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Jacques Derrida, um dos expoentes do pensamento contemporâneo desenvolveu o conceito de desconstrução para examinar, no interior dos textos, contradições, ambiguidades e a instabilidade do significado. Isso acontece porque reconhecemos no sujeito um mundo singular que sugere que os conceitos tenham múltiplas interpretações e diferentes significados. E essa forma de pensar, que acolhe o entendimento de que somos mundos diferentes, com olhares diferentes para a realidade pode sugerir que não há referências para fora do discurso e que a verdade se encerra no espaço desse olhar singularíssimo, que foi uma descoberta importante. O propósito daquele filósofo foi indicar que as contradições e dificuldades no mundo das pessoas não são naturais, mas construídas e instáveis. Não estou certo se ele queria mais que isso. Porém, o risco dessa forma de pensar, como salientaram Bauman e Bordoni em Estado de Crise, foi alimentar um perspectivismo absoluto, sem balizamento, que possa ser usado para justificar que tudo quando é dito é um discurso e que pode ser desmontado, pois tudo fica nele.
Na mesma direção de Derrida, o filósofo italiano Gianni Vattimo, identificou uma forma de pensar que recusa as verdades objetivas e certezas que não podem vir desse pensamento fechado que é débil. Ele parece sugerir que não há certezas inquestionáveis em horizontes linguísticos controversos, sendo toda forma de pensar variável e que se modifica. Junto com Pier Aldo Rovatti aprofundou o tema do pensamento débil que parte da ambiguidade e incertezas humanas para avaliar que nossa compreensão da realidade é puramente subjetiva. São teóricos o que nos apresentam o espaço da absoluta instabilidade mencionada por Bauman. Tudo o que foi dito por esses dois pensadores sugere um indivíduo que se reconhece sozinho e sem referências, numa realidade que se esvazia diante dele e nada lhe assegura. O resultado disso acaba sendo um relativismo absoluto cultivado numa sociedade sem memória. Num tal ambiente, as explicações de Paim para as perspectivas transcendente e transcendental e das diferenças entre os tipos de objetos da consciência significam um caminho para dialogar com segurança, dando e tendo a razão reconhecida.
Os elementos indicados na formulação de Antônio Paim significam resguardos necessários ao pensamento para justificar a validade das verdades filosóficas, ciência, pessoal, etc. Ainda que o que foi sugerido pelo filósofo brasileiro conviva em paz com a ideia de que somos consciências únicas, com olhares singulares para o mundo. A filosofia da cultura de Paim, embora diversa da concebida por Ortega y Gasset, oferece como ele, elementos de objetividade axiológica para além daqueles sugeridos pelo racionalismo moderno. Essas referências ficam mais importantes à medida que avança essa mentalidade líquida.
O que se encontra nas ideias de Vattimo e Rovatti, como expressão de um pensar atual, sugere que não há mais uma ideia ampla de história, do mesmo modo que não há nada, quando consideramos os relatos de Bauman, que possibilite uma compreensão verdadeira do mundo. Em última instância isso desqualifica os resultados da ciência e mesmo da lógica filosófica para não falar de um relativismo axiológico. O que procuramos indicar foi que o culturalismo de Paim, mesmo sem se valer de parâmetros tradicionais do racionalismo idealista moderno oferece elementos para pensar a História com alguma objetividade, evitando as previsões e o determinismo, mas oferecendo um modo de lidar com o passado e o futuro que fortalecem o presente. O que vem do culturalismo de Paim ajuda a marcar uma noção de História que não fique no espaço fluído daqueles mínimos propostos por Vattimo e Aldo Rovatti. O pensamento de Paim aparece como alternativa à dissolução da História.
Aprofundemos a questão moral. De Bauman vem um resumo do que vem acontecendo. Em Estranhos a nossa porta, mas especialmente em Vida em Fragmentos, sobre a ética pós-moderna são livros que resumem a questão. Neles ele comentou os dilemas éticos da pós-modernidade. O tema reapareceu em A arte da vida. Nesse último o sociólogo indicou que (BAUMAN, 2021, p. 137): “a necessidade da moral, ou simplesmente o fato de ela ser recomendável, não pode nem precisa ser discursivamente estabelecida, muito menos provada.” Portanto, escolhas morais não são propriamente necessidade e nem precisam de justificação teórica. E há mais, a sociedade liquida orientou a procura da felicidade para dentro e faz a escolha moral ser um movimento entorno do próprio sujeito narcisicamente considerado. Em outras palavras (id., p. 140): “os conceitos de responsabilidade e escolha responsável, que antes habitavam o campo semântico do dever ético de preocupar-se com as necessidades do outro, agora se mudaram ou foram transferidos para o reino da autorrealização.”
As posições de Paim mostram que a consciência humana reconhece valores no tempo e que eles são referência para ação. Valores estão além de uma subjetividade narcísica e ansiosa por gozar. Como o resultado emocional dos amores líquidos e do egoísmo extremo estão produzindo resultados ruins, um modelo ético que proponha reconhecer o valor do outro parece importante e relevante de ser considerado. E importante é que o historicismo axiológico proposto, o reconhecimento cultural dos valores não exige profunda elaboração, apenas sintonia com a tradição cultural.
Uma análise perfeita.
ResponderExcluirGostei muito.
Grande filósofo Antonio Paim em suas lições.
ResponderExcluirCertezas inquestionáveis, assim viveram muitas gerações, hoje temos um desmonte e tudo de questiona.
ResponderExcluirAntônio Paim deixou grandes ensinamentos, um filósofo que deveria ser mais estudado e reconhecido.
ResponderExcluirLeitura obrigatória, para crescimento intelectual.
É verdade, pela sabedoria deste ilustre filósofo deveríamos valorizar mais, principalmente nos cursos de filosofia.
ExcluirPara os que já viveram mais, a questão das amizades e amores líquidos, é ausência de vínculos.
ResponderExcluirEstranhos a nossa porta, interessante, vou ler.
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