domingo, 30 de março de 2014

A CORRUPÇÃO POLÍTICA NO BRASIL: QUEM PODE ACABÁ-LA? Selvino Antonio Malfatti.





Todos os cidadãos desejam acabar com a corrupção. Mas quem pode fazê-lo? Apliquemos o método da eliminação. Comecemos com o executivo. Este evidentemente não será capaz, pois é ele exatamente quem a promove. É ele que negocia com parlamentares, empresários, partidos ou mesmo intelectuais para receber os apoios. Então, o executivo fica descartado.
O legislativo? Com certeza não, porque individualmente um que outro aceitaria pautar-se pela honestidade, mas o todo engole o individual. Como a pressão do executivo se faz sobre a totalidade, isto é, corporativamente, as individualidades devem se curvar perante o todo.
O Judiciário? Com certeza é o único que poderia acabar com a corrupção. Embora tenha um agravante da nomeação do executivo, o juiz deveria rasgar a ficha de filiação partidária quando ingressasse neste poder. No Brasil, por exemplo, a maioria da suprema corte ou foi nomeado por Lula ou Dilma. Mas mesmo assim o judiciário é a última esperança. Vejamos o que aconteceu com a horrenda corrupção política italiana apoiada pela máfia. O judiciário italiano conseguiu vencê-la inclusive com sacrifícios cruentos até mesmo no judiciário.
O mundo político italiano, nos anos Noventa, vinha marcado pelos radicalismos partidários que caracterizavam as administrações Provinciais e Municipais. Estes radicalismos eram decorrentes de facções partidárias estruturadas em cima de ódios e rancores entre  famílias tradicionais e aristocráticas locais. Cada facção identificava-se com um partido. Esta, ao chegar ao poder fazia a política da exclusão dos adversários, fechando os espaços na administração, ensino, sistema financeiro. As listas de candidatos privilegiavam os amigos e parentes do partido majoritário.  Se alguém levasse o caso perante a Corte judiciária, o processo, ou chegava atrasado ou depois da eleição. Taxavam-se impostos conforme as exigências dos correligionários. A própria justiça era influenciada pela ação dos partidos[1]. Mas, até que esta rede de corrupção se manteve dentro de parâmetros que não levassem perigo à sociedade como um todo, foi tolerado. Afinal, depois de alguma reviravolta, o novo vencedor faria o mesmo e compensaria. No entanto o quadro começou a chegar ao limite do tolerado, quando ocorrem suspeitas de que já se haviam estabelecidos liames entre a política e o crime organizado. Começou então o poder judiciário organizar uma ação sobre esta suspeita convocando políticos para deporem. Este foi um dos acontecimentos mais devastadores em termos de desgaste perante a opinião pública e de discórdias internas para os partidos políticos tradicionais, em particular na Democracia Cristã. Os mais importantes tiveram lugar em Milão, batizados com o nome de Mani pulite (mãos limpas). Como o grau de corrupção era endêmico na cobrança de valores extras, chamados “tangenti”, a opinião pública criou um quase “ideal-tipo” de corrupção, localizado numa cidade imaginária, a Cidade das Tangentes, ou Tangentopoli.
O ponto de partida ocorre em fevereiro de 1992 com a detenção do socialista Mario Chiesa. Em março, como se viu, é assassinado, em Palermo, o eurodeputado Salvo Lima. Em maio, novamente em Palermo acontece o atentado com morte contra  o juiz Giovanni Falcone. Em julho acontece a morte de outro juiz Paolo Borselino, também em Palermo. E em dezembro, o deputado socialista Bettino Craxi é convocado pela Justiça. Há tentativas de serem freados os inquéritos por parte do governo que previa uma solução política para a questão. No entanto, em março de 1993, o Presidente da República Oscar Luigi Scalfaro veta o decreto. No mesmo mês, o judiciário de Palermo convocado para depor o democrata cristão Mario Andreotti, Presidente do Conselho. A partir deste, foram envolvidos grandes expoentes da política italiana, mormente membros do partido da Democracia Cristã. Um após outro, os cabeças do partido foram chamados a prestar depoimentos, tais como Arnaldo Forlani e Antonio Gava. Nestes inquéritos a justiça não se preocupou em distinguir os diversos tipos de crimes, nem mesmo resguardar a possível inocência dos acusados. No mesmo banco dos réus estavam juntamente  ministros, executivos, empresários, e bandidos, sem se falar que  o processo para os políticos era de tal maneira que, pelo simples fato de serem convocados pela justiça, publicamente transparecia a idéia que estavam imputados de culpa, ao menos moralmente atingidos.  As acusações, embora não confirmadas culposas, perante a opinião pública apareciam como definitivas. Com isso, muitas vezes tardiamente,  foi reconhecida de não poucos a inocência dos acusados. Os processos envolviam financiamentos ilícitos de partidos e corrupção estabelecendo-se uma correlação real com o mundo do crime, quando deveria ter sido apenas hipotética, que somente poderia ser reconhecida, como mais tarde foi, em poucos casos. No entanto, naquele momento, Mani Puli igualou a todos os acusados, provocando verdadeiras decapitações políticas.  Os inquéritos queriam levar à conclusão de que havia uma relação sistêmica entre política e negócios econômicos e com isso envolveu o mundo empresarial, políticos e máfia.
A reação imediata foi a fuga tanto de filiados dos partidos, mormente os tradicionais, como Democracia cristã e Partido socialista, como dos homens de negócios da política. Claro que este fenômeno atingiu também partidos de oposição mas em menor escala e com efeitos menos sensíveis. Os grandes partidos de governo, e em primeiro lugar a Democracia Cristã que estava no governo desde 1945, foram atingidos no coração. O grau de desgaste político foi incomensurável, e seu poder  ficou  corroído.
A queda livre, porém, não havia chegado ao final, era apenas o início do tornado. Em março ocorre o assassinato de Salvo Lima, na Sicilia, amigo de Giulio Andreotti.  Este acontecimento leva a uma hipótese, por parte da Justiça, de que haveria relações de interdependência entre os partidos e a máfia, objetivando com isso explicar os homicídios e atentados tais como dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borselino. Evidentemente que isto levou a Andreotti, que  fora Presidente do Conselho,  1991, pela Democracia Cristã. Apesar de ter sido absolvido após dez anos, a absolvição não convenceu a opinião pública, pois a sentença não se apoia sobre a inocência, mas sobre falta de provas materiais para que o poder jurídico pudesse enquadrá-lo dentro do crime organizado, isto é, não se pôde constatar uma relação entre o mundo legalidade-economia-criminalidade. A idéia que aflorou foi que Andreotti não era um mafioso que fazia política, mas um político que usa a máfia. As questões ético-políticas continuaram a subsistir.[2] No entanto, Andreotti, como homem público da Democracia Cristã, estava irremediavelmente atingido.   Aliás em 1999, quando da absolvição,  o partido da Democracia cristã nem mais existia. Perante a opinião pública, a Democracia Cristã provocou uma sensação de frustração, de vazio e mesmo de traição. Os estratos médios baixos, os agricultores, as mulheres, enfim, todo o eleitorado que a sustentava, além dos motivos políticos tinha outros valores nos quais se identificava na democracia cristã, entre os quais os religiosos. Aquela confiança atribuída à Democracia Cristã converteu-se primeiramente em incredulidade, depois em estupefação e finalmente em revolta, por ter sido, como pensou, tão cinicamente traída
No Partido Socialista o mais atingido foi o líder Bettino Craxi que também fora Presidente do Conselho por duas vezes, em 1983 e 1986. Craxi se tornou um símbolo de um político corrupto, que entrelaçava sistemicamente política com negócios.
Os crimes de Tangentopoli podem ser classificados sob vários critérios. Seguimos o critério de Luca Ricolfi[3]. Conforme este autor, as acusações de crimes podiam ser classificados em a) abuso de poder, b) econômico-fiscais e patrimônio, c) potencialmente de mera transgressão, d) Comportamentos violentos ( atentados, homicídios, seqüestro de pessoas),  e) associações ( mafioso, delinqüente, subversiva, militar, partido fascista), f) Opinião e informação ( revelações de segredos de ofício, instigação a desobediência às leis, difamação, vilipêndio de instituições, apologia ao fascismo, e outros),  g) Rixa e conflito, h) outros ( danos efetivos, comportamentos dolosos, atos provocativos).  
Um sintético inventário dos inquéritos judiciais nos levaria a nada menos que 914 processos, envolvendo 179 tipos de crimes. Dentre estes, os mais citados foram corrupção inerente ao cargo ( 165), extorsão ( 167), divulgação de notícias falsas ou tendenciosas ( 170), falsidade ideológica, de informação e escrita  ( somadas as três:  511), Inobservância de ordens de autoridades ( 179), ameaças obrigando a cometer crime ( 169), acordo entre contribuintes para o não pagamento de impostos ( 162), atentados ( 156), homicídios ( 75),  enfim uma infinidade de acusações.  
Em que pese o volume do(s) processo(s), a justiça levou e está levando à conclusão. Os corruptos foram julgados, condenados e a justiça foi feita. 
É um exemplo para o Brasil  







[1] MINGHETTI, Marco. I Partiti Politici e la loro Ingerenza nella Giustizia e nell’Amministrazione. Milano, Società Aperta, 1997, p. 103 a 105
[2] SCHIARRONE, Rocco. Il Processo Andreotti e La lotta alla Mafia, Il Mulino. Bologna,  p. 496 a 501,  settembre-ottobre 2001. 
[3] RICOLFI, Luca. L’Ultimo Parlamento: sulla Fine della Prima Republica. Roma, La Nuova Italia Scientifica, 1993, p. 157 a 161.

10 comentários:

  1. Um bom e inteligente artigo.

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  2. Bem, pelo menos já sabemos que existe um caminho, só falta um grande e articulado movimento da sociedade para que o Judiciário se conscientize que estamos cansados, não compartilhamos e, não aceitamos a forma como o publico e privado se entrelaçam nas negociações obscuras, onde as leis são desrespeitadas e o dinheiro que poderia tirar jovens das ruas dando-lhes educação de qualidade é direcionado para manter a incompetência de nossos representantes.

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    1. A população de nosso país não sabe o poder que tem.

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  3. Diocelia Martins Teixeira Concordo Selvino, estamos longe do resgate....

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  4. Diocelia Martins Teixeira Concordo Selvino, estamos longe do resgate....

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  5. Precisamos mesmo de limpeza geral. Mãos limpas já.

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  6. Interessantíssimo. Valeu,uma boa leitura.

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  7. Cara vai ser dificil, mas é bom mostrar o caminho.

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  8. Poderíamos chegar longe,mas os roubos e a corrupção sem controle, está tirando o direito á saúde,educação,saneamento, devemos nos acordar. Até quando?

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