A consciência da finitude tornou-se tema privilegiado da
filosofia existencialista. Essa passou a retratar a alma contemporânea. Nela a
morte se tornou representativa das limitações humanas, exemplo do que é a vida.
Filósofos como Karl Jaspers deram destaque a ela como representação de outras
limitações da existência, base de nosso pensar sobre a existência.
O mundo moderno foi terra de estabilidade, nele o que
tinha força era a participação pessoal nas instituições e se requeria uma
personalidade estável e a participação em instituições igualmente seguras.
Bauman entrou nessa discussão lembrando em Vida em fragmentos que (BAUMAN,
2011, p. 151): “nem o trabalho, nem o serviço militar são hoje muito
demandados.” Isso porque o emprego industrial perdeu relevância e passou a ter
um peso menor nas economias nacionais e as guerras tecnológicas não demandam
numerosos combatentes nem um vasto número de reservistas. Por outro lado, a
redução do peso do trabalho industrial e da vida militar retirou de governos e
sociedade a responsabilidade maior com o cuidado com a saúde.
Com a transformação do cuidado com o corpo, o homem de
hoje perdeu o controle rígido sobre as porções alimentares da modernidade
quando (id., 157): “o alimento precisava ser ingerido nas quantidades medidas
para manter o fornecimento de energia muscular nos padrões exigidos pelo
trabalho civil e serviço militar.” Essa despreocupação com o planejamento
alimentar levou ao sobrepeso e à doenças associadas ao consumo de alimentos
calóricos. Manter o corpo em forma, atualmente, significa colocá-lo em
condições de obter máxima estimulação.
A transformação no objetivo do cuidado corporal provocou
outra alteração na vida social. Se já não são mais os médicos ou a exigência de
saúde que controlam o que a pessoa deve ou não fazer e comer para ter boa
saúde, o critério tornou-se obter prazer. O indivíduo é responsável pelas
escolhas que faz (id., p. 160): “o corpo coletor de sensações é uma criação do
tipo faça você mesmo, e seus defeitos são percalços auto infligidos.” Isso
significa que eventuais falhas nesse processo estão na conta exclusiva do
indivíduo. Os objetivos são o prazer alimentar, mas é preciso atenção com a
estética corporal.
O homem de hoje ansioso por prazer não olha o outro com
responsabilidade. Ele não tem nada a ganhar (id., p. 168/9): “com o ser-para o
outro.” No caso do coletor de sensações em especial, manter a responsabilidade
e independência do outro é estratégico. É necessário que o outro seja visto
assim e essa alteridade dá a cada um a responsabilidade de sua vida, de modo
que cada um cuide de obter o maior prazer, o outro que se lasque.
O medo da finitude, núcleo da filosofia da existência,
foi correlacionado a outros receios hodiernos por Zygmunt Bauman no livro Vida
Líquida. O primeiro medo examinado pelo sociólogo é o de tornar-se consumidor
falho, medo de perder a atual condição de consumidor. Isso pode ser resumido
assim (BAUMAN, 2009, p. 90): “em vez de grandes expectativas e doces sonhos, o
progresso evoca uma insônia repleta de pesadelos de ser deixado para trás,
perder o trem ou cair da janela do veículo em rápida aceleração.” Esse é o
tormento da classe média que acha que apoiar a extrema direita o livrará dos
riscos representados pelos consumidores falhos, embora os riscos que o ameaçam
tenham outra origem, que eles desconhecem.
Um segundo receio de nossos dias que foi mencionado por
Bauman foi tratado em Estranhos à nossa porta (2017). Ele representa a
indisposição com o estrangeiro, o diferente, o pobre, enfim o marginal, as
minorias, o consumidor falho. Para o cidadão de classe média (id., p. 92): “a
segurança pessoal tornou-se um dos principais pontos de venda, talvez o
principal, em toda espécie de estratégias de marketing.” O diferente é
apresentado como criminoso, mesmo que de fato não o seja. O propósito desse
cidadão é cercar o próprio espaço de modo a se sentir seguro, pois a
globalização exige cada vez menos mão de obra para os trabalhos e há cada vez
mais desocupados. Um bom exemplo é a produção agrícola, realizada com
tecnologia crescente, produzindo grandes excedentes de mão de obra. O resultado
é uma grande migração para as cidades, embora (id., p. 95): “o crescimento do
capital em sua área urbana é muito pequeno para acomodá-los.”
Essa busca por segurança transformou casas em fortalezas,
bem como bairros inteiros em ambientes fechados. E a classe média tenta se
proteger do diferente. O medo também alcançou a construção do espaço público,
cada vez menos valorizado e ocupado pelos consumidores. Assistimos uma transformação
urbana (id., p. 99): “o espaço público foi a primeira baixa de uma cidade que
está perdendo a árdua luta para deter ou pelo menos reduzir o avanço inexorável
da força avassaladora da globalização.”
A deterioração do espaço público veio junto com o
desprestígio da democracia e a emergência do neonazismo mundo afora, já que é
em espaços públicos que a democracia se fortalece. Essa deterioração atinge
principalmente aqueles espaços que pretendem superar as diferenças entre
cidadãos. O desprestígio é parte da atual falta de compromisso com a democracia
pelas grandes corporações e o capital financeiro e pelos medos que atingem a
classe média.
Uma profunda e instigante REFLEXÃO.
ResponderExcluirAs pessoas estão tão perdidas, até a alimentação é preocupante, antes era tão simples.
ResponderExcluirNunca houveram tantas oportunidades e cursos técnicos.
ResponderExcluirMas na região que resido , faltam profissionais, principalmente na construção civil.
Concordo, fale sobre a importância de trabalhar, o que aprendemos com nossos pais.
ExcluirDinheiro não cai do céu, estude, é tua herança.
Trabalhe, seja digno.
Está ânsia por prazer, está formando uma geração de pessoas vazias, gratidão zero.
ResponderExcluirConcordo com você, uma geração mimi, ansiosa e carente para enfrentar desafios.
ExcluirOs espaços públicos, que eram lugares de descanso, encontros para mães e suas crianças, nos tempos que vivemos precisam ter guardas, o medo está aprisionado as pessoas.
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ResponderExcluirHoje o medo é transmitido a população, parece que só notícias ruins são importantes.
A democracia se fortalece nos espaços públicos, verdade.
ResponderExcluirFaça uma análise do momento, aonde o estado falha, falta segurança para a população.
É isto que sentimos.
Mas bah, o errado virou certo, nós presos e os fora da lei libertos ocupando os espaços pago com nosso dinheiro.
ResponderExcluirBom ir nas ruas escutar o povo.
Você sabia que existe empregos nas lavouras?
ResponderExcluirMas precisamos de pessoas competentes, que saibam manejar uma máquina agrícola.
Significa estudar, uma máquina tem tecnologia avançada.
Verdade, quem se prepara com um bom curso técnico e boa vontade, não falta emprego.
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