sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Quem a extrema direita representa . José Mauricio de Carvalho

 



Á perda de referências culturais e valores que eram caros até poucas décadas, a ausência de confiança no bem, as brutais mudanças no mundo do trabalho, os conflitos regionais, a emergência climática são desafios atuais abordados por vários estudiosos. De algum modo eles encontram no novo nacionalismo de inspiração nazifascista uma proposta para enfrentá-los. De modo diverso do antigo nazifascismo esse novo modelo político-econômico rearranjou a combinação liberdade econômica e autoritarismo político. Nesse caso, não há propriamente um casamento do Estado com o empresariado nacional como no século passado, mas a aproximação dos dirigentes do Estado com as grandes corporações multinacionais e com o capitalismo financeiro.

Esse fenômeno foi examinado e descrito por Bauman e Mauro no livro Babel. Nesse modelo político-econômico, que é uma nova forma de nazifascismo, seus representantes apostaram na fragilização do discurso político e dos partidos, o que ficou facilitado pela incapacidade de reação de liberais históricos, principalmente os moderados e da falta de compreensão dos fatos pela social democracia. Vamos considerar que radicais de esquerda ou de direita, não possuem as melhores respostas para a grande maioria da população. Radicais viram as costas para a lei, para a democracia, para o estado eficiente e a moralidade. Liberais consequentes e respeitosos do estado de direito, sejam eles mais ou menos conservadores, emudeceram e deixaram o combate da extrema direita para a social-democracia. Essa realidade criou um ambiente propício à emergência de uma nova extrema-direita, com líderes populistas e uma pauta moral conservadora. Em resumo, o centro democrático encontra-se fragilizado. Esse contexto entregou aos partidos mais à esquerda a tarefa de preservar o estado de direito, as políticas sociais e a democracia. Apesar da fragilidade desses partidos são eles que procuram preservar a democracia e as políticas sociais, valorizar a ciência, proteger o trabalhador e assumir a responsabilidade pela pauta ambiental.

Enfim, não temos mais um estado social como no século passado, o mundo do trabalho ficou precarizado, mas apesar disso, seu projeto político é dessemelhante das posições assumidas pela extrema-direita. O estado do bem-estar social encontra-se em grande dificuldade, bem como o próprio funcionamento do Estado-nação em função da desterritorialização do capital. Assim, com o motor da economia nas mãos das grandes corporações, inclusive de narrativas criadas nas redes sociais recheadas de fakes, trabalhadores, profissionais liberais e mesmo o capital que tem interesses localmente situados encontram-se fora do protagonismo econômico. À parte de que radicais de qualquer orientação não ajudam o jogo político, o fenômeno mais curioso é a desorientação dos liberais históricos, eles deixaram de ocupar o campo político. Eles não se sentem representados pelos sociais democratas, acabam se aproximando da extrema direita, mas ela não está alinhada com seus interesses.

Os autores de Babel que estudaram esse fenômeno, entenderam que a fragilização do estado do bem-estar social, que notamos hoje em dia, teve origem na mudança do capitalismo industrial para o financeiro. Na nova realidade, o capital já não necessitava conviver com o trabalho num certo local, o que é uma boa explicação para a destruição das políticas sociais e de investimento dos Estados nacionais. Assim, como não lhe é imprescindível a democracia política para negociar interesses contraditórios de uma sociedade, pois o importante é que o Estado passe a funcionar como uma delegacia de polícia para conter consumidores falhos, expulsar estrangeiros indesejáveis, perseguir minorias e quaisquer contestadores da nova ordem. E muitos empregados, boa parte da classe média, o empresariado local passou a apoiar políticos de extrema direita porque temem se tornarem eles próprios consumidores falhos. Ao fazer isso passam a defender um projeto político que, em suas grandes linhas, não lhes favorece e que foi resumido no conceito de pobres de direita.

Assim, embora não seja possível prever o sucesso da solidariedade social nas democracias sobreviventes, essa forma de governo parece ser a que melhor atende os interesses da cidadania, do cidadão comum, incluído o empresário localmente instalado. Não se pode reunir, pelo menos atualmente, a esquerda e a direita na tendência antidemocrática e não é à toa que a ultradireita emergente retomou, como no século passado, um viés nitidamente antidemocrático. Essa ultradireita defende a liberdade, mas o conceito apenas traduza a possibilidade de o capital ir e vir sem dificuldades, desregulamentando o mundo do trabalho, deixando de considerar os interesses locais, mesmo os dos empresários localmente situados. Assim, esse novo mundo favorece o enriquecimento dos super ricos, promovendo uma concentração de riqueza sem precedentes na história humana. Assim, os dois autores nos oferecem uma síntese da face política e econômica da atual crise de cultura.

 

8 comentários:

  1. BABEL, está muito bem identificado.

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  2. Nos tempos de hoje tudo é muito rápido, difícil ter respostas, para tantas inquietações.
    Mas Babel, tenta levar o leitor a aprofundar seu conhecimento e entender o momento.

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  3. Muito triste ler a realidade que vivemos, o estado uma máquina feroz cobrando impostos, com total desperdício.
    As dívidas para o povo.
    Bem-estar social, aos privilegiados.
    Viva BABEL.

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  4. Não se trata de unir lados opostos.
    Precisamos falar a mesma linguagem.
    Falta conhecimento da realidade que temos nos muitos brasis.

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  5. Os muitos " brasis" e a ilha da fantasia, Brasília.
    Assim estamos vivendo, Babel.

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  6. O desnível pobreza e riqueza sempre existiu, o rico quando tem uma empresa, dá emprego, se for um bom patrão está cooperando com o quem precisa deste trabalho.
    Errado este jeito de tratar o empreendedor como explorador.

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  7. Solidariedade social, é questão de educação.
    O governo não dá conta, não é pauta de esquerda, deve ser plano de governo, independente de partido político.

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  8. Verdade, devemos apreender a unir, não desunir, não colocar uns contra os outros.
    Para Deus somos todos iguais.
    A pauta é liberdade e respeito, o que aprendemos com nossos pais.

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