesmo os socialistas de ontem, que beberam dessa fonte fraterna, perderam o essencial da mensagem porque não há socialismo possível sem uma mudança íntima e comprometimento pessoal com a justiça. O socialismo do progresso e da técnica que apenas confia no Estado termina nalguma forma de desastre.
Pois esse mundo de violência precisa da festa do natal, não de enfeitar ruas e comprar presentes, mas de fazer isso para celebrar o nascimento do enviado de Deus. O que temos para comemorar é a vinda do menino que veio ensinar que a missão dos homens é o serviço entendido como o tecido formador da fraternidade universal. Um trabalho feito na excelência do empenho pessoal, dedicado a tornar melhor a vida dos outros. Um trabalho onde o objetivo seja a construção de um mundo de paz e garantir o pão ganho honesta e corretamente.



sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

SEXALESCENTES OU… SEXYGENÁRIOS? Por Tita Teixeira



Se estivermos atentos, podemos notar que está a surgir uma nova faixa social, a das pessoas que estão em torno dos sessenta/setenta anos de idade, os sexalescentes – é a geração que rejeita a palavra “sexagenário”, porque simplesmente não está nos seus planos deixar-se envelhecer.

Trata-se de uma verdadeira novidade demográfica – parecida com a que, em meados do século XX, se deu com a consciência da idade da adolescência, que deu identidade a uma massa jovens oprimidos em corpos desenvolvidos, que até então não sabiam onde meter-se nem como vestir-se.

Este novo grupo humano, que hoje ronda os sessenta/setenta, teve uma vida razoavelmente satisfatória.

São homens e mulheres independentes, que trabalham há muitos anos e que conseguiram mudar o significado tétrico que tantos autores deram, durante décadas, ao conceito de trabalho. Que procuraram e encontraram há muito a actividade de que mais gostavam e que com ela ganharam a vida.

Talvez seja por isso que se sentem realizados… Alguns nem sonham em aposentar-se. E os que já se aposentaram gozam plenamente cada dia sem medo do ócio ou solidão. Desfrutam a situação, porque depois de anos de trabalho, criação dos filhos, preocupações, fracassos e sucessos, sabe bem olhar para o mar sem pensar em mais nada, ou seguir o voo de um pássaro da janela de um 5.º andar…

Neste universo de pessoas saudáveis, curiosas e activas, a mulher tem um papel destacado. Traz décadas de experiência de fazer a sua vontade, quando as suas mães só podiam obedecer e de ocupar lugares na sociedade que as suas mães nem tinham sonhado ocupar.

Esta mulher sexalescente sobreviveu à bebedeira do poder que lhe deu o feminismo dos anos 60. Naqueles momentos da sua juventude em que eram tantas as mudanças, parou e reflectiu sobre o que na realidade queria.

Algumas optaram por viver sozinhas, outras fizeram carreiras que sempre tinham sido exclusivamente para homens, outras escolheram ter filhos, outras não, foram jornalistas, atletas, juízas, médicas, diplomatas… Mas cada uma fez o que quis: reconheçamos que não foi fácil e, no entanto, continuam a fazê-lo todos os dias.

Algumas coisas podem dar-se por adquiridas.

Por exemplo, não são pessoas que estejam paradas no tempo: a geração dos “sessenta/setenta”, homens e mulheres, lida com o computador como se o tivesse feito toda a vida. Escrevem aos filhos que estão longe e até se esquecem do velho telefone para contactar os amigos – mandam e-mails com as suas notícias, ideias e vivências.

De uma maneira geral estão satisfeitos com o seu estado civil e quando não estão, não se conformam e procuram mudá-lo. Raramente se desfazem em prantos sentimentais.

Ao contrário dos jovens, os sexalescentes conhecem e pesam todos os riscos. Ninguém se põe a chorar quando perde: apenas reflecte, toma nota, e parte para outra…

… Os homens não invejam a aparência das jovens estrelas do desporto, ou dos que ostentam um terno Armani, nem as mulheres sonham em ter as formas perfeitas de um modelo. Em vez disso, conhecem a importância de um olhar cúmplice, de uma frase inteligente ou de um sorriso iluminado pela experiência.

Hoje, as pessoas na década dos sessenta/setenta, como tem sido seu costume ao longo da sua vida, estão estreando uma idade que não tem nome. Antes seriam velhos e agora já não o são. Hoje estão de boa saúde, física e mental, recordam a juventude mas sem nostalgias parvas, porque a juventude ela própria também está cheia de nostalgias e de problemas.

Celebram o Sol em cada manhã e sorriem para si próprios… talvez por alguma secreta razão que só sabem e saberão os que chegam aos 60/70 no século XXI!




Autor não identificado

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

A Tragédia e a História. José Mauricio de Carvalho













Na noite do dia 29, a última terça-feira do mês de novembro de 2016, um acidente aéreo matou 19 dos 22 jogadores da equipe de futebol da Chapecoense. Os jogadores se dirigiam à cidade de Medellín, na Colômbia, para enfrentar o Atlético Nacional pelo primeiro jogo da final da Copa sul americana. No voo iam também dirigentes, jornalistas e a comissão técnica da equipe. A maioria dos tripulantes e passageiros faleceu, totalizando 71 pessoas.
Diante desse fato, envolvendo tantas pessoas, a maioria jovem e tantos atletas fica, em todos nós, a inevitável tentativa de compreender o acidente. E as primeiras respostas reproduzem os últimos instantes antes do acidente, busca-se entender os fatos, procuram-se as razões que o provocaram e um cuidadoso estudo se inicia conduzido pelas autoridades aéreas. Algumas pessoas se satisfazem com as respostas que nascem daí, faltou combustível, a companhia aérea assumiu um risco desnecessário, o avião ficou aguardando autorização para pousar, a gasolina acabou, etc. Mas é claro que se pode ir além dessas respostas. Pode-se perguntar porque essas coisas acontecem com os homens? Os gregos quando se viram diante de acontecimentos semelhantes teorizaram sobre a tragédia. Aristóteles a resume como a luta heroica, narrada de forma elevada e que termina de forma triste, com a desolação completa ou a morte dos heróis. E esse sacrifício é incontornável, apesar dos heróis se rebelarem contra o desfecho, não o desejarem, o fim inevitável mostra a força do destino que a todos arrasta contra a vontade. A tragédia é o olhar para a vida mesma, com os fatos que a tipificam, deixando de lado as tentativas de mascarar os desastres ou mistificar a existência humana.
O acidente com os jogadores da Chapecoense, até a batida do avião na montanha e a condução dos corpos e sobreviventes para os hospitais tem todos os componentes descritos pelos gregos, há os heróis em luta para vencer um grande desafio (vencer o jogo final do campeonato sul americano), há a narração épica que enaltece o trabalho dos atletas que se preparam e lutaram para chegar a esse momento, há o imprevisto e terrível fim que a todos arrasta para um final impensável e o fracasso, perderam a batalha. Os fatos que se seguem mostram um final diverso da análise grega.
A cidade de Chapecó, nesse acidente, não apenas chora seus mortos, mas se mobilizou, arrumou o estádio para recebe-los, mostrou toda sua dor, mas se prepara para recomeçar depois de enxugar as lágrimas e enterrar seus mortos. A tragédia uniu a comunidade, deu-lhe uma base que solidifica, um sentimento de pertença. Todos os habitantes da cidade torcem para o clube, todos desejam seu sucesso. Sentindo-se juntos e unidos enfrentarão melhor as adversidades e vencerão os desafios futuros. As nações precisam partilhar esse sentimento comum de pertença para funcionarem como uma verdadeira comunidade. Do contrário serão apenas um agregado de pessoas.
A cerimônia no estádio de Medellín, realizada na hora do jogo, resume as inúmeras manifestações de solidariedade humana que ocorreram no Brasil e no exterior. Muitos torcedores e pessoas ao redor do mundo mostraram sua solidariedade e ofereceram ajuda diante do sofrimento das famílias das vítimas, da cidade de Chapecó e do Brasil. Mas o time, dirigentes e torcedores do Atlético Medellín fizeram algo melhor, eles tornaram aqueles que o destino matou vitoriosos. Os adversários da final foram reconhecidos como vencedores, dando um novo sentido à tragédia. Nessa linda atitude a mão que dirige e é senhora da história, orientou e dirigiu os fatos para um novo final. E junto com os torcedores, atletas de dirigentes do Atlético Medellín nada mais resta que se juntar a esse emocionante coro que reconheceu os vitoriosos e cantar com eles: “vamos, vamos Chape”.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O REFERENDUM DA REFORMA CONSTITUCIONAL NA ITÁLIA. Selvino Antonio Malfatti.


No dia 4 de dezembro acontecerá na Itália um Referendum sobre a Reforma constitucional.  Como no Brasil há muitos descendentes de italianos inclusive uma parcela significativa com cidadania italiana e apta a votar vamos apresentar alguns comentários.
A atual constituição italiana vigora desde a reforma eleitoral da década de Noventa. Nesta foram feitas profundas mudanças à anterior que deveriam ser apresentadas ao eleitorado. Naquele momento os partidos não queriam as reformas, pois deveriam mudar suas estratégias eleitorais. A mais importante foi a questão do sistema eleitoral que passaria de proporcional para majoritário. Em 1991 os eleitores comparecem maciçamente, isto é, em torno de 77% do eleitorado.  Houve uma maioria favorável ao “SÌ” em todas as camadas sociais, em todas as classes, setores, faixa etária, gênero, capitais e interior, regiões e até mesmo nos partidos, com exceção do Movimento Social Italiano. Em relação às regiões, percebeu-se a liderança no centro – Norte, em favor do “Sì”  em relação ao sul.  Também se verificou um nível médio de consenso na chamada “Zona rossa”, e, na “zona bianca”, também se percebeu uma alta concentração do “Sì”. Ficaram bastante caracterizadas as regiões e suas preferências, ou pelo “Sì”, ou pelo “NO”. Isto levou os observadores a levarem em conta estes dados quando a câmara dos deputados irá elaborar a lei eleitoral. 
 Neste embate, saíram desgastados os dois grandes partidos que formavam a já longa coligação centro-esquerda. A Democracia Cristã, no centro, em que pese ter apoiado o sistema uni-nominal, não só o fez porque a opinião pública já se manifestara neste sentido, mas porque, pensavam os líderes, a votação que receberia no sul compensaria as perdas de outras regiões, principalmente do norte. O Partido Socialista, esquerda, inicialmente foi contra, mas como precisava da Democracia Cristã para que Craxi pudesse se tornar Presidente do Conselho, também apoiou. Por isso, não foi devido ao apoio dado por esta coligação que o “SÌ” venceu, mas pela vontade autônoma da sociedade em relação aos partidos, com decidida determinação de mudar o estrato incrustado no poder central. Por isso, o resultado da campanha referendária não pode ser relacionado com a opção dos partidos. Venceu, inclusive, em partidos que tinham se declarados contra o uni-nominal ou majoritário.

Se naquela reforma o foco principal era o sistema eleitoral agora será o sistema camarário, os poderes concernentes a cada câmara: a câmara dos deputados e senado ou a câmara alta e baixa. Até agora valia o sistema bicameralismo perfeito, pois as duas câmaras tinham os mesmos poderes e as mesmas competências. É de ser dar ênfase que um expressivo número de senadores ingressa por voto indireto quer pelo estabelecido em lei, quer por nomeação de alguma autoridade.  Por isso o número de senadores é altíssimo em relação a outros países: 315 membros.
A reforma atual já recebeu a aprovação do Parlamento. Na Itália, uma Reforma Constitucional primeiramente é feita pelo Parlamento e depois submetida `aprovação plebiscitária. Um exemplo típico foi a aprovação do divórcio que suscitou uma enorme celeuma devido a oposição da Igreja. O Parlamento a aprovou na esperança que o povo a rejeitasse. No entanto, o povo também aprovou. O mesmo está ocorrendo com a nova reforma constitucional.  Falta agora submeter à aprovação plebiscitária.
Se for aprovada, isto é, se vencer o “SI”, o bicamelalismo congruente deixará de existir. Cada câmara terá suas competências e poderes distintos.
O senado, por sua vez, baixará de 315 membros para 100 senadores. Não terá mais funções legislativas e se dedicará a leis que disserem respeito à constituição, referendos populares, sistemas eleitorais de entidades locais e ratificação de tratados internacionais. Pensa-se que com isso o governo terá mais agilidade para aprovar leis. Como o sistema de governo é parlamentar, isto é, o presidente é uma figura simplesmente representativa, será eleito pelas duas câmaras, mas com maior número de votos necessários, que antes.
A cédula terá o seguinte enunciado:
“O senhor aprova o texto da lei constitucional referente: Disposições para o superação do bicamelalismo paritário, a redução do número de parlamentares, a contenção dos custos do funcionamento das instituições, a supressão do Cnel (Conselho Nacional de Economia e Trabalho) e a revisão do título V da Constituição”?
No fim da cédula constarão duas opções das quais o eleitor escolherá uma:

          ( SIM)                                                  (NÃO)

Se vender o SIM as reformas propostas pelo Parlamento serão aprovadas, caso vencer o NÃO as reformas serão rejeitadas





sábado, 19 de novembro de 2016

Tiradentes e a República. José Mauricio de Carvalho


Dia 12 de novembro se comemora o batismo de Tiradentes, data que fica para a história como seu aniversário. E nesta semana em que devíamos celebrar seu nascimento quase não lembramos de Joaquim José da Silva Xavier, confirmando tristemente que cuidamos pouco da memória nacional e de nossos heróis. Em São João del-Rei houve comemoração cívica com a participação de autoridades locais e soldados do batalhão de infantaria da cidade, conhecido como Regimento Tiradentes. Foi só. É pouco para o que representa Tiradentes para esse país.
Com a visão de estadista, em um de seus discursos emblemáticos, da sacada do Palácio da Liberdade, Tancredo Neves chamou atenção para o fato: "Minas nasceu da luta pela liberdade. E porque a liberdade é o ânimo das Pátrias, a Nação surgiu aqui, na rebeldia criadora dos Inconfidentes, que nos deram por bandeira o mais forte de todos os ideais". De Tiradentes, em outro momento, afirmou algo assim: " Como afirmou Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, se quisermos poderemos fazer desse país uma grande nação".
As pátrias precisam do que as una, do que as façam se sentirem uma comunidade nacional. Uma República não é apenas um punhado de homens ocupados em ganhar a vida, pouco interessados nos seus companheiros de destino, sem enxergar em todos os cidadãos partícipes de um projeto comum de afirmação e permanente fortalecimento da nacionalidade.
E Tiradentes morreu condenado pela justiça portuguesa, naqueles dias representando um governo fechado no absolutismo, pouco atento aos ventos do iluminismo e sem perceber que a colônia podia se tornar parceira fundamental para maior desenvolvimento de ambas. Essa mesma insensibilidade fez com que as elites portuguesas, sob a égide de uma revolução apenas chamada de liberal, pretendessem pouco tempo mais tarde, desmoralizar o príncipe regente que o Rei aqui deixou para gerir um novo Reino Unido a Portugal e querer fazer esse Reino retroceder à condição de colônia. E esse jovem regente conseguiu realizar o que Tiradentes sonhou como o destino nacional, dando, finalmente, aos brasileiros a liberdade que anima as pátrias.
E assim, ficamos livres, mas esquecemos o caminho trilhado. Também não pensamos sobre o significado de República. Não daquela que os inconfidentes imaginaram naqueles dias do século XVIII, mas inspirada pela mesma alma de liberdade e de cidadania que naqueles dias os inspirou. Sem isso não se conseguirá enfrentar com sucesso os desafios de hoje, o entendimento de que República é um Estado para todos, que exige reduzir a enorme diferença social dos cidadãos, que pede uma educação para a cidadania que está longe de ser contemplada nesse projeto horroroso de reforma educacional em implantação, que pede que cuidemos melhor uns dos outros em benefício de todos. Numa República verdadeira faz pouco sentido a despreocupação com outros cidadãos.
Voltar a Tiradentes e ao sonho de uma República livre, o que não tem necessariamente a ver com o sistema de governo como bem explicou Kant, mas com a construção de um espaço de liberdade responsável, moralidade pública, fortalecimento do estado de direito, liberdade de expressão, memória cívica, trabalho sério e fraternidade nacional. Todos ideais a serem cultivados, ideais a serem buscados, ideais a inspirar a luta diária e estímulo para vencer os problemas que a vida renova diariamente.


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O MODELO AMERICANO DE DELEGADOS ELEGEU TRUMP. Selvino Antonio Malfatti





O Presidente dos Estados Unidos é eleito indiretamente pelo povo e diretamente por delegados dos estados. Nos Estados Unidos este sistema acopla duas fórmulas: o de delegados e o sistema eleitoral majoritário. 
Pelo primeiro, os partidos políticos de cada estado apontam candidatos a delegados. O povo vota no presidente e estes votos são computados para os delegados. O sistema é majoritário por que quem venceu a eleição no estado fica com todos os delgados atribuídos a cada estado. Há duas exceções, mas praticamente não influem decisivamente.
No fundo neste sistema subjaz a primeira ideia na Independência americana: formar uma confederação, isto é, todos os estados seriam soberanos. O meio termo foi a confederação: os estados teriam autonomia, mas não soberania. 
No século XVIII se fosse adotado o modelo eleitoral majoritário isolado, com eleição direta para presidente, os estados mais populosos sempre elegeriam os presidentes. Seria o “café com leite” americano. Para evitar isso instituiu-se uma máximo e um mínimo de delegados propiciando um equilíbrio entre os estados mais populosos e menos populosos. 
Foi uma espécie de poder moderador americano na disputa presidencial. O modelo de delgados estabelece um paralelo com Brasil do século XIX. O imperador, através do Poder Moderador, nomeava o Primeiro Ministro ANTES da eleição. Feita a eleição o partido vencedor seria do primeiro ministro nomeado pelo imperador. Então, quem fazia a alternância de partido no governo era o poder moderador. Se deixasse livremente os estados (na época províncias) mais populosos sempre ganhariam. A prova em contrário está no que aconteceu quando foi tirado o poder moderador: São Paulo e Minas Gerais sempre venciam as eleições.
Afora este detalhe os Estados Unidos adotam o sistema eleitoral majoritário ou distrital ao contrário do Brasil que adota o proporcional. O primeiro  coloquialmente é chamado de first-past-the-post. Nele, o candidato com maior número de votos que o outro é eleito, sendo cada membro da instituição eleito pela mesma maneira. Esse sistema é adotado pelo Reino Unido, Canadá e Estados Unidos e em outros contextos não governamentais. Até é bastante comum, nesse sistema, de o partido eleger mais candidatos que o total do número de votos, isto é, ter mais eleitos que eleitores. Esse sistema possui variante, quando exige um segundo turno para o candidato que não fez mais de 50% dos votos. Nesse caso, exige-se um segundo turno.
O sistema eleitoral distrital escolhe os candidatos dos partidos que estão de acordo com os anseios imediatos daquelas microssociedades. E,como de um modo geral, em cada parcela da sociedade, há interesses mais importantes e iguais à comunidade toda, esse sistema faz que um partido que sintonizar com os interesses mais relevantes de cada distrito consiga mais de 50% dos votos, e outro, menos sintonizado, chegue a menos de 50%, mas próximo a ele. Na próxima eleição a proposta do outro partido pode ser eleita prioritária e o partido anterior ficar em segundo lugar. Esses dois partidos se alternam de eleição em eleição fazendo maioria, estabelecendo-se assim um sistema bipartidário. O sistema bipartidário constitui o fundamento de uma democracia majoritária, como ocorre nos Estados Unidos.
O Brasil, por sua vez, contempla o sistema proporcional, cada partido procura atender a alguns anseios de cada comunidade, tanto da maioria como das minorias, mas sem dar prioridade a nenhum, acaba tendo que abraçar a todos e, com isso, nenhum candidato ou partido fará maioria, configurando-se como resultado, uma gama de partidos mais ou menos iguais, mas sem que nenhum tenha obtido maioria. Esse sistema eleitoral provocou um multipartidarismo. Este, o multipartidarismo, que é o critério do modelo de democracia consensual.
Havendo um partido que faz maioria no parlamento, no sistema bipartidário, se for um sistema de governo parlamentarista, essa maioria fará o executivo e, consequentemente, o governo possui maioria no parlamento, podendo assim aprovar as propostas programáticas. Se for presidencialista, geralmente o mesmo partido que elegeu o presidente faz também maioria no parlamento. Por isso, em ambas as alternativas, haverá um executivo forte. Ora, uma das características do modelo de democracia majoritária é um executivo forte.
Um executivo alicerçado nas alianças ou coligações e dependente de outros partidos para governar é decorrente do sistema multipartidário. Como consequência, haverá um executivo que depende das alianças parlamentares e, em decorrência disso, em igualdade de poder com o legislativo, no qual estão representados todos os anseios da sociedade. Por sua vez, a igualdade de poderes constitui um dos fundamentos do modelo democrático consensual.
O sistema eleitoral distrital força o afunilamento de interesses, prioriza metas concretas e tangíveis e favorece o surgimento de maiorias e, com isso, encaminha-se para o modelo majoritário de democracia.

O sistema proporcional favorece a dispersão da demanda, dando o mesmo valor a metas de maiorias e de minorias. Baseada apenas em critérios partidários é composta de uma maioria com base em uma negociação suprapartidária para obter o apoio dos partidos que participam do governo, originando-se  assim Inclusive uma democracia consensual entre os partidos que pode diferir da maioria da vontade popular. 

Concluindo: não foi o modelo eleitoral majoritário, nem o sistema bipartidário informal que deu a vitória a Trump, mas o MODELO DE DELEGADOS que quem vence não é o que tem mais votos populares, mas mais delegados. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Não se discute moralidade sem Filosofia. José Mauricio de Carvalho


Circula na internet um texto atribuído ao Juiz Sérgio Moro que comenta a importância da consciência moral como mola da ação cidadã. Não estou certo da autoria, mas o texto que corre nas redes sociais lembra o evangelho de Lucas 16, 1-13. O evangelho é conhecido e retrata o administrador infiel que frauda as dívidas com o dono da propriedade, que ele representa, para auferir vantagens pessoais com os beneficiados. Independente da questão teológica, que está voltada ao modo como se usa os bens desse mundo, o texto precisa ser profundamente examinado para não dar a impressão de que Jesus elogia a desonestidade do empregado, o que importa, para o nosso caso, são as palavras do mestre na conclusão da parábola (Lc. 16, 10): "quem é fiel no pouco é fiel no muito e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito".
O texto que circula na Internet, atribuído ao juiz Sergio Moro, aponta para algo parecido, mas não da mesma forma, uma vez que Jesus tinha em vista os bens eternos e levava em conta a realidade do momento, quando o administrador ganhava uma comissão por seu trabalho e não propriamente um salário. Afirma o texto das redes sociais, que o funcionário que faz fotocópias pessoais na empresa, que leva clipes para casa, que não cumpre toda a jornada de trabalho e que aceita, no dia a dia, participar de pequenos fraudes, é o mesmo que, quando chega à política, concordará e participará das fraudes e mal feitos milionários que marcam a história de nossa República. Em outras palavras, atribui à fragilidade moral do povo os desmandos de altos funcionários da República. A abordagem, portanto, lembra, mas é diversa do texto evangélico.  Infelizmente, o problema da corrupção em nosso país ganhou essa proporção porque o sistema político foi arranjado para favorecer tais facilidades, uma multidão infindável de partidos sem razão de ser, sem identidade ideológica e que não representam ninguém, a necessidade de custear um sistema eleitoral cada dia mais caro e baseado em dispendiosas programações televisivas, fato que somado à tradição patrimonialista de governar e a enorme confusão que ela promove ao misturar os bens públicos com os dos governantes, a demora da justiça em punir políticos corruptos, a inúmeras brechas na lei que fazem com que ricos e poderosos consigam escapar de punições rigorosas, tudo isso explica melhor a corrupção atual.
Um raciocínio como esse, se tem razão quando sugere a necessidade da educação moral, falha ao estabelecer essa cadeia de relações. A tentação à desonestidade é universal, e o homem é desafiado a ser honesto a cada hora, em cada momento ao comparar sua ação com o ideal de conduta. Um texto como esse é uma acusação indevida às pessoas que, ordinariamente, se esforçam diariamente, trabalham corretamente e ganham a vida honestamente. E são muitas as que lutam em cada ato para não se beneficiar do que não lhes é devido e viver do justo ganho. A ação moral é realizada a cada instante e em cada situação.
Por outro lado, quando se trata da educação moral do povo adianta pouco o discurso moralista muito a gosto de alguns religiosos. O fundamental para implementá-la é mostrar como a conduta errada prejudica toda a sociedade inclusive o eventual beneficiado do momento, que pode ser prejudicado em outro. Do mesmo modo que o político rouba o dinheiro que poderia ser gasto na saúde, o funcionário da saúde pode atendê-lo mal, desviando o remédio que o médico receitou e não lhe oferecendo a dose certa. Ninguém está a salvo disso, mesmo os políticos espertos que pensam estar recebendo um tratamento adequado e não estão. O que parece fundamental é a discussão correta com a sociedade dos malefícios causados pela desonestidade no funcionamento da vida comunitária em razão da relação que há entre Cultura e Valor, entre Ética e Direito, entre Ética e Religião. Não se trata do discurso moralista, mas de estudo e fundamentação das instâncias normativas fundamentais necessárias ao bom funcionamento da sociedade. Isto se faz com o estudo da moralidade pela ética filosófica, de preferência na escola regular. O fato é triste quando se descobre que o governo quer retirar a obrigatoriedade do ensino da Filosofia, quando ele é necessário para a formação da capacidade crítica do cidadão. Desse episódio a incoerência daqueles que divulgam o discurso do juiz, mas não se preocupam com o ensino da Filosofia e nem com a reforma de ensino proposta pelo governo.
O problema do atual sistema não é que tem muitas matérias é que não tem um critério adequado para avaliar o que realmente precisa ser ensinado e aprendido para a formação cidadã em cada uma delas.



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